Mandato do nomeado para Funai será de dois anos; indigenistas questionam a lógica da nomeação dado que o novo governo se aproxima
Por Rubens Valente
A poucos dias do final do governo de Jair Bolsonaro, o Ministério da Justiça decidiu nomear um servidor da CGU (Controladoria Geral da União) com um mandato de dois anos no cargo de corregedor do órgão indigenista. O ministério é comandado pelo delegado da Polícia Federal Anderson Torres, um apoiador político de Bolsonaro.
A nomeação do auditor Aurisan Souza de Santana, um nome que não atuou antes na Funai e cuja atividade atravessaria quase a metade do mandato do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), gerou desconforto e desconfiança entre os servidores da Funai. Há previsão legal para o mandato de dois anos, mas muitos indigenistas questionam por que a decisão da escolha do novo nome não foi deixada aos novos gestores que tomarão posse a partir de 1º de janeiro. A portaria de nomeação foi assinada no último dia 2 pelo secretário-executivo do Ministério da Justiça, Washington Leonardo Bonini.
“A gente fica preocupada justamente por ser no apagar das luzes do governo e porque pode trazer embutida alguma tentativa de continuidade, no novo governo, da maneira de atuação da gestão de Xavier [em referência ao atual presidente da Funai, Marcelo Xavier, também delegado da PF]”, disse Fernando Vianna, presidente da INA (Indigenistas Associados), que reúne servidores da Funai.
Até ser nomeado na Funai, Aurisan Santana exercia o cargo de assessor especial do ministro da CGU, Wagner Rosário. Egresso do meio militar, onde chegou a ser capitão do Exército, Rosário defendeu e justificou, ao falar no Congresso Nacional em abril passado, os gastos de Bolsonaro nas suas férias de dezembro de 2021 a janeiro de 2022. Segundo levantamento da oposição, aquelas férias de Bolsonaro em Santa Catarina representaram um gasto de R$ 2,4 milhões. Em 2021, ao ser ouvido na CPI da Covid, Rosário ofendeu a senadora Simone Tebet (MDB) ao chamá-la de “descontrolada”.
O novo corregedor da Funai vai substituir a delegada de Polícia Civil Ana Terra, que estava no cargo desde julho de 2020, cedida pela Polícia Civil de Mato Grosso. Assim, o mandato da delegada havia acabado em julho de 2022.
A Corregedoria tem poder de abrir e diligenciar processos administrativos disciplinares, os PADs, que podem culminar até em demissões do serviço público. Ao longo dos quatro anos do mandato de Bolsonaro, vários servidores da Funai que de alguma forma manifestaram oposição à política do governo se tornaram alvos do órgão. Por outro lado, uma Corregedoria alinhada com o bolsonarismo pode atuar para obstaculizar ou arrastar eventuais novas apurações a serem abertas a partir da posse do novo presidente da República, em 1º de janeiro.
Fundação Anti-Indígena
O amplo estudo “Fundação Anti-Indígena, um retrato da Funai sob o governo Bolsonaro”, feito pela INA e pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e divulgado em junho passado, apontou que, de 2019 para cá, “aumentou vertiginosamente o número de processos administrativos disciplinares (PAD), refletindo uma deliberada política institucional”.
“Além de disseminar medo e desconfiança no ambiente de trabalho, o uso constante deste instrumento implica diminuição do tempo disponível para as tarefas cotidianas finalísticas dos servidores, considerando-se que os processos são analisados pelos próprios funcionários, já sobrecarregados, tendo em vista o exíguo quadro de pessoal do órgão. Convocados a dedicar-se a duas ou mesmo três comissões simultâneas de PAD, sua própria possibilidade de dedicação às atividades indigenistas é afetada. A primazia do trabalho finalístico não é considerada pela Corregedoria, que rejeita substituir servidores designados para comissões de PAD”, afirmou o estudo, divulgado em junho passado.
O estudo também apontou que os servidores estão submetidos “à tentativa de cerceamento de sua liberdade de expressão, no que se refere seja ao uso de redes sociais, seja ao contato com a imprensa”.
“Em fevereiro de 2021, a Corregedoria da Funai enviou e-mail com ameaça de punição a quem se manifestar criticamente em redes sociais, sob o fundamento de dever de lealdade à instituição, previsto no regime jurídico dos servidores públicos federais. O texto recebido pelos servidores, no entanto, transforma lealdade à instituição em alinhamento com os superiores e suas opiniões, na pior lógica policialesca do presidente do Órgão”, diz o estudo.
A comunicação interna da Corregedoria dizia que “o servidor que publica mensagem em uma rede social que cause ‘repercussão negativa à imagem e credibilidade’ da instituição da qual faz parte pode responder por descumprimento do dever de lealdade”.
Uma das sugestões do estudo do Inesc e da INA foi exatamente “estruturar a Corregedoria da Funai de forma a priorizar atividades de prevenção sobre situações faltosas, visando garantir a integridade da pasta como importante ferramenta da administração pública”.
O Ministério da Justiça e a Funai foram procurados pela Agência Pública para comentar o assunto. Se houver manifestação, este texto será atualizado.
Fonte: Agência Pública
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