Após 10 anos de estudo integrado com pesquisadores de vários países, um método inovador promete melhorar a conservação da biodiversidade dos ecossistemas aquáticos – os mais ameaçados do mundo. Apesar de cobrir menos de 1% da superfície da Terra, os ecossistemas de água doce abrigam mais de 10% de todas as espécies conhecidas. Mas são as mais afetadas: diminuíram 83% de suas populações de vertebrados desde 1970 e apresentam a “maior taxa de extinção” no século XX, segundo o relatório Planeta Vivo, divulgado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF). É esse o problema que a pesquisa busca solucionar.
O artigo, em parceria com a Universidade Federal de Lavras (UFLA), foi publicado na revista Science, um dos principais periódicos da área. Pesquisadores da Rede Amazônia Sustentável avaliaram mais de 1.500 espécies de água doce e terrestres na Amazônia brasileira. O mapeamento envolveu peixes, libélulas, besouro rola-bosta, entre outros. De acordo com as pesquisas, a combinação de informações integradas sobre ecossistemas terrestre e aquático pode aumentar em 600% a proteção dos ecossistemas de água doce. E o gasto de recursos é baixo. Sem o sistema integrado, utilizando apenas dados sobre a vida terrestre, apenas 20% da biodiversidade aquática é preservada.
A primeira autora da pesquisa, Cecilia Gontijo Leal, pesquisadora de pós-doutorado pela UFLA; Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), e Universidade de São Paulo (USP), explica que o estudo supera uma limitação no planejamento de conservação da biodiversidade. Até hoje, o modelo adotado era exclusivamente terrestre e desconsiderava o número de espécies aquáticas beneficiadas.
“Os projetos de conservação geralmente se concentram na proteção de espécies terrestres sob o pressuposto de que as espécies de água doce serão automaticamente protegidas. No entanto, mostramos que as iniciativas de conservação baseadas em espécies terrestres protegem apenas 20% das espécies de água doce que teriam sido protegidas por meio da conservação voltada a elas. Para enfrentar a crise da biodiversidade de água doce, essas espécies precisam ser explicitamente incorporadas ao planejamento da conservação”, explica.
Os pesquisadores testaram três cenários envolvendo microbacias hidrográficas. Primeiro coletaram dados de áreas terrestres, como é feito no mundo inteiro, e cruzaram com dados aquáticos. Testaram também o mapeamento aquático isoladamente e ainda o método tradicional terrestre somado à conectividade entre os rios. De todos eles, os melhores resultados de preservação decorrem do planejamento integrado e, quando não for possível, adota a conectividade entre os rios. “Na comunidade científica não existia banco de dados tão robusto a ponto de identificar o quanto é efetivamente baixo preservar o ambiente aquático, focando apenas no terrestre. Até no caso de não haver dados aquáticos em uma determinada área, é melhor considerar também o fluxo d’água, porque se tiver um impacto na cabeceira do rio ainda será sentido lá embaixo dele”, destacou.
O co-autor principal Gareth Lennox, da Lancaster University, descreveu as descobertas: “Por meio do planejamento integrado que incorpora informações sobre as espécies de água doce e terrestre, descobrimos que a proteção da água doce pode ser aumentada em até 600% sem redução na proteção das espécies terrestres. Essa é uma situação rara em que todos ganham na conservação, ou seja, a proteção de um grupo de espécies não requer perdas de proteção para outros ou aumento significativo de financiamento”.
Mais preservação
Espécies terrestres geralmente são mais conhecidas pela ciência. Informações sobre a distribuição das espécies de água doce são escassas, especialmente em países com grande biodiversidade como o Brasil. Isso representa um problema para a conservação: como proteger as espécies se não sabemos onde elas estão?
Por isso, os pesquisadores desenvolveram um novo método para proteger as espécies de água doce. “As espécies de água doce dependem crucialmente da conectividade dos sistemas fluviais. Ao planejar redes de reservas de conservação que levam essa conectividade em consideração, descobrimos que a proteção da água doce poderia ser duplicada mesmo na ausência de dados de distribuição de espécies aquáticas. Isso mostra que existem poucos obstáculos para melhorar amplamente a conservação da biodiversidade de água doce. Esses ganhos podem ser alcançados sem reduções na proteção das espécies terrestres, sem aumentos significativos no financiamento da conservação e em regiões do mundo onde a biodiversidade é pouco conhecida”, explica o professor Silvio Ferraz da Esalq.
O professor Jos Barlow, da Lancaster University, resumiu as implicações do estudo: “A urgência da crise da biodiversidade que a humanidade enfrenta significa que não podemos mais ignorar espécies criticamente importantes e ameaçadas de extinção, como aquelas que habitam os ecossistemas de água doce. Nossas descobertas mostram que a conservação que pensa nos ecossistemas de forma integrada pode fornecer resultados substancialmente melhores em comparação com esforços com foco mais restrito”.
Áreas de conservação
O professor Paulo Pompeu, do Departamento de Ecologia e Conservação da UFLA, avalia que o novo método abre caminhos mais efetivos de conservação dos ecossistemas terrrestres e, sobretudo aquáticos, na criação de políticas públicas de preservação ambiental. “Pode ajudar no planejamento de empreendimentos como hidreléticas, minas, além de áreas de conservação e parques, por exemplo”, disse.
O novo método poderá ser aplicável em qualquer ecossistema do mundo.
Fonte: Ciência e Clima/UFLA
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