Proprietários rurais, lideranças comunitárias aliados a prefeituras de 49 municípios entre Minas Gerais e Espírito Santos apoiam projeto que busca muriquis perdidos e isolados
É difícil ignorar um muriqui. Com seus braços e pernas longilíneos de tom acinzentado, uma barriga avantajada e uma longa cauda, os muriquis-do-norte são os maiores da América. Ainda assim, apenas os olhos dos pesquisadores não são suficientes para encontrar estes animais, que estão distribuídos por uma ampla região de florestas fragmentadas entre os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Por isso, o Muriqui Instituto de Biodiversidade (MIB) está articulando reforços: a ciência cidadã.
Esse esforço de multiplicar os olhos sobre o território tem uma atenção especial: as fêmeas migrantes. Isso porque na dinâmica populacional dos muriquis, cabe às fêmeas, ao atingirem a maturidade sexual, saírem em busca do seu grupo para constituir uma nova família. Esse comportamento, apesar de fundamental para a diversidade genética dos muriquis, representa um risco em meio a um habitat severamente destruído nos últimos cinco séculos – a Mata Atlântica. Com seu lar fragmentado, muitas fêmeas se perdem e acabam isoladas em ilhas de floresta ou até em quintais de propriedades rurais.
O projeto recebeu o nome “Rede Muriqui” porque seu objetivo é exatamente este, formar uma teia de comunicação entre moradores e cientistas para identificar estes muriquis perdidos e protegê-los. Com uma população estimada em menos de 1 mil indivíduos, “cada indivíduo conta”, pontua o biólogo e diretor do MIB, Marcello Nery, que coordena a iniciativa.
A iniciativa inclui sete expedições para áreas prioritárias: o Corredor Ecológico Sossego x Caratinga; a região serrana do Espírito Santo; o município mineiro de Peçanha; e o entorno de quatro parques – Caparaó, Serra do Brigadeiro, Ibitipoca e Rio Doce. Essas sete regiões englobam 49 municípios – mineiros e capixabas – e uma população de mais de 1,3 milhão de pessoas.
“É um território grande e por isso precisamos de uma rede de comunicação e também uma rede de proteção para que a gente não perca mais muriquis. Para caso uma fêmea migrante chegue a um fragmento de mata de uma propriedade, que essas pessoas saibam que se trata de um indivíduo isolado de muriqui e consigam acionar a gente para fazer o resgate. Para que ela tenha chances de se reproduzir, o que é super importante para o revigoramento populacional dos muriquis”, continua Marcello Nery.
A previsão é realizar todas as expedições até o início do ano que vem. As duas primeiras já foram! A primeira nos municípios mineiros de Santa Bárbara do Leste, Simonésia, Manhuaçu, Ipanema e Caratinga, no entorno da Mata do Sossego e da Reserva Particular do Patrimônio Natural Feliciano Miguel Abdalla. E a segunda em dez municípios do entorno do Parque Nacional do Caparaó.
Durante as viagens, financiadas pelas empresas Gipsyy e Ibiti Projeto, a equipe do MIB visita proprietários próximos a fragmentos de floresta, parceiros, lideranças comunitárias e representantes das prefeituras. “Nossa ideia é aproveitar as redes que já existem. Nessas comunidades rurais, onde está todo mundo congregado? Numa igreja? Numa associação? Escolas? A Rede Muriqui é o trabalho de conectar essas redes para conseguirmos capilarizar essa informação nesse território de mais de 1 milhão de pessoas”, completa.
Nas conversas, os pesquisadores apresentam o muriqui-do-norte, mostram fotos, descrevem o comportamento da espécie e explicam a iniciativa – e a importância – de “rastreá-los” pelo território. A Rede disponibiliza ainda uma linha no Whatsapp para quem avistar muriquis: (33) 99922-9969.
Mesmo quando a notificação mostra-se um alarme falso, por se tratar de outra espécie de animal, o diretor do MIB explica que essas informações ajudam a também monitorar registros de outras espécies, principalmente primatas que também ocorrem na região, como o bugio (Alouatta guariba), também conhecido como barbado.
Além disso, a equipe do projeto também fará buscas durante as expedições em fragmentos que podem potencialmente abrigar grupos ainda desconhecidos de muriquis. “Estamos com essa esperança de possivelmente identificar grupos e pequenas populações que ainda não tínhamos registro”, declara Marcello.
Todas as expedições vão poder ser acompanhadas pelas redes sociais do Muriqui Instituto de Biodiversidade e terão registros em vídeo no canal de Youtube do MIB. O pequeno documentário da primeira jornada, dividido em duas partes, já está disponível (assista aqui a parte 1).
O diretor do MIB explica ainda que está sendo feita a articulação com rádios e jornais locais, assim como grandes veículos. “A gente precisa saber comunicar, furar a bolha, deixar a informação acessível. Precisamos de um esforço de consciência de massa”, resume Marcello.
Conservação, ao resgate!
Atualmente, existem 12 populações conhecidas de muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus) e uma estimativa de menos de 1 mil indivíduos. A espécie é classificada como Criticamente Em Perigo pela avaliação nacional de espécies ameaçadas feita pelo ICMBio.
“É uma realidade das fêmeas, com a fragmentação da Mata Atlântica, elas saem dessas populações remanescentes e acabam indo parar nas propriedades do entorno dessas áreas. E mesmo antes da gente ter um projeto de ciência cidadã com essa metodologia, já recebíamos informações dessas fêmeas perdidas”, comenta o diretor do MIB, Marcello Nery.
O trabalho de manejo de muriquis desenvolvido pelo MIB começou em 2006, focado justamente na translocação de fêmeas isoladas para áreas de mata com populações saudáveis de muriquis.
“E nós percebemos que como essa migração é parte da biologia da espécie, deve ter fêmea saindo constantemente. Então decidimos fazer um grande esforço de comunicação, baseado em ciência cidadã, para criarmos uma grande rede de comunicação para que todo mundo no entorno dessas populações saibam que espécie é essa, que o muriqui está ameaçado de extinção, que tem gente trabalhando com a espécie e ter o nosso contato para falar com a gente se eles verem.
Porque do contrário essa fêmea ou vai morrer de velhice isolada ou no processo, porque ela pode atravessar um pasto e ser predada por cachorros. Ou seja, no mínimo, ela não vai se reproduzir. E para uma espécie que tem essa estimativa de muitos poucos indivíduos, cada indivíduo conta. Não podemos nos dar ao luxo de ter fêmeas isoladas”, resume o diretor.
Antes mesmo de lançar o projeto Rede Muriqui, a equipe do MIB realizou o resgates de sete muriquis isolados, inclusive fêmeas que foram translocadas e já tiveram até filhotes. Uma prova da importância desse resgate para garantir o futuro da espécie.
Fonte: O Eco
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