Já ameaçados pela perda de habitat e febre amarela, as duas espécies de saguis-da-serra enfrentam o risco de desaparecer por causa da mistura com outras espécies de saguis
A Mata Atlântica é o lar de inúmeros primatas únicos do bioma, a grande maioria deles ameaçados de extinção pela destruição do seu habitat, por dependerem de uma cobertura florestal para sobreviver. Esse, entretanto, é apenas um aspecto da história de duas espécies de saguis-da-serra sob risco de desaparecer das florestas brasileiras. A vida destes pequenos primatas, que ocorrem apenas em pequenas áreas na Mata Atlântica, está ameaçada por um parente invasor e pela hibridização – a mistura das espécies. É o embate genético entre os Callithrix, fruto de um encontro possível apenas devido à mão humana do tráfico de animais silvestres e da soltura irresponsável, cujo resultado pode ser o apagamento completo de duas espécies inteiras.
O gênero Callithrix é composto por seis espécies de saguis endêmicas do Brasil, distribuídas entre a Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga. Todas elas apresentam semelhanças ecológicas, comportamentais e biológicas entre si, mas com uma grande diferença: o habitat natural. Cada uma destas espécies é a residente nativa de um determinado local, ainda que fossem vizinhas próximas em alguns lugares.
“Os primatas do gênero Callithrix são nativos da Mata Atlântica, mas cada um de uma área específica. Existem barreiras como rios e montanhas, e se não fosse a intervenção humana, estas espécies não teriam se encontrado”, explica a veterinária Silvia Bahadian, do Centro de Primatologia do Rio de Janeiro (CPRJ).
Ao longo do último século, o tráfico de animais silvestres e a soltura irresponsável de animais fez essa fronteira se dissipar para duas espécies de Callithrix, o sagui-de-tufo-branco (Callithrix jacchus), natural da Caatinga e da Mata Atlântica do Nordeste; e o sagui-de-tufos-pretos (Callithrix penicillata), nativo de áreas do Cerrado até a fronteira com a floresta atlântica. Adaptados a um ambiente mais árido e com menos alimentos disponíveis, quando estes saguis foram trazidos para os domínios da Mata Atlântica do Sudeste foi como alcançar um oásis, com abundância de frutos e abrigo. O resultado: multiplicaram-se.
Menos exigentes quanto ao cardápio e habitat, e de comportamento mais “flexível”, as duas espécies de saguis, conhecidas popularmente como “mico-estrela”, podem ser vistas facilmente até mesmo em áreas de cidade, em fios de postes ou em meio à arborização urbana.
Em alguns lugares, esses saguis não nativos chocaram-se com os Callithrix de posse original do território. Foi o caso dos encontros com as populações de sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita) e de sagui-da-serra (Callithrix flaviceps), ambas espécies ameaçadas de extinção. Além de competirem por espaço e recursos, o que já faria dos invasores um problema para os nativos, os saguis do gênero Callithrix possuem uma biologia tão próxima que são capazes de reproduzir entre si e gerar filhos férteis. Este processo de mistura das espécies é chamado de hibridização ou hibridação.
Quando um sagui-da-serra-escuro reproduz com um sagui-de-tufos-pretos, por exemplo, nasce um sagui com uma genética que não condiz com uma espécie nem outra. É um híbrido. Na prática, a hibridização apaga progressivamente as espécies originais. E é aí que mora a preocupação dos cientistas.
“Como esses bichos têm uma genética muito próxima, eles acabam cruzando, reproduzindo e gerando filhotes híbridos e que também são férteis e continuam cruzando e reproduzindo. E aí eles deterioram a genética parental, que a gente fala, dos parentais puros dos saguis-da-serra. Com o andar das gerações, você não vê mais sagui puro, nem aurita, nem o flaviceps, só os híbridos. E quando você vai ver você já não encontra bichos com a genética pura em muitas localidades do Brasil”, explica o primatólogo Fabiano Melo, da Universidade Federal de Viçosa, onde hoje funciona o Centro de Conservação dos Saguis-da-Serra (CCSS).
O primatólogo, que coordena o CCSS, alerta que a hibridação é uma ameaça ainda pior do que a perda de habitat, por exemplo. “É uma ameaça constante, permanente e muito grave porque o fenômeno de hibridação ocorre numa velocidade muito mais rápida do que a gente imagina. Essa ameaça é a pior de todas”, sentencia Fabiano.
