Sócios do Frigo10, incluindo o próprio governador Denarium, acumulam R$ 20 milhões em multas por crimes ambientais na floresta amazônica. Um deles, Ermilo Paludo, criou gado ilegal na Terra Yanomami por mais de 20 anos. Em 2022, Denarium concedeu ao parceiro de negócios uma área de floresta pública para criação de boi. Na mesma área, procurador de Paludo já tem autorização para explorar ouro.
Por Fábio Bispo
O Frigo10, frigorífico que tem o governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), como um dos sócios fundadores, está ligado a fazendeiros multados por desmatamento, crimes ambientais e invasões na Terra Indígena Yanomami para criação de gado. Cinco sócios da empresa, incluindo Denarium, receberam ao todo 18 multas ambientais entre 2005 e 2019 que somam R$ 20 milhões.
Inaugurado em 2017 como o primeiro frigorífico privado de Roraima
Antes, a pecuária de Roraima era atendida pelo Matadouro e Frigorífico Industrial de Roraima (Mafir) , a estrutura do Frigo10 tem capacidade para abater até o dobro da atual demanda do estado. A construção do frigorífico foi bancada por um grupo de 10 empresários do agronegócio, incluindo Denarium, que presidiu a companhia até 2018, quando foi eleito governador, e permanecendo como sócio na empresa depois disso.
O histórico da sociedade do Frigo10 mostra que metade dos dez fazendeiros ligados ao negócio foram autuados por crimes ambientais. O próprio Denarium sofreu multa de R$ 135 mil, em 2018, pelo desmatamento de 26,6 hectares de floresta amazônica sem autorização, no município de Iracema, onde possui fazendas.
Entre os sócios infratores está Ermilo Paludo, que por mais de duas décadas manteve fazendas de gado dentro da Terra Indígena Yanomami e acumula R$ 3,7 milhões em multas e embargos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Em dezembro do ano passado, ele recebeu doação do governo de Roraima, assinada por Denarium, de uma área de 2,3 mil hectares em faixa de fronteira para criar gado e explorar ouro.
No total, os sócios do Frigo10 autuados pelo Ibama, juntos, afetaram a preservação de 4,5 mil hectares de floresta amazônica em diversas regiões de Roraima.
Eleito em 2018 pelo PL, mesmo partido que elegeu Jair Bolsonaro naquele ano, Denarium ganhou a eleição defendendo o agronegócio e a expansão agropecuária em Roraima. Uma das promessas era promover a regularização fundiária.
Sob a gestão de Denarium, Roraima atingiu o maior rebanho bovino da história, chegando a 1,1 milhão de cabeças de gado nos pastos. Mesmo com o crescimento da produção, logo nos primeiros meses de 2019, o governo demitiu 88 funcionários do Mafir, operado pelo governo do estado, que acabou fechando as portas. Em 2018, na campanha, Denarium havia dito que não fecharia o frigorífico público. O Frigo10 de Denarium e seus sócios se tornou o único em Roraima habilitado pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF).
Como Paludo barrou a Funai em suas fazendas
Um dos sócios do Frigo10 junto com o governador Antonio Denarium é bastante conhecido do povo Yanomami. Ermilo Paludo, criador de gado que teve 746 hectares de áreas embargadas pelo Ibama em 2013 dentro da TI Yanomami, acumula um longo histórico de conflito com os indígenas.
Na década de 1990, Paludo liderou movimentos contra a demarcação da terra indígena e por quase 20 anos (entre 1992 e 2008) impediu que as equipes da Funai fizessem a medição topográfica da área onde mantinha fazendas, dificultando a desintrusão da área.
Nesse período, o produtor rural foi acusado de aliciar indígenas e de impedir os Yanomamis de acessar seu território. Em 2007, lideranças denunciaram que Paludo teria feito ameaças de morte contra Davi Kopenawa, afirmando que mataria o líder caso fosse retirado das fazendas.
Enquanto a floresta ia diminuindo na região, o gado de Paludo foi engordando em terras indígenas. Em entrevista a um jornal local, em 2013, o ruralista confirmou que chegou a ter 3 mil cabeças de gado dentro do território Yanomami.
Nascido no município de Arroio do Meio (RS), o gaúcho Paludo chegou em Roraima no final da década de 1970, com o projeto de colonização da Amazônia no Plano de Integração Nacional (PIN), elaborado pelo general da ditadura militar Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Na época, mais de cem lotes foram demarcados e distribuídos com fins de promover a colonização da região através da instalação de empreendimentos agropecuários com a construção da rodovia Perimetral Norte (BR-210).
