José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Estima-se que aproximadamente 50 mil espécies diferentes de plantas ocorram na Amazônia. Um único hectare, isto é, uma área de 100 metros por 100 metros, apresenta tantas espécies vegetais diferentes quanto a Europa inteira. E isto é apenas uma estimativa preliminar. Por exemplo, apenas há poucos anos foram descobertos angelins (Diniza excelsa), árvores que podem alcançar mais de 80 metros de altura. Se vegetais desse porte gigantesco permaneceram desconhecidos pela ciência acadêmica por tanto tempo, o que se dirá de plantas pequenas?
Um dos fatores que podem ter contribuído para produzir essa extraordinária biodiversidade vegetal na Amazônia é a barreira natural constituída pelos rios de grande porte, impedindo que algumas espécies existentes no território situado ao longo de uma das margens se difundam pela margem oposta. Essa antiga hipótese, proposta em meados do século 19 por Alfred Russel Wallace (1823-1913) para tentar explicar a distribuição de espécies de primatas na Amazônia, poderia explicar também o padrão de distribuição geográfica e os processos de diversificação de espécies vegetais?
“Fizemos um estudo que, em termos genéticos, é uma reinterpretação da hipótese de Wallace. Segundo essa reinterpretação, grandes rios, como os da bacia amazônica, poderão reduzir ou impedir o fluxo gênico entre as populações de plantas nas margens opostas dos rios, acarretando alopatria [diferenciação de espécies em decorrência do isolamento geográfico] e restringindo as espécies a regiões interfluviais específicas”, conta Alison Nazareno, professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), à Agência FAPESP.
O estudo realizado por Nazareno e colaboradores e coordenado por Lúcia Lohmann, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), investigou essa possibilidade. Os resultados foram divulgados no periódico Frontiers in Plant Science.
A pesquisa recebeu apoio da FAPESP por meio de quatro projetos (13/12633-8, 15/07141-4, 17/02302-5 e 12/50260-6) e foi conduzida no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP.
O artigo atual dá sequência a quatro estudos sobre o tema anteriormente publicados por Nazareno e Lohmann em janeiro de 2017, em abril do mesmo ano, em novembro de 2018 e em dezembro de 2019.
“Nós estudamos a influência de dois rios na diferenciação das espécies: o Negro, que é muito antigo e extremamente largo em algumas porções, e o Branco, um rio bem mais recente e estreito. Verificamos que o Branco não constituiu barreira para o fluxo gênico. Mas o Negro, para algumas espécies, a exemplo da Amphirrhox longifolia, da família das violáceas, constituiu uma barreira sim”, diz Lohmann à Agência FAPESP.
A pesquisadora explica que a espécie Amphirrhox longifolia é disseminada por peixes. Mesmo assim, o Negro representou uma eficiente barreira para a dispersão gênica. “É preciso considerar que, em certos trechos, o Negro chega a ter dezenas de quilômetros de largura entre uma margem e outra, representando uma barreira extraordinária. Os próprios peixes que dispersam sementes desta espécie frequentemente apresentam nichos restritos e não alcançam a margem oposta do rio”, informa Lohmann.
“Surpreendentemente, observamos uma forte estruturação genética entre populações da espécie Buchenavia oxycarpa, da família vegetal Combretaceae, localizadas nas margens opostas do rio Negro – um padrão inesperado para espécies que são dispersadas por primatas”, acrescenta Nazareno.
Os pesquisadores ressaltam que os estudos no rio Negro foram um dos primeiros a usar espécies vegetais para testar a hipótese de Wallace, que já era muito bem assentada no caso dos animais vertebrados, com diversos estudos documentando a importância dessa barreira para aves e primatas.
No rio Branco, os pesquisadores investigaram representantes de quatro famílias vegetais: as bignoniáceas (à qual pertencem os ipês, os jacarandás e diversas lianas), as passifloráceas (à qual pertence o maracujá), as rubiáceas (à qual pertence o café) e as violáceas (à qual pertencem algumas violetas). E consideraram espécies com três tipos de dispersão: pelo vento, pela água e por animais.
No artigo, os autores explicam que, para testar se os modos distintos de dispersão de sementes têm um efeito similar no nível de conectividade genética (ou seja, no fluxo gênico) entre populações de diferentes espécies de plantas ribeirinhas, foi usado um tipo de marcador genético conhecido como polimorfismo de nucleotídeo único não ligado (SNP, da expressão em inglês single nucleotide polymorphism) para oito espécies de plantas.
Vale lembrar que SNP é uma variação no DNA que afeta somente uma base – adenina (A), timina (T), citosina (C) ou guanina (G) – na sequência do genoma. Ou seja, é um marcador molecular bastante promissor em estudos de genômica de populações.
“Embora as partes mais largas do Negro tenham efetivamente servido como barreira para o fluxo gênico em algumas espécies, nossos resultados indicam que o Branco não representou uma barreira para a dispersão gênica para nenhuma das plantas analisadas, independentemente de seu modo de dispersão”, comenta Lohmann.
Isso sugere que foram fatores ecológicos e não geográficos que desempenharam papel fundamental na história evolutiva das plantas na bacia amazônica. “Esses resultados podem ajudar a melhorar as políticas de conservação e manejo nas matas ciliares amazônicas, onde as taxas de degradação e desmatamento são tão altas”, sublinham os autores.
O artigo By Animal, Water, or Wind: Can Dispersal Mode Predict Genetic Connectivity in Riverine Plant Species? pode ser acessado em: www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpls.2021.626405/full#B122.
Fonte: Agência FAPESP
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