Saguis-da-serra entre os primatas mais ameaçados do mundo
O sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita) é um pequeno primata de aparência curiosa. Possui uma pelagem escura, com listras castanho-avermelhadas e seu rosto traz uma máscara branca que emoldura os olhos, nariz e boca do sagui, e lhe confere alguma semelhança com uma caveira, o que rendeu o apelido de “sagui-caveirinha”. Ao lado da cabeça, tufos brancos e uma faixa castanha completam o visual.
Seu habitat é restrito à Mata Atlântica e ocorre em florestas no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. As pesquisas indicam que este pequeno primata prefere viver em altitudes a partir de 600 metros e é capaz de suportar baixas temperaturas, o que fez com que ele se adaptasse muito bem às regiões montanhosas e ganhasse o nome de sagui-da-serra-escuro.
A resiliência do pequeno macaco, entretanto, não o impediu de ser listado como um dos 25 primatas mais ameaçados do mundo na publicação internacional “Primates in Peril” (Primatas Em Perigo, em tradução livre), elaborada pela Global Wildlife Organization (atual Re:wild) para o triênio 2018-2020. Outras duas espécies brasileiras aparecem na lista: o bugio-ruivo (Alouatta guariba) e o sauim-de-coleira (Saguinus bicolor).
No caso do sagui-da-serra-escuro, a publicação destaca o ritmo acelerado da hibridização e o apagamento das populações puras da espécie. “Grupos de saguis invasores e híbridos estão substituindo as populações nativas de C. aurita, e a hibridização está, sem dúvida, afetando a integridade genética de pequenas e puras populações de C. aurita por introgressão genética”, detalha.
O texto cita o exemplo do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no estado do Rio de Janeiro, onde havia dois grupos de saguis-da-serra-escuro sendo monitorados. Em 2015, observações de campo verificaram a chegada dos saguis estrangeiros no habitat do C. aurita e, no mesmo ano, um dos grupos já havia hibridizado com os invasores.
“Os saguis-da-serra vivem em grupos de 5 a 8 indivíduos, enquanto os grupos de invasores são 11 a 15 indivíduos. E eles crescem mais rápido e vão dominando tudo”, explica o primatólogo Rodrigo Carvalho, coordenador do Programa de Conservação dos Saguis-da-Serra.
“Callithrix aurita está sob ameaça extrema e crescente de perda e fragmentação habitat, competição e hibridização com espécies invasoras de Callithrix, e o recente surto de febre amarela em sua área de ocorrência aumenta significativamente essas ameaças”, resume um trecho da publicação.
O surto de febre amarela que ocorreu entre 2016 e 2017 na região sudeste do Brasil foi um duro golpe nas populações já reduzidas das duas espécies de saguis-da-serra.
No caso dos C. flaviceps, o sagui-da-serra, o impacto da doença demorou a ser percebido, mas foi avassalador, como relata a pesquisadora Carla Possamai, primatóloga que trabalha na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Feliciano Miguel, em Caratinga, Minas Gerais.
Em 2015, a equipe da reserva realizou um censo dos primatas na área protegida, que abriga populações de muriqui-do-norte e bugio, além do sagui-da-serra (Callithrix flaviceps). “Nesse censo, nós vimos que a população de flaviceps estava baixa. Aí veio a febre amarela e o pânico inicial foi com os muriquis e depois com os bugios, espécie super sensível à doença. E após o surto, nós fizemos uma nova investigação sobre a população de primatas e vimos que os flaviceps tinham sumido”, conta a pesquisadora.
“A espécie já ocorria numa densidade mais baixa, então demorou pra gente perceber que a espécie tinha sido tão afetada”, acrescenta Carla Possamai.
Carla destaca que a população da espécie já era pequena e bem vulnerável, e depois da febre amarela, foi reavaliada como Criticamente Em Perigo de Extinção na Lista Vermelha internacional da IUCN. Na lista nacional, entretanto, parcialmente atualizada no começo de junho, permanece a avaliação feita em 2014, quando a espécie foi classificada “apenas” como Em Perigo de extinção – assim como o Callithrix aurita. A atualização dos primatas deve ser feita apenas no ano que vem.
