Microvespas coletadas no Paraná e em São Paulo são da mesma linhagem de insetos liberados para controle biológico na década de 1980
A microvespa Telenomus remus, que é introduzida artificialmente em áreas de cultivos agrícolas para fazer controle biológico de pragas, tem o primeiro registro de ocorrência natural no território brasileiro. A identificação aconteceu por meio de análises genéticas e morfológicas, e um estudo filogeográfico (que analisa como se deu a distribuição no espaço dos indivíduos da espécie) confirmou que as vespas coletadas em São Paulo e no Paraná são da mesma linhagem das vespas liberadas para controle biológico na década de 1980. A vespa pode ser usada para combater pragas das culturas de algodão, milho e soja. A descoberta foi feita em pesquisa conjunta da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, e da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
As conclusões do estudo são apresentadas em artigo publicado no site Scientific Records, do grupo Nature, em 8 de julho. Telenomus remus é uma diminuta vespa de aproximadamente 0,60 milímetros (mm) de comprimento. “A espécie foi encontrada parasitando ovos de Spodoptera frugiperda, conhecida como lagarta-do-cartucho, na cultura do milho em Piracicaba, e de Spodoptera cosmioides, chamada de lagarta-das-vagens, na cultura da soja em São José dos Pinhais, no Paraná”, relata Ana Paula Gonçalves da Silva Wengrat, autora da pesquisa. “Este último local está a uma distância aproximada de 350 quilômetros (km) do ponto da liberação realizada no Estado de São Paulo na década de 1980.”
Por ser um parasitoide de ovos, as fêmeas da espécie colocam os seus ovos nos de outras espécies. “Assim, a larva da vespa, ao eclodir, se alimenta do conteúdo interno do ovo da praga, que serve de hospedeiro, causando a sua morte”, aponta Ana Paula. “Após o seu desenvolvimento dentro do ovo, ocorre a emergência do adulto e se inicia um novo ciclo.” Nas décadas de 1980, 1990 e 2010, a microvespa foi introduzida no Brasil para o controle biológico de pragas agrícolas, porém nunca tinha sido encontrada em condições naturais.
“A identificação foi confirmada por meio de uma abordagem integrativa, ou seja, com base nas caracterizações morfológicas e do seu DNA, a partir do sequenciamento de um fragmento de gene”, descreve a pesquisadora. “Adicionalmente, através de um estudo filogeográfico, nós confirmamos que as microvespas coletadas no campo são oriundas da mesma linhagem genética dos insetos liberados anteriormente para o controle biológico, as quais foram capazes de se estabelecer e se dispersar nas regiões Sul e Sudeste do Brasil.”
Controle biológico
De acordo com a pesquisadora, a Telenomus remus pode ser usada em programas de controle biológico aumentativo (aplicado). “O controle biológico aumentativo consiste na liberação de um grande número de parasitoides, ou seja, de inimigos naturais, chamada de liberação inundativa, introduzindo milhares de microvespas por hectare”, explica.
A vespa parasita utiliza como hospedeiras várias espécies de mariposas pragas do gênero Spodoptera, como Spodoptera frugiperda, Spodoptera albula, Spodoptera cosmioides e Spodoptera eridania. “Como essas pragas são generalistas, ou seja, podem se alimentar de diversas espécies de plantas, o parasitoide pode ser utilizado nas culturas em que essas pragas causam prejuízos, por exemplo, no milho, soja e algodoeiro”, ressalta Ana Paula. “Vale considerar que a espécie Spodoptera frugiperda já apresenta diversos casos de resistência a inseticidas e tecnologias transgênicas.”
Com base nas constatações da pesquisa, a pesquisadora aponta que é possível direcionar um programa em nível nacional de produção em massa de Telonomus remus para controle das pragas do gênero Spodoptera, que causam grandes prejuízos à agricultura brasileira. “A iniciativa seria semelhante à que foi desenvolvida com Trichogramma spp., microvespa que parasita ovos de diversas pragas e, hoje, a partir dos resultados obtidos em estudos realizados na Esalq, vem sendo utilizada em mais de 3 milhões de hectares para controlar pragas agrícolas, especialmente na cana-de-açúcar, para Diatraea saccharalis”, conclui.
O trabalho de Ana Paula Gonçalves da Silva Wengrat teve a participação de Aloisio Coelho Junior, José Roberto Postali Parra, Alberto Soares Corrêa e Roberto Antonio Zucchi, do Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq. Também colaboraram com a pesquisa Tamara Akemi Takahashi e Luís Amilton Foerster, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Valmir Antonio Costa, do Instituto Biológico de São Paulo, Andrew Polaszek, do London Natural History Museum (Reino Unido), e Norman F. Johnson, da The Ohio State University (Estados Unidos).
Fonte: Jornal da USP
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