O fungo eburiko (Fomitopsis officinalis), um parasita com propriedades antimicrobianas que chega a 60 centímetros de comprimento e apodrece o tronco de coníferas da Europa, Ásia e Estados Unidos, está ameaçado de extinção e já desapareceu na Espanha. Já a trombeta-vermelha-do-anjo (Brugmansia sanguinea), um arbusto da América do Sul com flores vermelhas que faz parte da medicina indígena tradicional e é usado na produção de medicamentos para distúrbios circulatórios, não existe mais na natureza. Das 25.791 plantas conhecidas pelo seu efeito medicinal, 5.411 foram avaliadas de acordo com o risco de extinção e, dessas, 723 (13%) estão ameaçadas, de acordo com o relatório Estado mundial de plantas e fungos, resultado de uma colaboração internacional entre 210 cientistas de 42 países e 97 instituições, publicado no dia 30 de setembro.
“Quase 40% das espécies de plantas, cerca de 140 mil do total de 350 mil espécies conhecidas, estão em perigo de extinção. Estamos arriscando perdê-las antes mesmo de encontrá-las e descobrir que possíveis benefícios podem nos trazer”, diz o botânico brasileiro Alexandre Antonelli, diretor científico do Kew Gardens, em Londres, e editor do trabalho.
Comparado ao primeiro relatório, de 2016, a proporção de plantas em risco praticamente dobrou, de 21% para 39,4% das espécies já descritas. Em parte, o aumento se deve ao uso de métodos estatísticos para corrigir distorções da lista vermelha, um inventário sobre o estado de conservação das espécies elaborado pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN). A inclusão depende de diversos fatores, como a disponibilidade de informações e o interesse despertado pela espécie, que privilegia determinados grupos — os cactos, por exemplo, estão representados em excesso.
Não foram considerados fatores como as mudanças climáticas, que podem aumentar ainda mais a proporção de espécies ameaçadas. Além disso, muitas das plantas que ainda não foram descritas podem ter distribuição restrita, o que agravaria o risco de extinção, segundo os autores de um dos artigos publicados na revista Plants People Planet que servem de base para o relatório.
A bromélia Fernseea itatiaiae, com cerca de 30 centímetros de altura e flores rosadas, vive em afloramentos rochosos, em condições úmidas e frias, na parte alta do Parque Nacional do Itatiaia, na divisa entre os estados de Rio de Janeiro e Minas Gerais. Mas está ameaçada de extinção pelos incêndios que, quase todos os anos, afetam a região. Bromélias e orquídeas são os grupos vegetais em maior risco.
“A sociedade deu as costas ao potencial das plantas e fungos como mitigadores de problemas globais fundamentais, como segurança alimentar e mudanças climáticas”, diz Antonelli.
Opções à mesa
“Inúmeras espécies de plantas e fungos úteis como alimento poderiam ser aproveitadas de forma sustentável, mas são relegadas pelo foco excessivo em poucos tipos”, diz Antonelli. “Três cultivares — arroz, milho e trigo — sustentam 4 bilhões de pessoas.” O relatório destaca que das 7.039 plantas conhecidas com potencial comestível, 417 (5,9%) são cultivadas e apenas 15 fornecem 90% de todas as calorias consumidas pela humanidade. A falta de variedade torna a alimentação menos nutritiva, agravando a desnutrição e deixando as populações humanas mais vulneráveis a mudanças climáticas, uma vez a queda de produtividade de um único cultivar pode representar uma lacuna dramática na produção global de alimentos.
O relatório traz bons exemplos. Quando torrados, os grãos de marama (Tylosema esculentum), consumidos no sul da África, têm gosto semelhante ao da castanha-de-caju e podem ser fervidos ou moídos para fazer mingau ou uma bebida de sabor semelhante ao do cacau. Também podem ser usados para fazer óleo, manteiga e leite e como substituto da carne. Outra planta multiuso é o baobá, quase todas as partes da árvore podem ser aproveitadas: frutos e sementes servem como alimento, a polpa é usada popularmente como remédio para febres e diarreia e a casca para fazer papel, corda e tecido. Ambas as plantas são tolerantes à seca, e o baobá também é resistente ao fogo.
Novas espécies úteis são descobertas a cada ano. Em 2019, foram descritas seis novas espécies de Allium – gênero ao qual pertencem o alho, a cebola, o alho-poró e a cebolinha – na Turquia, Albânia, Grécia e China. No Brasil, foram identificados dois tipos selvagens de mandioca e uma árvore da família do mogno com potencial para ser uma nova fonte de madeira e ajudar a preservar seu parente, já próximo da extinção.
Plantas conhecidas e pouco usadas também apresentam potencial para produção de biocombustível. Atualmente, apenas seis cultivares – milho, cana-de-açúcar, soja, dendê, colza e trigo – geram 80% do combustível vegetal. Mas há outras 2.500 espécies com características semelhantes que poderiam ajudar 840 milhões de pessoas sem acesso a eletricidade e combustível de cozinha em países de baixa renda, principalmente na África subsaariana, Ásia e Oceania, além de reduzir as emissões de carbono.