O sagui-da-serra possui uma pelagem que alterna tons de cinza e castanhos, com tufos branco-amarelados, o que faz com que também seja chamada de sagui-da-serra-claro, para diferenciá-lo do C. aurita. De ocorrência também exclusiva à Mata Atlântica, o C. flaviceps possui uma distribuição geográfica restrita, limitada pelo rio Doce, concentrada nas regiões montanhosas do Espírito Santo e Minas Gerais, até a porção norte do estado do Rio de Janeiro, em alguns locais de forma vizinha ao C. aurita.
Na RPPN Feliciano Miguel, uma área protegida de 957 hectares, a avaliação mais recente dos pesquisadores encontrou apenas quatro grupos da espécie, com não mais do que 17 indivíduos no total. O alento é que os saguis invasores ainda não chegaram em Caratinga. “Essa região está mais segura em relação aos híbridos”, aponta a primatóloga.
A esperança é de que esses grupos que sobreviveram à febre amarela possam se recuperar e recolonizar aos poucos as florestas da RPPN, porém a pesquisadora destaca que a reserva é praticamente uma ilha verde no meio de áreas de pasto e cultivo, com poucas conexões com outros fragmentos florestais. “Ainda existem populações totalmente fragmentadas e isoladas na região, às vezes de um único indivíduo, mas que podem ajudar a recolonizar, só que para isso acontecer falta conexão e proteção do ambiente”, reforça Carla.
De acordo com a pesquisadora, o próximo passo, assim que houver recursos, é justamente investigar os fragmentos ao redor da reserva particular para entender onde ainda há C. flaviceps e ver se será necessário fazer a translocação desses indivíduos, caso estejam em fragmentos muito vulneráveis. “Ao redor da RPPN temos 49 fragmentos que variam de matas de 200-300 hectares até apenas 10 hectares. E às vezes é num fragmento pequeno que tem um ou dois indivíduos e os bichos não têm saída desse lugar. Aí entra o manejo”, explica Carla Possamai.
Uma nova edição da lista Primates in Peril sobre o triênio de 2021 a 2023 está prevista para ser publicada em agosto deste ano, durante o Congresso Brasileiro de Primatologia. Apesar de ainda não ter sido publicada, os pesquisadores adiantam que o C. flaviceps entrará na lista como um dos 25 primatas mais ameaçados do planeta.
“O flaviceps entrou como um dos 25 mais ameaçados do planeta, no lugar do aurita. Porque o aurita tem muita hibridação no seu território, mas tem uma distribuição geográfica mais ampla. O flaviceps, por sua vez, pode ter grupos mais isolados e com menos hibridação, mas já está acontecendo entre eles também, e aí acrescenta esse problema de ter uma área de distribuição muito pequena e que teve um impacto relevante com a febre amarela. Então eu acho que o flaviceps hoje está num estágio bem crítico”, avalia Fabiano Melo.
Apesar de ter sido descrito há mais de um século, em 1903, o C. flaviceps ainda é praticamente um desconhecido da ciência, e informações sobre as populações que existem do animal – onde estão e quantos são – são ainda incipientes.
O próprio C. aurita só passou a ser melhor estudado nos últimos anos. Estes esforços de pesquisa e conservação de ambas as espécies de saguis-da-serra hoje são liderados pelo Programa de Conservação dos Saguis-da-Serra, criado em 2014.
Um levantamento recente feito pelo programa, com registros feitos nos últimos 10 anos, permite estimar uma população total de cerca de 750 indivíduos de C. aurita.
“Esse número é, em termos de conservação de espécies, pequeno, e no nosso caso serve somente para instigar um olhar mais agudo para a questão, pois não levou em conta uma comparação entre áreas amostradas e o que falta ainda a ser amostrado, isto é, não é resultado de uma modelagem criteriosa”, admite o coordenador do Projeto de Conservação dos Saguis-da-Serra, Rodrigo Salles de Carvalho, que espera em breve ter uma visão mais compreensiva da real situação da espécie na natureza.
Outro esforço, ainda em curso, liderado pelos pesquisadores do programa, é identificar os locais em que ainda há populações puras de C. aurita e C. flaviceps, onde há grupos já hibridizados e por onde está avançando a frente dos Callithrix invasores. Através deste mapeamento, os pesquisadores pretendem determinar as áreas prioritárias para ações de conservação das espécies.
