Diminutos, com dedos fundidos e pernas pequenas, os sapos-pingo-de-ouro não parecem ser o tipo de animal capaz de se deslocar por grandes distâncias e por isso a ampla distribuição de uma das espécies do sapinho, que ocorria nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, intrigava cientistas. Uma descoberta recente, feita com ajuda da genética, ajuda a finalmente elucidar o mistério: o que achava-se que era uma única espécie, o Brachycephalus ephippium, na verdade são duas. O mais novo pingo-de-ouro foi batizado de Brachycephalus rotenbergae e ocorre na região da Serra da Mantiqueira, no interior paulista.
Atualmente, o gênero dos Brachycephalus, conhecido popularmente como sapo-pingo-de-ouro, abrange 37 espécies, todas elas com distribuição restrita à Mata Atlântica.
O artigo com a descoberta foi publicado na última semana na revista científica PLOS One, e é assinado por uma equipe de oito pesquisadores. A pesquisa foi liderada pelo Projeto Dacnis, que atua na Mata Atlântica, e que possui duas sedes principais, ambas no estado de São Paulo, uma em Ubatuba, no litoral, e outra, mais recente, no distrito de São Francisco Xavier, no interior paulista, aos pés da Serra da Mantiqueira. Foi nesta última localidade que o pesquisador Edelcio Muscat teve seu primeiro estalo sobre a verdadeira identidade dos sapinhos pingo-de-ouro que ocorriam ali.
Muscat conta que se mudou para São Francisco Xavier em julho de 2017 e começou a fazer expedições pela região. Em outubro do mesmo ano, teve seu primeiro encontro com o pingo-de-ouro na Serra da Mantiqueira. “Eu encontrei um exemplar só, peguei, fotografei, e achei ele diferente do Brachycephalus ephippium, que até então era a espécie que achava-se que ocorria em quase todo estado de São Paulo. E eu achei diferente dos bichos que eu tinha visto no Rio de Janeiro, que é onde o B. ephippium foi descrito. Tinha uma coloração diferente, placas dorsais diferentes e fiquei com aquilo na cabeça, aí decidi estudar o bicho”, lembra o pesquisador e coordenador-geral do Projeto Dacnis.
Muscat, depois do primeiro encontro com um único indivíduo, encontrou o local de concentração dos sapos-pingo-de-ouro e passou a monitorá-los. O que era uma suspeita, aos poucos, com muitos estudos e apoio de diferentes cientistas, virou uma constatação: aquele Brachycephalus não pertencia à espécie ephippium, tampouco as outras conhecidas do gênero, era uma espécie nova para a ciência.
“Nós montamos uma equipe de trabalho, cada um com a sua expertise e começamos a estudar. Coletamos alguns bichos com autorização do governo, fizemos análises, estudamos o canto, comparamos com as outras espécies do gênero. E incorporamos à pesquisa o Ivan Nunes, da UNESP [Universidade Estadual Paulista], que é taxonomista, para fazer estudos morfológicos do bicho. Cada vez mais com o advento da genética a gente consegue comparar populações de regiões distintas e comprovar uma nova população”
Entre as características morfológicas que diferem o B. rotenbergae de seus parentes estão a presença de um tecido escuro nas costas, o tamanho e a formação de placas dorsais. “nós juntamos as diferenças morfológicas com a diferença genética para poder provar que é uma espécie nova”, conta o pesquisador que batizou o novo Brachycephalus em homenagem à Elsie Rotenberg, presidente do Projeto Dacnis.
Mesmo com um tamanho que não passa de 1,7 centímetros – menor que um polegar – o Brachycephalus rotenbergae é difícil de não ser notado. Seu corpo vibra um laranja forte que atrai olhares e afasta predadores com um recado claro de advertência: cuidado, na minha pele há toxinas perigosas. Apesar de, como todo anfíbio, terem uma forte dependência de fontes de água para sobreviver, a vida do Brachycephalus rotenbergae se desenrola no chão da floresta, em meio ao folhiço, onde se reproduz, desloca e procura alimentos – pequenos invertebrados, como insetos e aracnídeos. Os pequenos caminhantes são também exímios escaladores e nem mesmo o tronco liso de uma bananeira parece impedi-los de subir em uma árvore quando necessário.
A conservação do novo pingo-de-ouro
O status de conservação do pequeno pingo-de-ouro ainda será avaliado por especialistas junto ao ICMBio. Edelcio Muscat destaca que é importante lembrar que o gênero Brachycephalus é endêmico da Mata Atlântica, um bioma reduzido a cerca de 13% da sua cobertura original. “Todos os animais e vegetais da Mata Atlântica podem estar fadados à extinção pela quantidade de cobertura vegetal que existe hoje, mas cada população tem uma característica. Esse bichinho já está possivelmente extinto em Campinas, há 20 anos nenhum pesquisador encontra ele lá. Apesar disso, ele é bem abundante onde eu trabalho, em São Francisco Xavier. Eu estou monitorando esse grupo há três anos, mas ainda é cedo para falar da estabilidade da população. Precisam ser feitos estudos de longo prazo, que vão revelar como aquela espécie vive naquele local e quais as condições que eles têm para se perpetuar ou não”, aponta o pesquisador.
A própria equipe da Dacnis irá continuar no monitoramento das populações do B. rotenbergae por pelo menos mais dois ou três anos para ter um estudo mais robusto sobre a espécie e sua conservação.
Apesar de parte do seu habitat estar costurado junto a duas Áreas de Proteção Ambiental (APAs), a ocorrência do sapo-pingo-de-ouro paulista está atrelada principalmente às propriedades privadas, como é o caso dos dois locais principais para realização da pesquisa: um terreno que pertence ao próprio projeto Dacnis e uma propriedade que fortuitamente é preservada por iniciativa das proprietárias, ainda que não seja oficialmente uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN).
“São áreas particulares protegidas, mesmo que não sejam RPPN, a questão é que o bicho não está só nessas duas áreas, ele está espalhado pelo distrito de São Francisco Xavier todo, pela vizinhança, Santo Antônio do Pinhal, Monteiro Lobato… então eles estão em áreas que podem estar dentro de APAs e dentro de outras áreas particulares que nem sempre são protegidas. São Francisco Xavier e imediações vivem de gado leiteiro, têm pastos, e do lado de pastos você pode encontrar, num fragmento de mata, uma população do rotenbergae. Então quando a gente descobre uma nova espécie, a gente tenta fazer com que essas áreas adjacentes onde a gente trabalhou sejam protegidas, porque cada vez mais a gente mostra a riqueza que está ilhada nesses fragmentos de mata”, explica Muscat.
“O mérito de descobrir uma espécie para mim é que quando você conhece uma espécie, você consegue traçar uma política de conservação. O grande barato da descoberta de uma nova espécie é você contribuir para que aquela área seja cada vez mais conservada. A descoberta não causa só o mérito dos pesquisadores, a descoberta causa o mérito e a valorização de uma área que pode vir a ser protegida depois dela”, conclui o pesquisador que espera chamar atenção para criação de áreas protegidas na região que garantam a conservação do pingo-de-ouro.
Fonte: O Eco
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