Em 1991, a propriedade de Paludo deveria ter sido desapropriada e indenizada com a demarcação da Terra Indígena Yanomami, homologada em 1992. Ele perdeu na Justiça todas as tentativas de permanecer no território. Em 2004, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal reconheceu em definitivo que as terras da região do Ajarani, no município de Caracaraí (RR), extremo leste da Terra Indígena Yanomami, pertencem aos Yawaripë, subgrupo Yanomami.
Mas Paludo não saiu do território como esperavam os Yanomami.
Nesse meio tempo, o pecuarista fundou a primeira cooperativa agropecuária de Roraima, a Coopercarne, com o empresário José Lopes Primo e introduziu milhares de cabeças de gado no território Yanomami, tornando-se um dos maiores pecuaristas do estado. Mais tarde os dois se juntariam a Denarium para fundar o Frigo10.
A Funai só conseguiu entrar e fazer o levantamento da área ocupada por Paludo na terra indígena em 2008. Mas o pecuarista não concordou com os valores da indenização e continuou na terra por mais seis anos.
O próprio Davi Kopenawa, que tinha sido ameaçado anos antes, voltou a denunciar a situação irregular das fazendas em ofício encaminhado à Funai, em 2013.
O líder indígena apontava que os pecuaristas tinham ampliado as áreas das fazendas no interior da Terra Yanomami com a intenção de ampliar também os valores de indenização que deveriam ter sido aceitos em 1991, quando a Justiça Federal de Roraima já havia decidido pela desapropriação.
Em 2013 vieram as multas e os embargos das fazendas de Paludo e de seus parentes pelo Ibama. Foram 12 áreas embargadas dentro da TI na região do Ajarani, e 19 autos de infração lavrados contra Paludo e outras seis pessoas, entre elas a irmã, o cunhado e outras pessoas ligadas ao pecuarista. O grupo foi multado em R$ 14,6 milhões.
A Hutukara Associação Yanomami (HAY), que por diversas vezes denunciou as ilegalidades, informou à reportagem que, depois de mais de 20 anos da ocupação ilegal, os fazendeiros saíram da terra indígena.
Em 2014, após firmar acordo com o Ministério Público Federal (MPF), Paludo deixou a terra indígena e foi indenizado pela ocupação reconhecida pela Funai como anterior à demarcação. Segundo o órgão, 12 fazendas ilegais na TI foram desocupadas naquele ano.
Denarium entregou floresta para sócio criar gado e explorar ouro
Nos primeiros meses de seu primeiro mandato, em 2019, Antonio Denarium conseguiu transferir 400 mil hectares de áreas federais para o estado de Roraima. Essa transferência permitiu colocar em prática uma das suas principais promessas de campanha aos produtores rurais que ele chamou de “regularização fundiária”.
Ermilo Paludo, sócio de Denarium e considerado um dos maiores produtores de Roraima, foi um dos agraciados no programa com 2.390 hectares de uma área totalmente coberta por floresta preservada no município de Amajari, a apenas sete quilômetros da Terra Indígena Santa Inez, do povo Macuxi.
O imóvel está registrado com o nome de fazenda Santa Maria e fica na faixa de fronteira com a Venezuela, em uma área de floresta pública não destinada. Esta categoria fundiária é a mais desmatada e também a mais grilada na Amazônia.
Em novembro de 2022, a fazenda Santa Maria foi repassada ao pecuarista a título de “doação”, e sem quaisquer custos. Antonio Denarium assinou o título definitivo, que em sua cláusula segunda diz que o imóvel tem “objetivo de prover subsistência e a progressão social e econômica dos ocupantes”.
Na área de floresta doada pelo governador de Roraima, Paludo pretende criar mais gado. Em janeiro deste ano, o pecuarista protocolou pedido de autorização de uso dos recursos hídricos da área para criação de gado. No pedido ele informa a introdução de 10 cabeças como plano inicial para os 2,3 mil hectares.
Imagens de satélite de janeiro de 2023 mostram que a área está totalmente coberta por floresta, sem sinais de ocupação anterior.
Segundo a lei estadual 976/2014, a regularização fundiária será realizada para “quem comprovar a ocupação mansa e pacífica”.
Paludo tem sete propriedades rurais cadastradas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), incluindo a fazenda Santa Maria, somando 8,5 mil hectares de terras.
Se não bastasse, em parte da terra doada pelo estado para Paludo e no entorno há, desde maio de 2020, autorização da Agência Nacional de Mineração (ANM) para mineração de ouro.
Texto publicado originalmente em Info Amazônia
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