O Centro de Conservação
O Programa de Conservação materializou-se com esforços para construção de um centro dedicado ao criadouro científico de saguis-da-serra. Assim nasceu o Centro de Conservação dos Saguis-da-Serra (CCSS), inaugurado em fevereiro de 2020, na Universidade Federal de Viçosa, com a chegada de um primeiro casal de saguis-da-serra.
No final de 2021, nasceram os primeiros filhotes no centro – gêmeos, como é comum entre as espécies da família dos calitriquídeos. Atualmente, o centro possui um grupo de sete indivíduos.
A construção do CCSS está entre as principais conquistas do programa de conservação dos saguis ao lado do fortalecimento do manejo ex situ do C. aurita, com a nomeação de um studbook keeper pras espécies, a elaboração de protocolos de manejo e de uma chave de decisão para orientar gestores. E, é claro, o nascimento de filhotes em cativeiro.
Já o sagui-da-serra-claro ainda não possui nenhum indivíduo em cativeiro. Este, inclusive, é um ponto de atenção e que vem sendo discutido no âmbito do Plano de Ação Nacional (PAN) para Conservação dos Primatas da Mata Atlântica e a Preguiça-de-Coleira, que abrange as duas espécies de saguis-da-serra. O PAN foi lançado em 2018, com vigência até 2023 (1° ciclo).
“O cativeiro [do CCSS] foi montado para poder receber também o flaviceps, que ainda não existe no plantel de nenhum cativeiro. Mas a ideia é reproduzir as duas espécies de sagui-da-serra no CCSS, flaviceps e aurita”, comenta Fabiano Melo, que irá liderar um dos primeiros grupos de pesquisa para lidar com o manejo de flaviceps, para começarmos uma colônia cativa.
O primatólogo explica que o plano é construir esse plantel de cativeiro com indivíduos puros de Callithrix flaviceps a partir de operações de resgate. “São populações que estão ameaçadas pelos invasores, pelos híbridos e que se a gente não tirar elas de lá, elas vão se perder”, detalha Fabiano. “Nós já estamos identificando estas populações aqui no entorno e vamos trazê-los com apoio do ICMBio e sob orientação do mecanismo One Plan Approach”, acrescenta.
As ações de resgate de saguis-da-serra-claro estão previstas para ocorrer ainda este ano e a expectativa é ter no mínimo 3 a 5 casais, de diferentes parentescos, que irão reproduzir para iniciar uma colônia em cativeiro que permitirá consolidar esse banco genético.
Manejo em cativeiro: peça fundamental
Atualmente, existem 55 indivíduos de Callithrix aurita em cativeiro. Além do Centro de Conservação dos Saguis-da-Serra (CCSS), há grupos em outras quatro instituições: no CPRJ e no Zoológico de Guarulhos, os primeiros a manejarem a espécie em cativeiro, no Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS) da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP) e no Centro de Pesquisa e Conservação de Fauna (CECFau) da Fundação Zoológico de São Paulo.
Pesquisas indicam que para manter uma população geneticamente em cativeiro seria necessário ter entre 350 a 400 indivíduos de C. aurita.
“Aqui no CPRJ nós temos 14 indivíduos de sagui-da-serra-escuro no momento, de origens variadas, alguns nascidos no cativeiro, outros vindos de zoológicos e temos ainda alguns oriundos de vida livre. Nós recebemos indivíduos de um grupo que vivia ao lado de um lixão, por exemplo. Eles viviam em três árvores do lado de um lixão e uma senhora os alimentava todos os dias. Só sobreviveram por causa disso. E foi feito o resgate deles. Eram cinco indivíduos de C. aurita, puros, sem híbridos, e vieram alguns para cá”, conta a veterinária Silvia Bahadian, do CPRJ.
Como uma das primeiras instituições a trabalhar com o manejo ex situ do C. aurita, ela reforça que manejá-los em cativeiro, num espaço controlado e livre de invasores, pode ser a melhor chance de garantir que a genética da espécie não irá desaparecer.
