Segundo relatório do projeto “Amazônia 2030”, coordenado por Rudi Rocha, identifica percepções de atores envolvidos na saúde da região
Por IEPS – Pesquisadores do projeto “Amazônia 2030” lançam nesta segunda-feira, 14, o estudo “A saúde na Amazônia Legal: Análise Qualitativa sobre Desafios e Boas Práticas”. O segundo de uma série de três relatórios sobre a saúde amazônica é coordenado pelo diretor de pesquisa do IEPS, o economista Rudi Rocha.
Após o primeiro relatório mapear o quadro atual da saúde da população da região, o segundo vai além das análises comparativas dos indicadores de saúde entre a Amazônia Legal e as demais partes do Brasil. No novo estudo, foram entrevistados especialistas, pesquisadores, lideranças comunitárias e indígenas, gestores públicos, profissionais de saúde, representantes de organizações não governamentais atuantes na área da saúde, parlamentares e autoridades sanitárias para saber quais são, na opinião desses atores, os desafios da saúde na Amazônia, as possíveis soluções e as boas práticas que podem ser aplicadas.
A pesquisa tem três eixos analíticos: desafios às condições de acesso e oferta de serviços de saúde na Amazônia; saúde indígena; e boas práticas e respostas aos desafios identificados. Os resultados mostram que, apesar da diversidade de aspectos, os entrevistados revelaram, nos três eixos, uma particular preocupação sobre gestão da saúde da Amazônia.
Do total de 1.039 menções dos entrevistados, 632 delas (48%) se referem ao planejamento e ao financiamento das ações em saúde.
“Muitos entrevistados destacaram a importância da atuação coordenada e articulada entre municípios, estados e União, buscando uma melhor organização das redes de atenção à saúde. As entrevistas sugerem que as palavras ‘articulação’, ‘coordenação’ e ‘pactuação’ devem ser orientadoras do esforço e da resposta frente aos enormes desafios que a saúde na Amazônia nos impõe”, destacam os autores no estudo.
Oferta de serviços
O estudo analisou os relatos dos entrevistados quanto às dificuldades para acessar a rede de assistência à saúde bem como as percepções sobre as limitações de planejamento e gestão. Os resultados evidenciam dificuldades de financiamento e escassez de profissionais. As principais críticas recaem sobre as articulações intergovernamentais incapazes de promover um planejamento regional integrado.
“Tentamos várias e diversas vezes fazer essa discussão, para que, se houvesse uma pactuação interfederativa, esses municípios dessem suporte, esses estados dessem suporte a esse município. Mas é muito, eu acho, ‘cada um com seu’. Ninguém quer muito saber do seu vizinho, não”, diz um dos entrevistados, cujas identidades foram preservadas.
Na visão dos atores envolvidos na saúde da Amazônia, as especificidades geográficas da região não deveriam ser vistas como um obstáculo a mais para a adequada oferta de serviços de saúde, e sim como elemento de maior coordenação, articulação e planejamento entre governos municipais e estaduais subnacionais. No entanto, não é isso que acontece, segundo este outro entrevistado:
“A gente precisa é fortalecer a discussão numa coisa que eu falo muito dos estados: eu acho que a região Norte ainda é muito tímida para colocar suas necessidades nesses espaços de pactuação interfederativa. Eu acho que a região Norte precisa falar mais de si nesses espaços. Se você não se apresenta, se você não fala de você, se você não traz as tuas necessidades, você não vai ser lembrado. Não vão ser identificadas suas demandas”
Saúde indígena
Na área da Amazônia Legal estão presentes desde comunidades isoladas, em terras ainda em processo de demarcação, e em áreas urbanas. Os povos indígenas desenvolveram medicinas tradicionais e técnicas de cura que também variam entre cada comunidade. Além disso, muitos dos problemas de saúde que acometem povos indígenas são, para eles, recentes e pouco conhecidos, como diabetes. O estudo coletou as percepções dos entrevistados sobre especificidades epidemiológicas, dificuldades de integração à atenção primária e a questão territorial.
Dentre os principais pontos citados, destacam-se a baixa integração da atuação das gestões municipais e estaduais à política de saúde indígena; o reconhecimento das práticas tradicionais na formulação de políticas públicas, a ponto de incluí-las de forma institucionalizada no Sistema Único de Saúde; e a composição de equipes de saúde formadas também por profissionais indígenas das próprias comunidades.
“A saúde não pode existir sem a terra, saúde não pode existir sem a caça, a pesca, sem o rio, sem a água, sem a cultura, sem espiritualidade. Então, a questão da demarcação de terra é essencial para saúde mental, cultural, física, espiritual de um povo, de uma comunidade. Saúde é a floresta em pé também. Saúde é alimentação saudável, a saúde é as rezas”, afirma um dos entrevistados.
No entanto, conforme apontado por outro entrevistado, os gestores locais por vezes não estão conectados com os povos indígenas:
“É um problema de base: os gestores municipais e estaduais são pessoas ligadas aos grupos de interesses que estão em choque com indígenas. Você tem que ter uma forte política federal que vai induzir e articular”.
Boas práticas
A pesquisa também mapeou indicações de boas práticas e possíveis alternativas aos problemas de acesso e de gestão da saúde na Amazônia Legal. Dentre as 422 menções, os pontos mais mencionados pelos entrevistados cruzam as capacidades municipais e estaduais de planejamento, o financiamento dos serviços de saúde e os incentivos à fixação de profissionais de saúde, sobretudo nos municípios do interior.
“Uma dificuldade é a gente conseguir contratar médico. Eu estou aqui com sete equipes ribeirinhas que foram habilitadas agora e eu não tenho nenhum médico que queira vir. Se eu não tiver o médico, eu não consigo financiamento para a equipe, aí eu não consigo nem que o enfermeiro vá trabalhar, porque eu não vou ter o custeio disso”.
Muitas dessas alternativas já estão previstas e são garantidas pela Política Nacional de Atenção Básica, porém são pouco acessadas pelas gestões municipais, como a incorporação de tecnologias, equipamentos e infraestrutura. As Unidades Básicas de Saúde Fluviais (UBSF) foram frequentemente mencionadas como meio para garantir o acesso à saúde pelas comunidades ribeirinhas.
“O maior dos maiores problemas que mexe com a saúde chama-se transporte. Nós só temos uma ambulância (‘ambulancha’) para atender três rios. E o mais difícil é que ela não vem de noite. Os indígenas conseguiram helicóptero, mas helicóptero não vem à noite, só vem de dia. Então, se você tiver de adoecer tem que dizer: ‘olha, doença, me ataca só de dia, não me ataca de noite, por favor, senão eu vou morrer’”, conta um dos entrevistados.
Ao todo, foram feitas 33 entrevistas com duração de 1h30 a 2 horas, em geral, via aplicativo Zoom, gravadas e transcritas. Quando o(a) entrevistado(a) teve dificuldade de acesso à internet, as entrevistas ocorreram por telefone. O objetivo foi identificar fenômenos e processos não cobertos por dados e sistemas de informação, o que aumenta a compreensão sobre a saúde na região da Amazônia Legal.
O projeto “Amazônia 2030” é uma iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano de ações para a Amazônia brasileira. O objetivo é a região alcançar desenvolvimento econômico e humano, e atingir o uso sustentável dos recursos naturais em 2030.
Fonte: eCycle
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