André Julião | Agência FAPESP – Estudo publicado na revista Science sugere que priorizar ambientes aquáticos ao planejar ações de conservação ambiental na Amazônia pode ser até seis vezes mais eficiente do que centrar esforços na proteção das espécies terrestres, como é mais comum.
A conclusão é baseada em simulações feitas com dados georreferenciados coletados em campo – como diversidade de espécies e informações climáticas e de relevo, por exemplo –, que permitiram estimar as áreas mais importantes para a conservação de cada grupo de espécies.
Desse modo, o grupo observou que, no cenário em que o planejamento é focado na conservação de espécies terrestres, alcança-se para as espécies aquáticas apenas 22% da proteção que as terrestres recebem. Quando o planejamento das áreas é focado na fauna que vive nos rios, lagos e riachos, porém, os benefícios chegam a 84% em média para as terrestres a um mesmo custo financeiro.
O trabalho, apoiado pela FAPESP, foi liderado por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e da Lancaster University, no Reino Unido.
“O conhecimento sobre as espécies terrestres é maior e por isso a escolha de áreas prioritárias para conservação acaba se guiando por elas. Supõe-se que a biodiversidade aquática vai se beneficiar da mesma forma. Nosso objetivo era saber se isso poderia ser comprovado, uma vez que são ambientes bem diferentes. Constatamos que não. Se guiar apenas pela biodiversidade terrestre não garante que a aquática seja protegida”, explica Cecília Gontijo Leal, primeira autora do estudo, realizado durante estágio de pós-doutorado na Esalq-USP com bolsa da FAPESP.
Além da terra e da água
Para fazer as simulações, o grupo analisou dados de 1.500 espécies terrestres (plantas, aves e besouros) e aquáticas (peixes, libélulas e insetos aquáticos), coletadas em 377 localidades e 99 igarapés de Paragominas e Santarém, no Estado do Pará, municípios com mais de 40% de suas florestas convertidas para atividades agropecuárias.
A análise partiu do pressuposto de que os ambientes aquáticos não são isolados, mas conectados entre si, uma vez que a água permeia todo o ecossistema terrestre e transporta nutrientes, espécies e atua em grande parte dos processos ecológicos.
“Normalmente, os rios são usados como limites das unidades de conservação, e as bacias hidrográficas não são bem representadas. Por isso, não estão totalmente protegidos. O caso do Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso, é clássico nesse sentido. As cabeceiras estão fora da área do parque e todos os efeitos do desmatamento, mesmo que distante, chegam às populações indígenas e à biodiversidade que vive dentro do território protegido”, explica Leal.
Os pesquisadores observaram que, quando o planejamento inclui dados da biodiversidade aquática e terrestre, os benefícios podem ser seis vezes maiores do que da forma como é feito atualmente. Mas, quando não houver dados, apenas incluir o fator conectividade aumenta em pelo menos duas vezes a eficiência da conservação. O grupo constatou que, em Paragominas, a mudança de abordagem apenas incluindo a conectividade levaria a um aumento de 75% a 100% dos benefícios para as espécies aquáticas e de 130% a 175% em Santarém, praticamente sem perdas para as espécies terrestres e utilizando a mesma quantidade de recursos.
“O planejamento da conservação é normalmente delimitado por uma área, ou polígono, em que os esforços serão focados. Geralmente isso é baseado no conhecimento da biodiversidade terrestre. Estamos mostrando agora, com uma grande quantidade de dados, o que deveria ser óbvio, considerando a importância da água na região”, explica Silvio Ferraz, professor da Esalq-USP, supervisor do pós-doutorado de Leal e outro coautor do estudo.
“Na Amazônia, especialmente, tudo funciona em torno da água. Nutrientes, matéria orgânica, espécies aquáticas, tudo se movimenta pela superfície. O que não imaginávamos é que, se focássemos a conservação na fauna aquática e na manutenção dessa movimentação, haveria um ganho tão maior do que quando focamos apenas na biodiversidade terrestre”, diz o pesquisador.
Além de ser mais efetiva para a biodiversidade, a abordagem integrada tem a vantagem de custar o mesmo. “O mais importante é o planejamento integrado. Isso não aumenta o custo e não significa uma perda significativa para a biodiversidade terrestre. Pelo contrário. E mesmo que não haja tantos dados da biodiversidade aquática como tivemos, basta incluir o fator conectividade aquática que a delimitação da área a ser conservada será muito mais inteligente, dobrando a proteção de espécies aquáticas”, diz Leal, que junto com Ferraz faz parte da Rede Amazônia Sustentável, iniciativa que reúne pesquisadores de mais de 30 instituições do Brasil e do exterior com o objetivo de produzir e aplicar evidências científicas para fortalecer a sustentabilidade na região.
O grupo pretende agora aplicar a abordagem em toda a Amazônia, compilando os dados disponíveis. A ampliação da área de estudo reforçaria os resultados e poderia servir de guia para a priorização na proteção de áreas ou mesmo para a criação de novas unidades de conservação. Além disso, o método poderia ser testado em outras áreas importantes para a conservação fora da Amazônia.
Os ecossistemas de água doce ocupam menos de 1% da superfície da Terra e compõem apenas 0,01% de toda a água do planeta. Mesmo assim, abrigam cerca de 10% de todas as espécies conhecidas, incluindo um terço dos vertebrados.
Desde 1970, 83% das populações desses ambientes sofreram declínio, enquanto no ambiente terrestre essa perda foi de cerca de 40%. As regiões tropicais, que incluem a Amazônia, abrigam mais de 80% das espécies de peixe de água doce do mundo.
O artigo Integrated terrestrial-freshwater planning doubles conservation of tropical aquatic species pode ser lido em: https://science.sciencemag.org/content/370/6512/117.
Fonte: Agência Fapesp
Comentários