Iniciativa de esterilização
Para conter o avanço da hibridização que ameaça as poucas populações puras remanescentes, o Centro de Conservação dos Saguis-da-Serra (CCSS) iniciou um projeto de esterilização. O manejo experimental de saguis invasores começou em abril de 2021. A iniciativa é liderada pela médica veterinária Larissa Vaccarini, colaboradora do CCSS na Universidade Federal de Viçosa (UFV). No município mineiro onde fica o campus da universidade, o sagui nativo é o sagui-da-serra-escuro, ou simplesmente, o “aurita”, como chamam os pesquisadores.
A veterinária reforça que um dos principais problemas para conservação do sagui-da-serra-escuro é a hibridização com seus congêneres invasores. “Esses saguis de outras espécies vêm para área do aurita pelo tráfico e pela soltura indevida, e eles cruzam e geram híbridos férteis. E a partir disso a gente vai perdendo a genética da espécie endêmica e a variedade do aurita. E o grupo, que antes era um puro de aurita, vai se tornando um grupo de híbridos”, alerta.
“A proposta da pesquisa foi testar métodos de esterilização de híbridos invasores. Então foi feita a testagem e o desenvolvimento de um protocolo de captura, de esterilização, de pós-operatório e soltura desses híbridos invasores”, descreve a bióloga. A primeira leva esterilizou quatro animais. Ao longo do ano passado foi feita a esterilização de um total de 24 saguis híbridos invasores. “E vamos esterilizar muito mais! A meta é limpar a cidade de Viçosa de híbridos invasores reprodutores”, afirma Larissa, que prossegue com o trabalho.
Para fazer o manejo, foi eleito um fragmento de mata anexo ao CCSS, dentro do próprio campus da universidade, onde havia um grupo de saguis. Depois de capturados através de armadilhas, os pesquisadores coletaram inúmeros dados, desde o local de captura até informações sobre o indivíduo, como espécie, fenótipo, sexo, faixa etária, peso, biometria, medida corporal, e também dados clínicos. Larissa explica que também avaliou o estado reprodutivo de cada animal e fez até exame odontológico. “Porque alguns animais apresentam cárie por alimentação dada pelas pessoas, como a própria banana, que é rica em açúcar”, explica a bióloga. O protocolo incluiu ainda o registro fotográfico completo de cada animal e a coleta de material biológico.
Nos machos foi feita a vasectomia e nas fêmeas o ligamento de trompas. “Nos saguis, a fêmea é dominante e é poliândrica, então uma fêmea cruza com vários machos. E aí pra fazer a ligadura de trompas, a gente sabe que não vai alterar o comportamento sexual e de dominância dessa fêmea no grupo. Mesmo com a esterilização ela vai continuar produzindo hormônios que inibem o cio de outras fêmeas e continuar dominante, ela só não vai mesmo ficar prenha”, explica Larissa.
O sucesso de todas as cirurgias e do pós-operatório, que seguem sendo aperfeiçoados na medida em que os pesquisadores aprendem mais sobre os saguis, tem deixado a equipe otimista para ampliar o manejo.
Após a conclusão do pós-operatório – com direito a remédio com saborizante de banana – os saguis são soltos em matas viáveis para a sobrevivência do animal.
Uma segunda frente de esterilização está sendo articulada, na área de ocorrência do C. flaviceps, nos municípios mineiros de Ipatinga e Ipaba.
O trabalho de esterilização, entretanto, é árduo e uma batalha com nuances de David versus Golias. “Esse tipo de manejo é muito caro, mas a gente agradece a colaboração e parceria do Hospital Veterinário da Universidade Federal de Viçosa, que banca essas esterilizações. Não é muito viável reproduzir isso em outros pontos com invasão de sagui, apesar de que grandes campanhas de captura podem ser feitas objetivando limpar uma área prioritária”, detalha Larissa.
“A nossa ideia é extirpar esses híbridos das áreas de ocorrência dos saguis-da-serra e uma das estratégias é capturar, esterilizar e aí soltar de novo, para que eles não possam se reproduzir, mas esse trabalho é muito árduo. Em Viçosa, por exemplo, uma pesquisa contou mais de 200 saguis híbridos nos fragmentos florestais. O grupo que redescobrimos em 2017, lá não tem mais aurita, porque já hibridaram. É meio desesperador, onde a gente passa estamos vendo a chegada dos híbridos”, resume o primatólogo Fabiano Melo, coordenador do CCSS.
Fonte: O Eco
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