Algumas alternativas já são exploradas comercialmente. A microempresa queniana EcoFuels Kenya, por exemplo, processa mais de 3 mil toneladas de castanhas coletadas na natureza por ano, extraindo óleo para substituir o diesel de motores e geradores. As cascas são convertidas em ração para gado e fertilizante.
Fonte inexplorada
Nos últimos 15 anos, foram descobertas entre 2.100 e 2.600 espécies de plantas por ano. Em 2019 foram identificadas 1.942 espécies de plantas e 1.886 de fungos — e espera-se que o ritmo seja mantido nos próximos anos. Os fungos, com 148 mil espécies descritas, são menos conhecidos: estima-se que menos de 10% deles foram descritos pela ciência até hoje — número insuficiente para estimar o risco de extinção do grupo.
“O Brasil foi o país que mais descreveu novas espécies de plantas e a China o que mais publicou espécies de fungos”, diz a botânica Rafaela Campostrini Forzza, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) e uma das autoras do capítulo sobre coleções globais. “Construímos um herbário virtual que inclui amostras de plantas brasileiras coletadas no século XIX, nas primeiras expedições dos naturalistas, e foram armazenadas em herbários europeus como o do próprio Kew e do Museu Nacional de História Natural de Paris”, diz a botânica Marli Pires Morim, da mesma instituição e coautora do capítulo, referindo-se ao herbário virtual Reflora, que abriga quase 4 milhões de amostras em 86 herbários da Europa, Estados Unidos e Brasil. “Antes, os pesquisadores precisavam peregrinar entre vários herbários.”
“A perda da biodiversidade é um problema provavelmente até mais sério e urgente que as mudanças climáticas, pois uma espécie extinta nunca voltará”, afirma Antonelli. “Em um momento de extinção acelerada, não estamos conseguindo acessar o baú do tesouro de incrível diversidade em oferta e perdemos uma grande oportunidade para nossa geração”, lamenta.
Em janeiro, foi descrita uma nova espécie de planta carnívora, com até 30 centímetros de altura e pétalas lilases, que cresce em solo rochoso perto de riachos e cachoeiras na cidade de Delfinópolis, Minas Gerais, nas cercanias do Parque Nacional da Serra da Canastra. Denominada Genlisea hawkingii, em homenagem ao físico Stephen Hawking, a erva só foi encontrada nesse local e, fora da proteção do parque, está ameaçada pela agricultura, agropecuária e mineração. A carnívora pertence a um gênero com genomas minúsculos, os menores de todas as plantas com frutos, por isso desperta o interesse dos estudiosos da evolução das plantas.
Mogno ou cedro?
Livro ajuda a identificar madeira legal.
Uma forma simples e efetiva pela qual comerciantes de madeira ilegal burlam a fiscalização é mostrar ao policial que os aborda uma nota fiscal falsa relativa a outra espécie. Esta, de madeira legal. O mogno, uma madeira nobre e fácil de trabalhar, mas ameaçada de extinção e por isso protegida, se parece com o cedro, a andiroba e a itaúba, que podem ser comercializadas. Todas têm madeira dura, cerne de cor marrom-acastanhado e minúsculas perfurações visíveis a olho nu — mesmo um fiscal experiente terá dificuldade de identificar a carga e flagrar a fraude.
O livro Identificação macroscópica de madeiras comerciais do Estado de São Paulo, da bióloga Sandra Borges Florsheim, do Instituto Florestal, fornece todos os subsídios para identificar a maioria das madeiras comerciais com apenas uma lupa de 10 vezes de aumento, abordando desde o corte e a preparação de amostras até a cor, o cheiro e o sabor. A publicação conta ainda com fotos e uma chave de identificação, que guia o leitor por meio de uma série de perguntas dicotômicas (“a madeira é de cor castanho-escuro ou de outras cores?”, por exemplo). A metodologia foi desenvolvida em 2007 e, quando implantada, permitiu um aumento de apreensão de 630% pelas polícias Ambiental e Rodoviária.
“Os policiais examinavam amostras de madeiras com um microscópio portátil conectado a um notebook, cujas imagens eram enviadas pela internet”, conta Florsheim. As amostras eram examinadas por ela mesma, usando amostras da xiloteca – o nome dado a coleções de madeira para pesquisa científica – como base para comparação. “A identificação correta era enviada de volta em no máximo meia hora e, de acordo com o laudo, os fiscais liberavam ou apreendiam a carga.”
Entre 2007 e 2014, quando a fiscalização desse produto era uma prioridade do governo do estado de São Paulo, o maior consumidor de madeira da Amazônia, Florsheim treinou equipes de policiais. O livro está pronto desde 2014, quando se esgotaram os subsídios para o programa de fiscalização, e só agora obteve o financiamento para publicação. “A obra ajuda a difundir a técnica e serve para o policial, o leigo que quer comprar madeira ou o madeireiro que quer saber se está recebendo a madeira certa”, resume.
Fonte: Pesquisa Fapesp
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