O plano do democrata Joe Biden para enfrentar as mudanças climáticas foi descrito como o mais ambicioso de qualquer candidato presidencial dos Estados Unidos.
Agora, com sua vitória, a principal pergunta é se ele vai concretizá-lo e como pretende conseguir isso.
Muito já se falou sobre a promessa de Biden de levar os Estados Unidos a aderir novamente ao Acordo de Paris, um pacto internacional criado para evitar o aquecimento global a níveis muito perigosos e assinado por Barack Obama.
Trump retirou o país do acordo, e Biden afirmou que reverter essa decisão seria um de seus primeiros atos presidenciais.
Mas a chave para sua credibilidade no cenário internacional se baseará em suas políticas internas de redução das emissões de carbono.
Democratas mais à esquerda, como a congressista Alexandria Ocasio-Cortez, apresentaram uma proposta chamada Green New Deal, um programa de investimentos em infraestrutura em energia limpa que tem como meta eliminar enormemente as emissões de carbono.
O plano climático Biden é mais moderado. Mas, se promulgado, ainda seria a estratégia climática mais agressiva de que os Estados Unidos já lançaram mão.
Zerar as emissões líquidas até 2050
Biden propõe tornar a produção de energia americana livre de carbono até 2035 e fazer com que o país atinja emissões líquidas zero até a metade do século.
Chegar ao zero líquido exige que quaisquer emissões de carbono sejam equilibradas pela absorção de uma quantidade equivalente da atmosfera, por exemplo, plantando árvores.
Uma vez no cargo, Biden quer gastar US$ 2 trilhões (R$ 10,8 trilhões) em quatro anos para reduzir as emissões, modificando quatro milhões de edifícios para torná-los mais eficientes em termos de energia.
Ele promete gastar pesadamente em transporte público, investir na fabricação de veículos elétricos e pontos de recarga e dar aos consumidores incentivos financeiros para trocar seus carros atuais por versões menos poluentes.
Todas essas opções têm um componente adicional além do corte do carbono: elas geram empregos.
Andrew Light, um ex-alto funcionário de políticas climáticas no governo Obama, diz que Biden está focado em reduzir as emissões e o desemprego ao mesmo tempo. “Haverá um um conjunto de iniciativas em setores diferentes.”
Biden também disse que não permitirá em terras federais o fraturamento hidráulico, controversa técnica de produção de gás natural e petróleo conhecida como fracking em inglês e que é condenada por ambientalistas por usar produtos químicos para extração desses combustíveis de rochas, o que poderia afetar o subsolo.
No entanto, como cerca de 90% dele ocorre em terras estaduais ou privadas, a grande maioria do fracking não será afetada.
Meta de temperatura global
O Acordo de Paris procurou manter o aumento das temperaturas globais “bem abaixo” de 2°C neste século, mas, em 2018, cientistas da Organização das Nações Unidas (ONU) reforçaram que seria importante limitar o aumento a 1,5°C.
Isso pode evitar que pequenos países insulares acabem submersos, proteger milhões de pessoas de desastres causados por eventos climáticos extremos e limitar as chances de o Ártico derreter no verão.
Cientistas dizem que a meta de Biden de atingir emissões líquidas zero até meados do século pode ter implicações significativas para a meta de 1,5°C.
“Com a eleição de Biden, China, Estados Unidos, União Europeia, Japão, Coreia do Sul — dois terços da economia mundial e mais de 50% das emissões globais de gases de efeito estufa — teriam [compromissos para zerar] as emissões líquidas de gases de efeito estufa até meados do século”, calcula Bill Hare, parte do Climate Action Tracker, que monitora os planos mundiais de redução de emissões. “Este pode ser um ponto de inflexão histórico.”
Pela primeira vez, isso coloca o limite de 1,5°C do Acordo de Paris dentro da possibilidade de ser alcançado, diz ele.
Cooperação interpartidária
Um democrata ocupará a Casa Branca, mas o Partido Republicano atualmente controla o Senado e, até agora, mostrou-se bem relutante em gastar dinheiro para estimular a economia, apesar da pandemia.
