Em síntese, se o quadro de recessão mundial se confirmar, o Brasil estará em péssimos lençóis, tendo de promover consolidação fiscal para corrigir a sanha populista do governo atual.
Por Márcio Holland
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Coluna Follow-Up
As previsões econômicas para o crescimento mundial não são nada animadoras. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em suas projeções de abril deste ano, em 2023 a economia mundial deverá crescer 3,8%, ante crescimento de 4,4%, esperado para 2022 e de 5,9%, observado em 2021. Tanto economias avançadas quanto economias emergentes seguem em trajetória de desaceleração. Aumenta de modo relevante riscos de recessão econômica nos Estados Unidos e nas principais economias da Área do Euro. Com altas taxas de inflação resilientes, o cenário da chamada estagflação tem alta probabilidade de ocorrer.
As taxas de inflação tendem a persistir elevadas por mais um tempo. A taxa de inflação nos Estados Unidos deve se aproximar de 8% este ano; na Alemanha – reconhecida pelo rigor com o assunto – deve chegar a 5,5%, depois dos 3,2% do ano passado; na França, deve bater 4,1%, depois de registrar 2,1%, em 2021, e assim por diante. O gráfico a seguir mostra a recente e forte evolução do índice de preços de alimentos, calculado pelo FMI, desde o processo de reabertura das economias com o arrefecimento da pandemia da Covid-19, ganhando impulso adicional com a Guerra na Ucrânia. É importante destacar a diferença entre o ciclo atual de alta das commodities e o chamado super ciclo, observado de 2003 a 2008.
Diferentemente daquela fase do super ciclo de commodities, em que o Brasil surfou na onda do crescimento mundial e performou crescimento do PIB em mais de 5% em média ao ano, agora, a alta é concentrada em curto intervalo de tempo. Trata-se de severo choque negativo sobre as economias mundiais, em contexto adverso de taxas de inflação já tensionadas com a desarticulação na cadeia de fornecedores globais, advinda dos efeitos colaterais da pandemia. Antes, de 2003 a 2008, as economias mundiais apresentavam relativamente baixas taxas de inflação; a China tinha grande potencial de crescimento e capacidade de sobra para irrigar o mundo com produtos industrializados. O mundo, agora, encontra-se fragmentado e desarticulado. A China, desta vez, joga contra com sua política de tolerância zero para a Covid-19.
Ou seja, são dois ciclos de altas de commodities, mas bastante distintos em termos de suas circunstâncias e seus efeitos macroeconômicos. A eventual desaceleração mundial prevista para este e para o próximo ano não deve ser acompanhada de arrefecimento ao mesmo passo nos níveis de preços domésticos, dadas as características do choque de commodities internacionais, seja de energia, seja de alimentos. O índice geral de commodities, calculado pelo FMI, registra aumento acima de 100% desde 2020, puxado pela forte alta do índice de petróleo, em mais de 150%, assim como de insumos industriais, em 75% e de alimentos em 60%. Esses choques negativos são generalizados e não têm previsão de retorno aos níveis anteriores à pandemia, pelo menos no curto prazo.
Por conseguinte, correndo atrás da curva, os bancos centrais das principais economias mundiais devem acelerar seu ritmo de aumento nas taxas de juros. Importante destacar que esta onda de aperto monetário não deve levar as taxas de juros aos níveis naturais, mantendo-se as políticas monetárias ainda no campo expansionista. Se seguissem a tradicional Regra do tipo-Taylor, os principais bancos centrais deveriam levar, logo que possível, suas taxas básicas de juros para patamar superior a 5% ao ano; isso se desejassem operar no campo contracionista para forçar as taxas de inflação a convergirem para seus níveis históricos, em torno de 2 a 2,5% ao ano. Ou, de outra forma, supondo hiato do produto conservadoramente em zero, deveriam buscar atingir taxas neutras em torno de 2% a 2,5% ao ano. Os bancos centrais têm cenários muito distantes deste e devem aumentar suas taxas básicas de juros de modo bem mais lento. Na Área do Euro, por exemplo, trata-se muito mais de levá-la para o campo positivo. A tarefa dos banqueiros centrais tem sido desafiadora. Devem mesmo estacionar por um tempo atrás da curva de juros.
Mesmo assim, altas de juros jogam ainda mais lenha na fogueira dos cenários de recessão.
No Brasil, há uma movimentação mais acelerada na taxa básica de juros, podendo o BCB levar a Selic para patamar superior a 14% ao ano até o final deste ano, se desejar convergir a taxa de inflação doméstica para dentro das metas inflacionárias. Diferentemente do caso internacional, o BCB está levando a taxa de juros para patamar superior à taxa neutra, ou seja, para o campo contracionista. Mas, por que isso? Basicamente por dois motivos. Primeiro, a gastança generalizada em ritmo de eleição deve tornar expansionista a política fiscal. E, segundo, com a taxa de inflação brasileira não se brinca, pois ela tem forte componente inercial, dado o processo de indexação de contratos e salários, combinado com uma economia relativamente fechada.
Depois de ter registrado 4,6%, em 2021, o crescimento brasileiro deve oscilar em torno de 1% neste e no próximo ano. Contudo, como o cenário de recessão mundial caminha a passos largos e o BCB ainda mais rápido, não se descarta também quadro recessivo por aqui. De novo, o ciclo de alta das commodities nos mercados internacionais não terá efeitos positivos para a atividade doméstica, em um país dependente de commodities. Algo curioso. O governo federal já faturou com tudo isso, com aumento não planejado na arrecadação tributária e melhoria não intencional nos indicadores fiscais.
Em síntese, se o quadro de recessão mundial se confirmar, o Brasil estará em péssimos lençóis, tendo de promover consolidação fiscal para corrigir a sanha populista do governo atual.
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