Pará, Amazonas e Mato Grosso possuem as maiores porções de floresta voltando a crescer em áreas que não competem com a produção de grãos no bioma
Todos os nove estados da Amazônia Legal possuem porções significativas de floresta se regenerando em locais sem aptidão agrícola. Isto é, áreas que não competem com o agronegócio e poderiam ser deixadas para crescer, a baixo custo, gerando benefícios para o clima e para os próprios agricultores.
Somente no Pará, Mato Grosso e Amazonas – estados que historicamente estão entre os maiores desmatadores do bioma – as áreas com tais características ultrapassam os 3,9 milhões de hectares, quando somadas. No bioma todo, a cifra chega a 5,2 milhões de hectares, área maior do que todo estado do Espírito Santo.
Os dados constam em estudo conduzido pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente (Imazon) e lançado recentemente dentro do Projeto Amazônia 2030 (AMZ 2030), iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano de desenvolvimento sustentável para a Amazônia Brasileira durante esta década.
Segundo o documento, foram mapeadas as áreas de vegetação secundária – aquela que voltou a crescer depois de desmatada – com idade mínima de seis anos. Usando imagens de satélite e sobreposição de dados geográficos constantes em estudos anteriores, os pesquisadores do Imazon estimaram que, em 2019, existiam 7,2 milhões de hectares de vegetação com mais de seis anos se recompondo no bioma. Deste total, 73% (os 5,2 milhões de hectares) estão em porções ruins para o plantio de grãos.
De acordo com Andréia Pinto, pesquisadora adjunta do Imazon e uma das autoras do estudo, áreas que não competem com a atividade agrícola são aquelas em que há grande limitação para o plantio devido à caraterística acidentada do solo, o que dificulta o ingresso de máquinas agrícolas.
Também foram incluídas nesta classificação áreas que, por lei, precisam ser preservadas, como as margens de rios, ou Áreas de Preservação Permanente (APPs).
O Pará é o estado que possui maior área nessas condições: 2,27 milhões de hectares, ou 44% do total do bioma Amazônia. Ele é seguido pelo Amazonas (1,04 milhão de hectares), Mato Grosso (656 mil ha), Maranhão (338 mil ha), Rondônia (305 mil ha), Roraima (150 mil ha), Tocantins (152 mil ha), Acre (143 mil ha) e Amapá (139 mil hectares).
Segundo a pesquisadora do Imazon, os dados levantados refletem o histórico de ocupação da floresta tropical. Na década de 1970, a área era desmatada para demonstrar posse, independente da característica do solo.
“O que a gente entende agora, olhando para a área que está sendo deixada regenerar, é que muitas foram abertas para demonstrar domínio e posse, mesmo aquelas muito acidentadas, que não era para uso agrícola. Historicamente, o produtor foi percebendo que naquelas áreas não valia a pena investir. Foi uma decisão econômica mesmo, então ele deixou o mato crescer”, explicou Andréia Pinto, em entrevista a ((o))eco.
As áreas de vegetação secundária, no entanto, não estão somente nas antigas fronteiras do desmatamento. Elas também foram identificadas nas novas áreas de pressão do bioma.
Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), a antiga fronteira do desmatamento – ou arco do desmatamento – compreende um território que vai do oeste do Maranhão e sul do Pará em direção a oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre. A nova fronteira, ou flechas do arco do desmatamento, está localizada no interior da floresta amazônica, no entorno das rodovias BR-163, BR-319 e BR-364.
O problema, ressalta Andreia, é que as áreas em regeneração não são sistematicamente mapeadas. Nos monitoramentos oficiais de mudança do solo realizados pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), dentro dos programas PRODES e DETER, a vegetação secundária não é diferenciada das florestas originais.
“As florestas secundárias estão invisíveis, e quando elas estão invisíveis, tudo pode acontecer, sem nenhum tipo de sanção”, diz a pesquisadora, ao ressaltar a importância de estudos como o agora lançado pelo AMZ 2030.
O que o trabalho do Imazon mostrou é que as porções em regeneração estão majoritariamente localizadas em locais de acesso facilitado: perto de rios e seus afluentes, o que fica muito claro no caso do Amazonas, ou paralelos a estradas, como em grande parte do Mato Grosso e Pará, por exemplo.
