Nos últimos anos, os corredores e salas de exibição de museus de todo o mundo têm vibrado com cores, símbolos e histórias originárias das tribos indígenas do Brasil e da América Latina. Em uma onda de reconhecimento tardio, artistas historicamente ofuscados estão ganhando um destaque sem precedentes nos palcos globais.
Exposições como Siamo Foresta em Milão, The Yanomami Struggle em Nova York, e BËI: Bancos Indígenas do Brasil no Japão, são um testemunho desta tendência crescente. Elas não apenas honram a estética impecável das obras indígenas, mas também se aprofundam nas raízes de suas cosmologias, trazendo questões socioambientais para o foco.
Este ressurgimento no mercado de arte, onde os ecos das malocas ressoam nas galerias, não é apenas um testemunho do poder da arte indígena. É também uma reflexão sobre a crescente conscientização mundial em torno das injustiças do colonialismo. Um exemplo emblemático dessa revisão é a decisão do Museu Nacional da Dinamarca de devolver o manto tupinambá do século 16 ao Brasil, corrigindo um equívoco que durou três séculos.
Obras expostas na mostra The Yanomami Struggle, que esteve este ano no The Shed, em Nova York (EUA). Foto: Adam Reich/Fondation Cartier pour l’art contemporain
Os coletivos indígenas estão no epicentro desta revolução artística. O Grupo Yanomami, com artistas renomados como André Taniki, Sheroanawe Hakihiiwe, Vital Warasi e Joseca Mokahesi, tem sido um baluarte desta mudança. Ao lado da icônica fotógrafa Cláudia Andujar, eles deram vida à luta e resistência do povo Yanomami, evidenciando a tragédia humanitária recentemente enfrentada por eles.
O antropólogo francês Bruce Albert, curador da exposição Siamo Foresta, definiu acertadamente esta nova onda de exposições, dizendo que ela “encena um diálogo inédito entre pensadores e defensores da floresta, entre artistas indígenas e não indígenas”. Mais do que simples exibições, estas mostras estão redefinindo a narrativa da arte, propondo um mundo que ultrapassa as fronteiras do antropocentrismo e celebra a diversidade da vida.
Os ecos destas exposições não só enriquecem o mercado de arte global, mas também servem como um lembrete de que a arte e a política estão entrelaçadas, e que juntas, elas têm o poder de transformar o mundo.
A Arte Indígena Contemporânea: Uma Perspectiva Além dos Paradigmas Ocidentais
Em um momento histórico onde a arte indígena emerge com força nas salas de museus internacionais, a narrativa eurocêntrica dominante está sendo desafiada. A presença destes artistas originários no cenário contemporâneo não é apenas uma nova fase estética, mas também um reflexo profundo da interseção entre cultura, ecologia e política.
Edson Kayapó, do povo Mebengokré e curador do núcleo das Histórias Indígenas do MASP, pontua uma verdade incontestável: os povos indígenas sempre produziram arte. O que mudou foi o olhar da sociedade que, agora, está começando a compreender sua profundidade e significado. Neste cenário, obras como as do coletivo Mahku, do povo Huni Kuin, exibidas em “Siamo Foresta”, são uma expressão de resistência e preservação cultural.
Mas o que a arte indígena representa em meio à crise climática e socioambiental? Para Edson, a arte vai além da estética, é uma manifestação do relacionamento intrínseco dos povos originários com a natureza. A pandemia de COVID-19 serviu como um alerta para a humanidade sobre a necessidade de reavaliar nossa relação com o planeta, e a arte indígena traz essa perspectiva de coexistência e respeito.
Dentre os artistas que se destacam neste cenário está Jaider Esbell, do povo Makuxi, que não só desafiou os paradigmas artísticos, mas também lutou para abrir portas para outros artistas indígenas. No entanto, sua trágica partida em 2021 ressaltou o peso e as tensões do mercado da arte sobre os artistas.
A Galeria de Arte Jaider Esbell, inaugurada após sua morte, assim como suas obras em exibições internacionais e aquisições de instituições renomadas, como o Centre Georges Pompidou, consolidam seu legado. E é um legado que serve como um lembrete de que a arte indígena não é apenas uma moda passageira ou um elemento exótico na história da arte global, mas sim uma parte vital e duradoura dela.
No final das contas, este é um momento de reflexão, reavaliação e, acima de tudo, reconhecimento. Reconhecimento da arte que tem suas raízes em milênios de história, e da necessidade de garantir que essas vozes continuem sendo ouvidas e valorizadas
Bancos Indígenas: Estética, Cosmologia e Reconhecimento Internacional
A fusão da arte com a espiritualidade e a cosmologia indígena vem encontrando espaço nas galerias internacionais e nas casas de colecionadores de arte por todo o mundo. Em particular, os bancos indígenas, mais do que meros objetos utilitários, são uma expressão profunda da conexão dos povos originários com a natureza e o universo ao seu redor.
Mayawari Mehinako, um escultor da Aldeia Kaupüna, no Xingu, explica essa conexão com profunda reverência. Quando Mayawari abriu a exposição da coleção BËI: Bancos Indígenas do Brasil no Japão em 2019, ele estava apresentando não apenas peças artísticas, mas também componentes fundamentais da cosmologia indígena. Cada banco, na cultura de Mayawari, tem um significado e propósito específico, associados a figuras como caciques, cantores, pajés e mulheres.
Estes bancos, esculpidos com imagens de animais e elementos da natureza, são também uma forma de preservar a biodiversidade, representando espécies ameaçadas. Através do trabalho de Mayawari, a aldeia Kaupüna tem experimentado desenvolvimentos significativos. As vendas dos bancos têm financiado obras essenciais, como a construção de postos de saúde e a planejada construção de uma escola. Estes projetos não apenas beneficiam a comunidade local, mas também incentivam a continuação e revitalização das tradições artísticas.
Tomás Alvim, diretor da BËI, reitera o crescente interesse internacional pela arte indígena, mencionando futuras exposições da coleção em países como Portugal e Espanha. E a visibilidade não termina aí. A marchand Carmo Johnson, associada ao coletivo Mahku, destaca que o grupo terá a honra de criar um mural na prestigiosa Bienal de Arte de Veneza, uma conquista notável que reafirma o reconhecimento e respeito pela arte indígena no cenário global.
Este crescente reconhecimento internacional não é apenas um testemunho do talento e da profundidade da arte indígena, mas também um sinal de uma mudança na narrativa cultural global, onde as vozes e perspectivas indígenas estão, finalmente, recebendo o espaço e o respeito que merecem.
*Com informações MONGABAY
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