A quantidade de nutrientes que correntes de vento transportam do deserto do Saara até a Amazônia é menor do que o suporto anteriormente. Há risco de perda de fertilidade na região amazônica em longo prazo, alertou estudo publicado no Jornal ‘Global Biogeochemical Cycles‘.
Uma característica dos solos da Bacia Amazônica é a deficiência de fósforo, elemento fundamental para a fertilidade porque constitui um importante nutriente para a vegetação. A região, abrigando a maior floresta tropical do mundo, se caracteriza pela carência de nutrientes.
Segundo o estudo, pesquisas anteriores sugeriram que grandes quantidades de poeira originada do deserto do Saara, na África, eram transportadas anualmente por correntes atmosféricas. A poeira atravessaria o Oceano Atlântico, indo se depositar na Amazônia. Por conter fósforo e outros elementos, a poeira do deserto representaria uma fonte importante de nutrientes para a floresta.
Elo entre nutrientes e CO2
Além da influência de eventos climáticos, a floresta perde nutrientes em função do desmatamento e de incêndios florestais. Desde 2012, cresceu a área desmatada anualmente – em anos recentes, a uma taxa extremamente elevada. Associada à intervenção humana, mudanças climáticas também se manifestam em condições mais secas e favoráveis ao fogo.
Se a perda de fósforo pelos solos da Amazônia aumentar, poderá diminuir a capacidade de manutenção da floresta em seu estado atual. A floresta cumpre um papel essencial no sistema climático terrestre. Constitui um sumidouro de carbono, removendo grandes quantidades de dióxido de carbono – CO2 – da atmosfera e armazenando na vegetação.
Dessa forma, a Amazônia diminui a velocidade com que aumentam as concentrações atmosféricas de CO2. Portanto, diminui a taxa em que se intensifica o efeito estufa e ocorre o aquecimento global. Sem a contribuição da floresta, as emissões humanas elevariam mais rapidamente o CO2 atmosférica, levando a um aquecimento mais veloz, com impactos mais significativos.
Dentro desse contexto, verifica-se a importância de melhor compreender o fluxo de nutrientes entre o Saara e a Amazônia. As estimativas anteriores da quantidade de poeira transportada entre o deserto e a floresta, no entanto, apresentavam incertezas em função da ausência de monitoramento em campo de aerossóis.
Unindo medições, modelos e satélites
Para produzir um levantamento mais preciso do fluxo de fósforo, os cientistas levantaram dados de remoto por satélites com medições de poeira mineral e partículas realizado na costa da Guiana Francesa. Os dados compreenderam o período entre 2002 e 2017.
Os dados subsidiaram a simulação do transporte atmosférico da poeira a partir de um modelo computacional. Com isso, foi possível estimar temporal e espacialmente a taxa de deposição na Amazônia de material proveniente do Saara.
Os resultados indicaram que quantidades significativas de poeira são depositadas na Bacia Amazônica todos os anos. O estudo estimou um volume entre 8 e 10 milhões de toneladas. Esse valor, contudo, mostrou-se substancialmente inferior às estimativas anteriores. É possível que as pesquisas anteriores tenham superestimado o fluxo de nutrientes do deserto para a Amazônia.
O fósforo transportado pela atmosfera se distribuiria de modo irregular ao longo da região. Os modelos apontaram para maior deposição de poeira no norte e leste da Amazônia, enquanto as áreas central e sudoeste receberiam menos material.
O modelo também detectou a relação entre a quantidade de poeira transportada e o regime de chuvas no Norte da África. Interferência do aquecimento no regime de chuvas prejudicaria o transporte de poeira para a América do Sul.
Os resultados soam como um alerta sobre a situação de longo prazo da fertilidade do solo na Amazônia, ressaltou o estudo.
Fonte: Shultz, D. (2020), Trans-Atlantic dusts may not enrich Amazon as much as thought, Eos, 101. Published on 16 September 2020.
Mais informações: Prospero, Joseph M., et al. “Characterizing and quantifying African dust transport and deposition to South America: Implications for the phosphorus budget in the Amazon Basin.” Global Biogeochemical Cycles: e2020GB006536.
Fonte: Ciência e Clima
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