Movimentos sociais e organizações ambientalistas protestam contra a exploração petrolífera e apontam riscos pela proximidade dos blocos de unidades de conservação
Os apelos globais para que os combustíveis fósseis deixem de ser explorados em cenários de agravamento da crise climática e de perda de biodiversidade, sem precedentes, não têm ressonância junto à indústria do petróleo no Brasil. Pelo menos é o que se pode concluir do resultado da sessão pública realizada nesta quarta-feira (13), pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Na ocasião, foram arrematados por 13 empresas, 59 blocos de petróleo de bacias localizadas em seis estados: Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.
Em protesto realizado em frente ao Hotel Windsor, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, onde não puderam acompanhar a sessão pública presencial, representações de organizações ambientalistas contrárias ao leilão alertaram para os riscos associados à proximidade entre áreas de exploração petrolífera, unidades de conservação e territórios de comunidades tradicionais.
Em termos de proximidade entre blocos de petróleo arrematados e unidades de conservação, tanto de proteção integral como de uso sustentável, alguns exemplos chamam a atenção. No Espírito Santo, há a Reserva Biológica Sooterama (4 quilômetros); a Reserva Biológica Córrego do Veado (29 quilômetros); a Floresta Nacional Rio Preto (3 quilômetros); e a Floresta Nacional Goytacazes (7 quilômetros).
O processo de análise de concessão de blocos localizados em territórios capixabas recebeu parecer desfavorável do Instituto Estadual de Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo (Iema), em 2018, justamente pela presença de unidades de conservação e territórios de comunidades tradicionais, como destacado pelo coordenador técnico do Instituto Arayara, John Wurdig, durante o ato de protesto no Rio. O ambientalista ressaltou que esse parecer técnico foi ignorado pela ANP.
No Rio Grande do Norte, há blocos entre 11 e 14 quilômetros do Parque Nacional Furna Feia. Em territórios tradicionais potiguares, como os da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Ponta do Tubarão, há blocos com distâncias variando entre 2, 8, 10 e 13,5 quilômetros.
Em bloco localizado entre Alagoas e Sergipe há uma distância de apenas 16 quilômetros da Área de Proteção Ambiental (APA) da Costa dos Corais, unidade de conservação que atua na proteção de espécies ameaçadas, como o peixe-boi-marinho. E no entorno da Reserva Extrativista Marinha Lagoa do Jequié há oito blocos distantes entre 3 e 9 quilômetros.
Ambientalistas destacam riscos e equívocos brasileiros
“Achamos o leilão catastrófico em vários sentidos”, afirma a diretora executiva do Instituto Arayara, Nicole Oliveira. “O primeiro deles é que as comunidades e os povos tradicionais que são reconhecidos pela Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], da qual o Brasil é signatário, e pela Constituição Federal não foram consultados nem de forma livre, prévia e informada e nem mesmo ouvidos.” A organização vê uma grave violação de direitos nesse caso e promete litigar contra o processo de concessão de exploração petrolífera.
Ainda segundo Nicole, tanto em termos de retorno financeiro para os cofres públicos e para a população, como do ponto de vista climático, a decisão de investimento “é desastrosa”. “Não faz sentido, em cenários de caos climático, com a necessidade urgente de redução de gases de efeito estufa, a realização de um leilão que oferta blocos de exploração de petróleo em novas fronteiras e novos territórios por pouquíssimo em termos de arrecadação”, observa.
Nicole também destaca que a maioria dos blocos envolve processos de análises ambientais desatualizadas ou mesmo avaliações superficiais, como é o caso das manifestações conjuntas pelo Ministério das Minas e Energia (MME) e Ministério do Meio Ambiente (MMA).
“As avaliações conjuntas substituem, por lei, as Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentares (AAAS). Essas avaliações, antigamente, consideravam tudo, como povos tradicionais, espécies em extinção, biomas sensíveis e planos de mitigação e compensação. Existia uma série de perguntas e respostas que se fazia de uma forma responsável”, explica Nicole. A ambientalista analisa que, ironicamente, na atualidade, essas avaliações são delegadas à ANP. “É a própria agência encarregada de leiloar, ofertar e regular a exploração de petróleo que assina a avaliação ambiental sem muito critério”, critica.
Há, também, preocupações com o modelo adotado pela ANP pelo qual se tornou permanente a oferta de concessão de áreas de exploração marinhas e terrestres. O processo é destacado em termos de riscos ambientais e de insegurança jurídica em análise do Observatório do Clima.
Eduardo Camargo, coordenador Geral do Projeto Baleia Jubarte, também se manifesta de forma contrária ao leilão. “Nós, como conservacionistas, incentivamos a mudança de matriz energética para fontes mais limpas. Mas enquanto a nossa economia ainda girar em torno da exploração mineral é difícil combater o crescimento da exploração de hidrocarbonetos no Brasil.”
O ambientalista argumenta que embora o setor petrolífero tenha uma importância estratégica para a economia brasileira, é fundamental que o país possa ampliar os investimentos em fontes energéticas alternativas.
Sobre potenciais danos ambientais à região de Abrolhos, como já ocorreu anteriormente, em tentativa frustrada de concessão petrolífera, Camargo esclarece que nesta rodada, os blocos ofertados não representam risco significativo, pois estão distantes dessa área marinha de grande importância para a conservação da biodiversidade.
Resultados superam expectativas, afirma ANP
Os blocos petrolíferos foram arrematados no 3º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC), por investimentos de R$ 422 milhões. O consórcio Shell Brasil, Ecopetrol e a Total Energies foram alguns dos principais protagonistas do leilão. O desfecho foi comemorado pelo diretor-Geral da ANP, Rodolfo Saboia.
“O resultado do leilão de hoje superou as melhores expectativas. Em primeiro lugar, obtivemos arrecadação recorde em ciclos da Oferta Permanente, o que consolida esse modelo como a principal forma de licitação de áreas para exploração e produção de petróleo e gás natural. Também obtivemos recorde na quantidade de blocos arrematados nesse modelo, acrescentando 7,855 mil km² de área exploratória”, afirmou o executivo em comunicado da ANP.
Segundo informado pela Agência, no 1º Ciclo, em 2019, foram arrematados 33 blocos com R$ 320,3 milhões em investimentos. Já em 2020, quando ocorreu o 2º Ciclo, foram arrematados 17 blocos com investimentos de R$ 160,6 milhões.
Ainda segundo a ANP, os vencedores são definidos, no regime de concessão, por dois critérios: bônus de assinatura (80%) e programa exploratório mínimo – PEM (20%) oferecidos pelas licitantes. “Os bônus são os valores em dinheiro ofertados pelas empresas, a partir de um mínimo definido no edital, e são pagos pelas vencedoras antes de assinarem os contratos. Já o PEM, medido em unidades de trabalho (UTs), define um mínimo de atividades que a empresa se propõe a realizar no bloco durante a primeira fase do contrato (fase de exploração), como sísmicas, perfurações de poços etc.”
Fonte: O Eco
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