Dez dias depois do desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips no Vale do Javari, no oeste do Amazonas, as dúvidas se multiplicam sobre o que aconteceu com eles, sem respostas claras até agora. O único indício mais forte de que algo errado aconteceu segue sendo a mochila encontrada no último domingo em um igarapé no rio Itaquaí, que a Polícia Federal identificou ser do jornalista britânico, além de documentos e pertences do indigenista que estavam dentro da bolsa. Bombeiros, policiais e indígenas seguem vasculhando a área em busca de sinais da dupla, por ora sem sucesso.
Enquanto as buscas seguem, a Polícia Federal e a Polícia Civil do Amazonas também investigam a possível conexão entre o crime organizado e o desaparecimento de Bruno e Dom. Uma das linhas mais fortes de investigação, de acordo com a Folha, aponta para o envolvimento de uma quadrilha que explora a pesca ilegal dentro da Terra Indígena Vale do Javari, da qual faria parte um dos suspeitos presos até agora, Amarildo Oliveira, o “Pelado”.
Ontem, o irmão dele, Oseney da Costa de Oliveira, foi preso em Atalaia do Norte por suspeita de participação no crime. A Justiça do Amazonas expediu mandado de prisão sob a acusação de homicídio qualificado. De acordo com o delegado da Polícia Civil do AM, Alex Perez, responsável pela investigação, duas testemunhas confirmaram terem visto Amarildo e Oseney nas cercanias da comunidade São Rafael no momento em que Bruno e Dom saíram de lá. Estadão, Folha, g1 e O Globo, entre outros, deram a notícia.
O envolvimento de quadrilhas internacionais associadas ao tráfico de drogas também é levantado como uma possibilidade; neste caso, se os indícios apontarem para isso, a Polícia Federal assumirá a dianteira das investigações. O Estadão destacou como esses grupos estão avançando dentro da Floresta Amazônica e se associando a outras atividades ilegais, como a exploração de recursos em áreas protegidas. O cenário é tão dantesco que os cartéis internacionais de Medellín, Miami e Sinaloa mantêm, na prática, um estado paralelo em algumas áreas do Alto Solimões.
“As regras que valem ali são as do crime organizado”, comentou o delegado da PF, Alexandre Saraiva, à Deutsche Welle. Ele era superintendente no AM até maio do ano passado, quando foi exonerado depois de apresentar denúncia de corrupção contra um ex-ministro do meio ambiente do atual governo. “Ali atuam organizações criminosas com apoio dos políticos locais, estaduais e tentáculos nas altas esferas do governo brasileiro”.
Já o defensor público federal Renan Sotto Mayor de Oliveira destacou na RFIcomo a ausência do Estado, especialmente do governo federal, no Vale do Javari facilitou o avanço do crime organizado nessa área. “Um lugar como o Vale do Javari, [com] mais de 8 milhões de hectares, é uma região muito grande. Então o Estado brasileiro precisa efetivamente ocupar essa área, fazendo uma proteção territorial. A gente tem dialogado com os Povos Indígenas da região e eles estão realmente muito apreensivos, porque se o Bruno e o Dom foram assassinados, como é que fica a situação deles?”.
O que acontece no Vale do Javari e na Amazônia como um todo também é reflexo da falta de atenção da sociedade brasileira com a floresta e as pessoas que vivem nela. “A gente não sabe o que fazer com a Amazônia e oscila entre o proteger tudo ou usar tudo”, comentou o procurador regional da República Ubiratan Cazetta, veterano de diversas ações socioambientais do Ministério Público no Pará nas últimas décadas, em entrevista à Folha. Para ele, o projeto do atual governo federal é marcado fundamentalmente pela destruição da floresta. “Isso vem daquela visão que existe na nossa sociedade, a gente tem que reconhecer, de que os europeus acabaram com as florestas e agora querem que a gente proteja as nossas. É uma visão míope. Não é por que alguém botou fogo na própria casa que tenho que botar fogo na minha”.
Fonte: Clima INFO
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