Recentemente, um estudo publicado na revista Science revelou que através da tecnologia óptica Lidar, pesquisadores identificaram até 23 mil estruturas pré-colombianas na Amazônia, destacando a rica presença humana na região antes da chegada dos colonizadores.
Pesquisadores ao longo de trinta anos têm mostrado que, muito antes da chegada dos colonizadores portugueses em 1500, o território brasileiro, sobretudo na Amazônia, contava com uma grande população possuidora de um significativo grau de desenvolvimento.
Um recente artigo da revista Science, denominado “Mais de 10.000 terraplenagens pré-colombianas ainda estão escondidas em toda a Amazônia” – contando com a contribuição de 230 especialistas – estimou a existência de 10 mil a 23 mil construções que evidenciam a ocupação humana pré-colombiana na região amazônica.
A tecnologia reveladora
A base para tais conclusões foi um meticuloso mapeamento com sensores equipados com a avançada tecnologia óptica Lidar, que é capaz de detectar luz e medir distâncias. Esse equipamento, montado em drones ou aeronaves, emite milhares de pulsos laser por segundo, medindo a distância após cada pulso. Como Vinicius Peripato, geógrafo e principal autor do estudo, ilustra: “É semelhante a uma radiografia”. Esse instrumento de alta precisão permitiu aos pesquisadores vislumbrar o terreno da Amazônia sob as copas das árvores por meio do processamento de dados.
Geoglifos: marcas misteriosas do solo
Quando se observa de cima, especialmente em áreas já desmatadas na parte ocidental da Amazônia, é possível notar grandes padrões geométricos no chão, denominados geoglifos. Desde os anos 2000, esses geoglifos têm sido identificados através de imagens de satélite, acessíveis tanto para cientistas quanto para entusiastas, por meio do Google Earth. Segundo Luiz Aragão, biólogo e coordenador do referido artigo da Science, “Conseguimos detectar centenas destas construções, principalmente no oeste amazônico”.
Os desafios arqueológicos dos últimos 20 anos
Durante as últimas duas décadas, escavações arqueológicas revelaram que essas estruturas geométricas detinham uma significância religiosa. Com o conhecimento destes achados, Peripato e sua equipe teorizaram que mais vestígios da antiga ocupação humana poderiam estar escondidos sob as árvores da floresta, dando início à desafiadora busca por eles.
Dados Lidar e Sua Evolução Os dados iniciais obtidos pelo sensoriamento Lidar foram projetados primariamente para avaliações de biomassa e não possuíam a resolução ideal para fins arqueológicos. Peripato esclarece: “Embora testes anteriores sugerissem a presença destas estruturas, a precisão era insuficiente.” Contudo, apostando na possibilidade, a equipe formulou uma técnica para remover virtualmente a vegetação e realçar as características do terreno. “Foi um sucesso! Descobrimos 24 estruturas até então inexploradas.” Este levantamento se estendeu por uma área de 5.315 km² da Amazônia, ou seja, 0,08% de toda a floresta.
Modelo matemático e predições
Estimulado pelo achado, Peripato concebeu um modelo matemático com o objetivo de prever a localização e quantidade de geoglifos semelhantes por toda a Amazônia. Levando em consideração diversas variáveis ainda não estudadas, ele combinou os dados do Lidar com registros de 937 estruturas arqueológicas já identificadas. Com base nesse modelo, estima-se a existência de pelo menos 10.272 estruturas pré-colombianas ocultas, com um potencial máximo de 23.648, em uma extensão de 6.700 km² da floresta.
Ecologia e Arqueologia
A presença de 53 espécies de plantas domesticadas, relevantes para a dieta humana, foi registrada em anteriores levantamentos florestais. Estas podem se tornar indicativos da presença de estruturas arqueológicas espalhadas pela vastidão da Amazônia.
Luiz Aragão reflete sobre a magnitude do projeto: “Este empreendimento exigiu uma equipe multidisciplinar e a implementação de tecnologias de última geração.” Enquanto a datação dos geoglifos ainda não identificados foi estimada com base em estudos arqueológicos anteriores sobre tais construções, a confirmação real somente ocorrerá após escavações e análises materiais detalhadas.
A visão dos arqueólogos
O arqueólogo Eduardo Góes Neves, afiliado ao Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), destaca a relevância do estudo: “Este é um artigo crucial que reitera o que os arqueólogos vêm afirmando por anos: a Amazônia era densamente habitada no passado.” Ele reforça que, não só essas comunidades habitavam a região, como também moldavam o ecossistema. De fato, evidências sugerem que a presença humana na Amazônia remonta a cerca de 12 mil anos. Para muitos especialistas, a Amazônia é vista como um legado biocultural moldado tanto pela natureza quanto pelas civilizações passadas e presentes.
Vinicius Peripato reflete sobre as transformações humanas na floresta: “As alterações humanas na floresta fornecem insights preciosos para compreender a dinâmica de um bioma habitado por milhares de anos, sua capacidade de recuperação e resiliência.” Ele destaca que, diante das atuais mudanças climáticas, entender o funcionamento desse ecossistema torna-se vital.
A importância da preservação indígena
Neves aponta que muitos dos geoglifos preservados estão situados em territórios protegidos ou terras indígenas. Ele ressalta: “São os povos indígenas que, frente ao avanço do agronegócio e da consequente degradação, salvaguardam essas estruturas na Amazônia.” O pesquisador acredita que o legado indígena permeia o Brasil inteiro, sendo fundamental na formação dos biomas brasileiros. Ele conclui: “Não podemos dissociar a trajetória dos povos indígenas da história do Brasil.”
Com informações da Revista FAPESP
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