Farid Mendonça Júnior
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“Percebe-se que o perigoso precedente legal mencionado já começou a dar as caras e a legislação criativa geralmente não encontra limites, o que poderá materializar no futuro o que hoje se apresenta apenas como um potencial perigo à ZFM.”
As Zonas de Processamento de Exportação acendem uma luz amarela para economia do Amazonas .Entenda o que são as ZPEs e os riscos de danos irreparáveis para a Zona Franca de Manaus. As Zonas de Processamento de Exportação – ZPE, Export Processing Zones (EPZ) ou ainda Zonas Econômicas Especiais (ZEE) são áreas de livre comércio com o exterior, destinadas à instalação de empresas voltadas para a produção de bens a serem comercializados no exterior, sendo consideradas zonas primárias para efeito de controle aduaneiro. As empresas que se instalam em ZPE têm acesso a tratamentos tributário, cambiais e administrativos específicos. (MINISTÉRIO DA ECONOMIA, 2020).
História de acertos e fracassos
Conforme entendimento da Organização Internacional do Trabalho – OIT, na definição de McCallum (2011) verifica-se que as EPZs assumem uma variedade de nomes e formas em diferentes países (incluindo zonas de livre comércio, zonas econômicas especiais (SEZs), zonas de desenvolvimento industrial (IDZs), armazéns alfandegados, portos e maquiladoras. (McCallum, Foreword, pág. iii). Este tipo de área de livre comércio foi muito importante na transformação de algumas economias asiáticas como China, Coreia do Sul e Taiwan, mas também por alguns fracassos, principalmente na África (MORAES, 2015).
No caso específico da China, este sistema foi responsável nas décadas de 1970 e 1980 por atrair uma grande quantidade de capital internacional que, juntamente com a mão de obra abundante e barata, foi responsável pela onda de desenvolvimento com foco em processos de montagem, tais como têxteis, vestuários e bens elétricos e eletrônicos (FIAS, 2008), com ganhos de escala na produção, tendo popularizado globalmente os produtos chineses que ficaram conhecidos por, num primeiro momento, não serem de qualidade.
O desafio da qualidade e da competitividade
Já na década de 1990, com a acumulação de capital com o sucesso deste modelo, a China impõe medidas que visavam adquirir o Know How produtivo estrangeiro e a melhorar paulatinamente o processo produtivo, fazendo com que os produtos chineses ganhassem qualidade e competitividade no mercado internacional.
O Brasil, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, adotou o modelo de industrialização por substituição de importações, o qual se pautava pela produção de bens de consumo tradicionais que exigiam tecnologia simples e pouco capital, avançando posteriormente para a produção de bens de consumo duráveis e bens de capital (PEREIRA, 2011). Sendo assim, ao contrário do modelo de zona de processamento de exportação (para fora), o Brasil concentrou-se no mercado interno (para dentro).
Em compasso de ameaça
Ocorre que este modelo já vinha dando sinais de problemas desde a década de 1980, com as baixas taxas de crescimento registradas e até mesmo períodos de recessão. Deste modo, e com vias de diversificar o modelo de desenvolvimento, o regime aduaneiro das ZPE no Brasil foi instituído pelo Decreto-Lei nº 2.452, de 29 de julho de 1988, o qual autorizou o Poder Executivo a criar ZPE por meio de edição de decreto presidencial, com o objetivo de traçar a orientação da política das ZPE, estabelecer requisitos, analisar propostas, dentre outras atividades.
Expectativas e promessa
Com a implantação de ZPE`s, espera-se: 1. impacto positivo sobre o balanço de pagamentos decorrente da exportação de bens e da atração de investimentos estrangeiros diretos 2. difusão tecnológica 3. geração de empregos e 4. desenvolvimento econômico e social.
Em 2007, o referido Decreto-Lei foi revogado pela Lei nº 11.508/2007 e esta nova legislação, dentre outros aspectos, define que a pessoa jurídica instalada na ZPE deve assumir o compromisso de auferir e manter, por ano-calendário, receita bruta decorrente de exportação para o exterior de, no mínimo, 80% (oitenta por cento) de sua receita bruta total de venda de bens e serviços.
Isto significa dizer que a pessoa jurídica poderá auferir e manter, por ano-calendário, o máximo de 20% (vinte por cento) de sua receita bruta total de venda de bens e serviços para o mercado interno (nacional e local), devendo arcar com todos os impostos e contribuições normalmente incidentes na operação.