Quem é dono destas áreas
Em 2019, a vegetação secundária sem competição significativa para o uso do solo estava concentrada em quatro classes fundiárias: imóveis privados cadastradas no Sistema de Gestão Fundiária do INCA (21%), áreas públicas não destinadas (20%), áreas protegidas (19%) e assentamentos rurais (12%). Os vazios fundiários – onde não há qualquer informação sobre domínio – abrangiam 12% do total mapeado, as áreas com Cadastro Ambiental Rural (CAR) representavam 10%, as Áreas de Proteção Ambiental (APA) somavam 2,5% e as terras quilombolas completavam as áreas em regeneração sob baixa pressão para conversão agrícola, com 0,6%.
Segundo o pesquisador Paulo Amaral, também do Imazon, os produtores rurais dos estados da Amazônia deveriam aproveitar essas áreas sem aptidão agrícola para se adequarem à legislação ambiental.
“Além de impedir prejuízos com multas ambientais, ter propriedades adequadas à legislação pode ajudá-los a conseguir financiamentos e a valorizar a produção”, disse Amaral, que também assina o estudo.
Atualmente, a estimativa é que produtores rurais no bioma amazônico precisam recuperar cerca de 8 milhões de hectares para cumprir as leis ambientais.
Além da adequação ambiental, os autores ressaltam que pequenos e grandes produtores têm a ganhar com a regeneração, seja produzindo em suas agroflorestas, no caso dos pequenos, ou vendendo créditos de carbono, quando são as grandes áreas em foco.
Governos estaduais e regeneração
No processo de recuperação da floresta degradada, os governos estaduais possuem papel essencial. São eles os responsáveis por firmar e acompanhar os projetos de recuperação ambiental apresentados pelos proprietários rurais que pretendem se regularizar. Mas muito desses mecanismos de gestão e ordenamento territorial ainda engatinha nos estados da Amazônia Legal.
Como mostrou reportagem especial de ((o))eco, mesmo passados 10 anos da criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) – documento que representa o primeiro passo para avaliar os dados ambientais da propriedade rural -, por exemplo, apenas 1% das fazendas registradas nos nove estados da Amazônia tiveram os dados do CAR validados por autoridades. Isso significa que apenas neste pequeno universo de propriedades é possível ter certeza de que a floresta se mantém em pé ou vai ser recuperada.
Falta de recursos humanos, materiais e financeiros estão entre as justificativas dos estados para resultados tão ruins em seus processos de ordenamento territorial.
Diante deste quadro, os pesquisadores do Imazon ressaltam a importância do estudo conduzido por eles.
“A nossa proposta foi justamente mostrar para um governador, para um secretário de meio ambiente, por onde começar, onde vai ser mais fácil. [Com o estudo] Queremos dizer: ‘olha, você já tem no seu estado essa área em regeneração natural, que inclusive não compete com a produção de grãos, que é vegetação secundária, natural, e onde é mais barato recuperar’ […] Se os estados não têm verbas para validar todos os CAR, por que não priorizar onde eu possa salvar uma vegetação secundária que já está em estágio potencialmente avançado de crescimento, a baixo custo?”, sugere Andreia Pinto.
Segundo ela, tanto este trabalho quanto os outros produzidos dentro do Programa Amazônia 2030 são apresentados periodicamente a secretários estaduais, municipais, academia e organizações não governamentais.
“A gente está nessa fase preliminar que aparentemente tem mais receptividade. Agora, quanto disso se materializa é que é o desafio. Ainda não podemos destacar ações concretas”, ressalta a pesquisadora.
Desde que começou a sistematização das pesquisas, em 2020, o projeto Amazônia 2030 já apresentou cerca de 30 trabalhos aos governos dos estados e municípios do bioma Amazônico, com o objetivo de subsidiar os tomadores de decisão para um futuro sustentável.
“A mensagem principal do estudo é que a recuperação da floresta pode ser bem mais fácil e bem mais barata do que se pressupõe e se imagina, desde que você aproveite esse potencial da própria regeneração da floresta e avance com as iniciativas de adequação. Há um pensamento geral que a adequação ambiental é algo oneroso, parece que é tudo ruim, negativo, e esses estudos recentes lançam luz sobre essa camada de floresta que volta, sem que demande recursos tão maiores”, diz Andreia.
Fonte: O Eco
Comentários