Essa posição pode mudar se, como alguns preveem, em janeiro, o segundo turno das eleições na Geórgia der aos democratas o controle do Senado.
Mesmo se isso não ocorrer, ainda há motivos para Biden acreditar que o Senado pode estar aberto a endossar alguns de seus planos climáticos.
Embora Trump tenha adotado uma abordagem contrária ao combate das mudanças climáticas, houve um abrandamento da retórica de alguns republicanos nos últimos anos e já existem precedentes de cooperação interpartidária.
Em setembro, democratas e republicanos colaboraram em um projeto de lei para reduzir o uso de hidrofluorcarbonos (HFCs), uma família de gases comumente usados para refrigeração, o que inclui alguns dos gases de efeito estufa mais poderosos conhecidos pela ciência.
No mesmo mês, o Senado também aprovou um projeto de lei chamado Ato Bipartidário de Preservação da Vida Selvagem, que visa melhorar a preservação de espécies e proteger ecossistemas vitais.
Biden também sabe melhor do que muitos como lidar com o Senado: ele foi eleito senador seis vezes antes de se tornar vice-presidente de Barack Obama.
Se o agora presidente eleito puder estruturar seus planos de forma que criem empregos e novas infraestruturas, ao mesmo tempo em que controle as emissões de carbono, ele poderá encontrar um caminho que funcione para os dois lados da Casa.
“Acho que pode haver muitos pontos em comum apenas em torno de boas políticas que também têm implicações climáticas”, diz Katie Tubb, analista sênior de políticas do centro de estudos conservador Heritage Foundation.
Um problema da Suprema Corte?
Se Biden não alcançar um acordo sobre a legislação com o Senado, terá que emitir ordens executivas, repetindo Obama e Trump.
Trump os usou para reverter dezenas de regulamentações ambientais sobre a produção de petróleo e gás e sobre os padrões para carros e caminhões.
Espera-se que muitos desses retrocessos sejam revertidos no início da administração Biden. Mas o ponto fraco dessa estratégia é que ela pode ser questionada legalmente.
Obama teve que usar ordens executivas para tentar implementar uma política climática considerada chave, o Plano de Energia Limpa, mas as ordens acabaram sendo anuladas pela Suprema Corte.
Se o presidente eleito seguir por esse mesmo caminho, a Suprema Corte, hoje de maioria conservadora, poderá representar um obstáculo em potencial.
Glasgow se tornando a nova Paris
A decisão de Trump de retirar os EUA do Acordo de Paris entrou em vigor em 4 de novembro, um dia após a eleição de 2020.
Um mês depois de o governo Biden informar as Nações Unidas sobre sua decisão de voltar ao pacto, os Estados Unidos voltarão a fazer parte do esforço global para conter as mudanças climáticas, para o deleite dos diplomatas do clima.
“Seria definitivamente um movimento positivo, não só porque os Estados Unidos são um ator grande, mas porque isso reforça o fato de que acreditam na ciência das mudanças climáticas”, disse Carlos Fuller, o principal negociador da Aliança de Pequenos Estados Insulares (Aosis, na sigla em inglês) nas reuniões anuais da ONU sobre o clima.
Essas reuniões anuais são o mecanismo pelo qual os países acordam as reduções de emissões de carbono. E a liderança americana é absolutamente crítica nesse processo.
Com a China, o Japão e a Coreia do Sul definindo metas de longo prazo, aumentam as expectativas de que a cúpula do clima da ONU, a COP26, que será realizada em Glasgow, na Escócia, em novembro de 2021, possa ser um sucesso.
O governo do Reino Unido, que conduzirá as negociações de Glasgow, vai defender que todos os países atualizem seus planos nacionais de corte de carbono com metas mais rígidas do que as apresentadas em 2015 e que o maior número possível de nações se comprometa com emissões líquidas zero até 2050.
Será mais provável atingir estes objetivos com o retorno dos Estados Unidos para o lado dos que defendem ações ambiciosas de combate às mudanças climáticas, sob a presidência de Joe Biden.
Fonte: BBC News
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