No conto “A luz é como a água”, Gabriel García Márquez narra as aventuras de Totó e Joel, duas crianças que, durante as noites, quebram as lâmpadas de sua casa e navegam entre as correntes de luz que surgem delas.
“Uma corrente de luz dourada e fria como a água começou a sair da lâmpada quebrada, e eles a deixaram correr até o nível atingir quatro palmos. Então, eles cortaram a corrente, pegaram o barco e navegaram à vontade entre as ilhas da casa”, escreve o Nobel de Literatura.
A cena, por mais fantástica que pareça, não está tão longe da realidade quanto parece.
Cientistas que estudam fenômenos quânticos demonstraram que a luz, sob condições especiais, pode se comportar como um líquido que flui e ondula em torno dos obstáculos que encontra, como a corrente de um rio entre as pedras.
Como eles fazem isso?
A “luz líquida” é uma substância muito peculiar. Não é sólida nem plasma e tampouco se comporta exatamente como um líquido ou um gás.
Os cientistas a chamam de Condensado de Bose-Einstein (BEC, da sigla em inglês) e a consideram o “quinto estado da matéria”.
Nesse estado, as partículas se sincronizam e se movem em harmonia, formando um “superfluido”.
“É parecido com qualquer outro líquido ou gás, mas com propriedades especiais, uma das quais é que todas as suas partes estão relacionadas”, diz Daniele Sanvitto, pesquisador do Instituto de Nanotecnologia da Itália.
Os superfluidos não criam ondas e não experimentam fricção ou viscosidade.
Eles têm um “comportamento coletivo”, diz Sanvitto. “É como um grupo de bailarinos fazendo os mesmos movimentos ou uma onda de pessoas marchando no mesmo compasso.”
Assim, um líquido comum, ao esbarrar numa parede, saltaria, mas um superfluido, como a luz líquida, circularia ao longo da parede.
“Se você enviar um jato desses contra a parede, ele a escalará em qualquer direção e, eventualmente, voltará a se conectar depois do obstáculo”, explica Sanvitto.
Para que serve a luz líquida?
Até poucos anos atrás, os superfluidos só podiam ser alcançados em temperaturas próximas ao zero absoluto (-273 °C), mas, em 2017, Sanvitto e seus colegas conseguiram produzir luz líquida à temperatura ambiente.
Eles fizeram isso usando misturas de luz e matéria chamadas polaritons.
“Este é o primeiro passo para ter aplicações desse líquido no dia a dia”, diz Sanvitto.
Até agora, os experimentos com BEC foram feitos somente em pequena escala nos laboratórios, mas os pesquisadores vêem um grande potencial para transmitir informações e energia sem desperdício.
Um exemplo seria a criação de computadores ópticos, que possam aproveitar a interação das partículas de luz sem o problema da dissipação ou aquecimento de computadores comuns. Isso os tornará muito mais rápidos e consumirá menos energia.
Essa tecnologia também pode revolucionar o manuseio de lasers e painéis solares. Como o cientista Michio Kaku mencionou em uma entrevista ao portal This Week in Science, há quem pense que, no futuro, o BEC poderia estabelecer as bases para se teletransportar objetos.
Por enquanto, isso só é possível na imaginação, como já foi no conto de García Márquez…
Fonte: BBC News
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