Câmeras mostram diversos animais se esfregando na árvore e no óleo que ela produz, com propriedades terapêuticas
Já publicamos muitas matérias no falando sobre plantas medicinais, óleos essenciais e soluções que a natureza oferece para a gente cuidar da nossa saúde e bem estar. E outras espécies animais comprovam este poder de cura: um estudo publicado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista mostra que a cabreúva (Myroxylon peruiferum), árvore nativa do Brasil, é usada como farmácia natural por diversos animais da floresta.
Encontrada em praticamente todo o território nacional, a Cabreúva é famosa pela madeira dura e grande porte que pode chegar aos 30 metros de altura. É também conhecida pela capacidade de produzir uma oleorresina de odor agradável, cujas propriedades profiláticas e terapêuticas são muito apreciadas pelas comunidades tradicionais.
Ao que parece, além das comunidades tradicionais, outras espécies também reconhecem o poder da cabreúva. Um vídeo capturado por uma câmera do tipo armadilha registrou os momentos em que diversos animais interagiam com essa árvore da família das leguminosas, se esfregando, mordendo e até lambendo o tronco.
Entre os visitantes estavam grupos de catetos e de quatis-de-cauda-anelada, um solitário veado-mateiro, a notívaga jaguatirica (que além de se esfregar, parece lamber o caule da árvore), morcegos, o tamanduá-mirim (que chega a trepar no caule da árvore) e a irara, uma das espécies registradas pela primeira vez realizando esse tipo de comportamento. Em alguns locais, os registros mostraram que a cabreúva foi visitada pelo menos uma vez a cada dois dias.
Intrigados pela variedade de espécies que apareciam no vídeo e pela frequência das ocorrências, os pesquisadores começaram a analisar os detalhes da interação dos animais com o bálsamo da cabreúva.
Na matéria do Jornal da Unesp é possível ver o vídeo com diversos flagrantes de mamíferos na árvore.
O resultado deste trabalho foi um estudo publicado na revista científica Biotropica, com apoio da FAPESP. O título do artigo (A universal pharmacy: Possible self-medication using tree balsam by multiple Atlantic Forest mammals) é auto explicativo e sugere que a Cabreúva pode ser uma “farmácia universal”.
Laurence Culot, professora e pesquisadora do Laboratório de Primatologia do Instituto de Biociências da Unesp em Rio Claro, explica que a diversidade de espécies, o alto número de visitas e as menções na literatura às propriedades cicatrizantes, repelentes e antiparasitárias do bálsamo produzido pela cabreúva levantam a hipótese de que se trate de um caso de zoofarmacognosia. O termo descreve o consumo, por parte de animais silvestres, de plantas não nutricionais presentes em seu ambiente natural com fins de controle ou prevenção de doenças ou eliminação de parasitas.
A pesquisadora afirma que, no entanto, esta é apenas uma possibilidade. “Para comprovar que se trata de um caso de automedicação por parte dos animais é preciso realizar vários estudos ainda. Nós temos os dados comportamentais e temos dados da literatura que comprovam algumas propriedades da cabreúva. A questão é fazer testes que possam mostrar que o bálsamo pode realmente exercer algum efeito contra pernilongos, parasitas ou outros patógenos”.
O mico-leão-preto deu a dica
Muitos casos comprovados de zoofarmacognosia estão associados a primatas, como chimpanzés e gorilas e a possibilidade do uso medicinal da cabreúva por animais veio também de um primata. Desde o começo do ano, Laura estuda a resiliência dos micos-leões-pretos a ambientes modificados pelo homem e notou que um grupo de indivíduos da espécie passava mais tempo que o normal se esfregando em torno da árvore.
Apesar de ser um hábito comum para marcar território ou comunicar aos demais micos seu estágio de reprodução, o comportamento em relação à cabreúva era diferente. “O comportamento que vimos, entretanto, era diferente. Demorava mais tempo, cerca de 50 minutos, e envolvia todos os integrantes do grupo. Já a marcação de território costuma ser feita de forma breve e por apenas alguns poucos indivíduos”, relata a pesquisadora.
Outros comportamentos diferentes foram notados, como esfregar sua região torácica, abdominal e inguinal em áreas do tronco em que o bálsamo estava depositado ou manipular a própria casca do tronco, espalhando o bálsamo em suas mãos e em seguida aplicando-o sobre seu corpo e cauda.
Os pesquisadores instalaram instalar armadilhas fotográficas em três fragmentos de Mata Atlântica em diferentes locais do Estado de São Paulo para acompanhar a interação dos micos-leões-pretos com a árvore. Foi quando descobriram que outros mamíferos também apresentavam o mesmo comportamento.
A pesquisa registrou pela primeira vez na literatura científica este comportamento em quatro espécies de mamíferos: a irara, o tamanduá-mirim, o cateto e o morcego.
A partir destas observações, os pesquisadores devem trabalhar em novas pesquisas para comprovar os benefícios terapêuticos ou preventivos do bálsamo para o mico-leão-preto e para avaliar a interação das demais espécies com a Cabreúva.
“Seria uma pesquisa complexa, mas poderíamos investigar o quanto a presença dessa árvore nos fragmentos da Mata Atlântica afeta a saúde das demais espécies. Por exemplo, será que nos locais onde se encontram mais árvores de cabreúva os animais teriam menos parasitas?”, indaga Laura.
Fonte: CicloVivo com informações de Agência FAPESP e Marcos do Amaral Jorge, do Jornal da Unesp.
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