“Quando enfrentaremos verdadeiramente a necessidade de ir além da lavoura ou da pecuária irresponsável? Como usar esta potência, com ações ainda mais nobres do que a produção de soja, milho, gado ou café?”
Augusto César Barreto Rocha
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Existe negacionismo quando uma realidade incontestável é refutada como mentira, para fugir de uma verdade inconveniente. Tenho dúvidas se há negacionismos úteis e até deve haver algum. Aqui na Amazônia, convivemos, faz tempo, com um. Lembrei-me dele quando a varanda de onde moro foi tomada por fuligem, aparentemente derivada de queimadas. Além dela, havia fumaça no ar e no horizonte, com o Sol amazônico nascendo encoberto por uma espessa camada, talvez influência da friagem que não veio.
Muitos de nós têm negado as queimadas. Esta postura reativa é pouco produtiva para solucionar nossos problemas. Afinal, reconhecer a realidade é o primeiro passo para enfrentar e solucionar problemas. Negar a realidade é ótimo para a divisão e para o afastamento das soluções ou, sob outro olhar, para a manutenção do problema, derivado do interesse de quem o provoca. Se uma pessoa tem uma doença, precisará reconhecer e buscar o tratamento. Vale para o indivíduo e para as sociedades.
Ainda me causa muita estranheza o não reconhecimento de que as queimadas existem e precisamos sair desta situação patética. Analisar a causa de cada uma delas, quem ganha com elas, quem e como se perde. É necessário o enfrentamento deste problema, pois, sem sanar nossas mazelas, não poderemos jamais enfrentar o problema maior, que é a fome, a desesperança e a falta de atividades econômicas responsáveis e expressivas na Amazônia. Ou será que estamos bem, desenvolvidos e equilibrados? Certamente aparecerá um negacionista de plantão para falar que a fome e a pobreza da região é uma falácia.
Quando líderes europeus, muito preocupados com a sua produção de alimentos e pouco preocupados com a nossa casa pegando fogo, falam da Amazônia em chamas, ao invés de negarmos poderíamos enfrentar o problema internamente, por mais que as ações diplomáticas apropriadas fossem tomadas ao sabor da estratégia de cada momento, com uma cuidadosa análise política. Quando enfrentaremos verdadeiramente a necessidade de ir além da lavoura ou da pecuária irresponsável? Como usar esta potência, com ações ainda mais nobres do que a produção de soja, milho, gado ou café?
Ao invés de declarar a nossa patetice e irresponsabilidade com o meio ambiente, deveríamos estar apontando caminhos e necessidades para melhorar a realidade. Deveríamos ser os líderes ambientalistas do mundo. É bem provável que os maiores responsáveis pelas destruições estejam estimulando a dissimulação de sua verdade inconveniente. Ou será que não? Ou será que provocam as queimadas e depois falam mal ou as negam? Não sei qual a alternativa apropriada. Somente o Thiago de Mello para acalmar a mente: “(…) Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. // Que o homem confiará no homem, // como a palmeira confia no vento; // como o vento confia no ar; // como o ar confia no campo azul do céu. (…)”
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