A frase é mentirosa. O Amazonas, Manaus ou a Zona Franca de Manaus não é um paraíso fiscal. Pelo contrário, é uma zona industrial que gera mais tributo à União do que os repasses que recebe do governo federal.
Editorial do Amazonas Atual
Jair Bolsonaro afirmou, nesta semana, que “a Zona Franca de Manaus não é um paraíso fiscal soberano”. Alguns defensores do presidente da República podem achar que ele saiu em defesa do modelo, ou seja, que a capital amazonense não é um paraíso fiscal. Mas é exatamente o contrário.
Bolsonaro quis dizer que a Zona Franca é, sim, um paraíso fiscal. E disse mais: esse paraíso fiscal não é soberano. O que isso significa? Que pode ser detonado, como pretende Paulo Guedes, o ministro da Economia, o poste Ipiranga de Bolsonaro. E o presidente vem fazendo todas as vontades do subordinado. Não por estar sendo enganado, mas por concordar com Paulo Guedes.
Engana-se quem acha que Bolsonaro é um tolo, que não conhece a Zona Franca de Manaus, que está sendo manipulado a fazer o que vem fazendo com o modelo de desenvolvimento do Amazonas. Isso já foi dito aqui mais de uma vez. Mas é preciso que se diga mais vezes, porque grande parte da classe política continua abraçada a Bolsonaro, “dormindo com o inimigo”.
De fato, a frase não é de Bolsonaro. É uma frase sofisticada demais para sair da cabeça dele. Trata-se de um trecho dos argumentos usados pela AGU (Advocacia Geral da União) no recurso ao STF (Supremo Tribunal Federal) que contesta a decisão do ministro Alexandre de Moraes em favor da Zona Franca de Manaus.
Mas a AGU representa a União e faz o que quer o presidente da República. O que a decisão do ministro Moraes mudou foi uma decisão de Bolsonaro, que, por decreto, reduziu a alíquota de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de todos os produtos nacionais e importados, medida que reduz a competitividade das indústrias da Zona Franca de Manaus.
A frase é mentirosa. O Amazonas, Manaus ou a Zona Franca de Manaus não é um paraíso fiscal. Pelo contrário, é uma zona industrial que gera mais tributo à União do que os repasses que recebe do governo federal.
É também uma das regiões mais vigiadas do país pela Receita Federal. Na chegada ao aeroporto de Manaus não faltam fiscais para revirar a bagagem dos viajantes que chegam do exterior; em Tabatinga, a Receita Federal também fecha o cerco para a entrada de produtos comprados na vizinha Letícia (Colômbia), com rigorosa fiscalização nos barcos e no aeroporto.
Já está provado por diversos estudos que a Zona Franca de Manaus, longe de ser um paraíso fiscal, é considerada paraíso do fisco. Um deles é a tese do pesquisador Jorge de Souza Bispo “Criação e Distribuição de Riqueza pela Zona Franca de Manaus”, para obtenção do título de doutor da Faculdade de Economia e Administração da USP (Universidade de São Paulo).
Bispo diz que “de toda a riqueza produzida por indústrias da ZFM, 54,42% vão para o governo, 27,28% são distribuídas entre os empregados e apenas 1,82% ficam com os proprietários das empresas. Em compensação, no restante do País o governo recebe 41,54% de toda a riqueza produzida, os empregados ficam com 36,31% e os empresários com 6,44%.”
Já foi muito pior. Em 2016, o governo federal, no apagar das luzes, instituiu, por Medida Provisória, duas cobranças tributárias em favor da Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus): a TCIF (Taxa de Controle de Incentivos Fiscais) e TS (Taxas de Serviço).
Essas taxas substituíram a TSA, cobrança que tinha a mesma função e foi considerada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal), mesmo sendo exigida pelo poder de polícia da instituição sobre importação de produtos e insumos para o setor produtivo.
As empresas instaladas no Polo Industrial de Manaus recorreram ao STF para impedir que as novas taxas fossem confiscadas pela União, como a anterior, para outros fins. Criada em 2000, a TSA, a taxa de serviço administrativo gerava mais de R$ 200 milhões por ano, dos quais 80% eram “contingenciados”, ou seja, não voltavam para a Suframa, ficavam nos cofres da União.
A chamada renúncia fiscal gerada pela Zona Franca de Manaus representa apenas 8,5% da renúncia fiscal do país. É no Sudeste e não no Norte que está a maior parte das empresas que deixam de recolher tributos federais.
Bolsonaro e Paulo Guedes sabem disso. Mas as ações do governo federal contra o modelo de desenvolvimento do Amazonas são políticas. São ações revanchistas contra políticos adversários.
Bolsonaro não mede as consequências delas porque não faz ideia do que seja governar um país. Para ele, tanto faz se suas decisões vão prejudicar a população do Amazonas e da cidade de Manaus.
No momento ele olha o Amazonas apenas pelo potencial de votos para as eleições de outubro. Como representa uma parcela mínima do eleitorado nacional, o presidente julga que esses votos não lhe farão falta.
Fonte: Amazonas Atual
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