Muito anúncio e pouca prática
O Brasil chegou a possuir 26 (vinte e seis) ZPE autorizadas. Em 2018, foram revogadas 5 ZPE e, em 2019, foi revogada 1 ZPE, restando 20 ZPE`S. Apesar de o website do Ministério da Economia (http://www.mdic.gov.br/index.php/zpe/regime-brasileiro-de-zpe) informar que atualmente encontram-se em fase de implantação 16 ZPE’s, em setembro de 2019, em reunião com a gestora de ZPE`s do Ministério da Economia, fui informado que na verdade somente 04 (quatro) ZPE’s encontram-se em implantação (Parnaíba-PI, Cáceres-MT, Bataguassu-MS e Açu-RJ) e apenas 1 (uma) encontra-se em operação, a ZPE de Pecém, no Estado do Ceará, no regime de “Projeto Porto Indústria”, enquanto que a ZPE de Açu, no Estado do Rio de Janeiro, encontra-se em fase de licitação.
Vantagens tributárias
As principais vantagens tributárias decorrentes do regime jurídico das ZPE`s são o direito de suspensão da exigência dos tributos incidentes na importação, ou aquisição no mercado interno, de máquinas, aparelhos, instrumentos, equipamentos, matérias-primas, produtos intermediários, materiais de embalagem e serviços. Estes tributos são: Imposto de Importação – II; Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI; Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins; Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida pelo Importador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior – Cofins-Importação; Contribuição para o PIS/Pasep; Contribuição para o PIS/Pasep-Importação; Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM.
Concorrência desigual com a ZFM
É bom lembrar também que alguns Estados também oferecem isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços nos termos previstos no Convênio ICMS nº 99/1998.
Logo, este modelo de área de livre comércio tem todos os requisitos para se transformar num sério concorrente da Zona Franca de Manaus – ZFM, haja vista que este modelo possui tantos benefícios fiscais quanto à ZFM.
Em tempos de pandemia, a Presidência da República editou a Medida Provisória – MP de n° 973 de 27 de maio de 2020, a qual dispensa as pessoas jurídicas autorizadas a operar em Zona de Processamento de Exportação de auferir e manter, no ano-calendário 2020, o percentual de receita bruta decorrente de exportação para o exterior de que trata o caput do art. 18 da Lei nº 11.508, ou seja, a regra 80/20 (mínimo de 80% da comercialização da produção para o mercado externo e a faculdade de comercializar 20% no mercado interno).
Permissão temerária
A justificativa do Ministro da Economia, Paulo Guedes, que embasa a MP (SENADO, 2020), fala em “permissão excepcional” e que esta dispensa do compromisso de exportação é proposta como alternativa para mitigar prejuízos que possam decorrer da queda das exportações provocada pela pandemia do coronavírus Covid-19. Além disso, faz referência específica à planta criogênica de destilação de gases atmosféricos que está operando na Zona de Processamento de Exportação do Pecém, no município de São Gonçalo do Amarante (CE), a única Zona de Processamento de Exportação – ZPE em funcionamento no Brasil, conhecida como ZPE de Pecém.
Perfil diferenciado
A ZPE de Pecém, no Estado do Ceará, criada através da Lei Estadual nº 14.794, de 22 de setembro de 2010, iniciou suas operações no dia 30 de agosto de 2013, autorizada pela Receita Federal do Brasil, com o objetivo de implantar, administrar e desenvolver a Zona de Processamento de Exportação, sendo a primeira a entrar em operação no país.
Atualmente, possui 4 (quatro) empresas operando, a Companhia Siderúrgica do Pecém, a Vale Pecém, a White Martins e a Phoenix do Brasil.
Na fase 2 (em vias de implantação), a ZPE está sendo preparada para ser multisetorial, nos seguintes segmentos: têxtil, alimento, calçados e metal-mecânico.
Razões da desconfiança
Percebe-se que as atividades industriais desenvolvidas até o momento pela ZPE de Pecém não são exatamente as mesmas desenvolvidas pela Zona Franca de Manaus (eletroeletrônico, duas rodas, informática, naval, mecânico, metalúrgico, termoplástico, entre outros). Sendo assim, não há concorrência entre as duas zonas de livre comércio.
Desta forma, a excepcionalidade trazida pela medida Provisória n° 973 de permitir o total descumprimento da regra 80/20 no ano de 2020 não tem qualquer efeito sobre o modelo da Zona Franca de Manaus.
Entretanto, tal medida, mesmo que excepcional e em decorrência da pandemia do Covid-19, conforme justificativa da mencionada MP, pode ser caracterizada como um perigoso precedente que pode ser utilizado novamente no futuro com outras justificativas (outras graves crises econômicas, por exemplo) e abarcar outras ZPE’s que até lá poderão entrar em operação e competir diretamente com os produtos fabricados no Zona Franca de Manaus.
Brechas e lacunas de risco
Vale ressaltar que até o momento (31 de maio de 2020) foi apresentada uma emenda de autoria do Deputado Julio Cesar Ribeiro (REPUBLICANOS/DF) para que no ano de 2021 a atual regra 80/20 seja 60/40 ou 50/50 para atividades de desenvolvimento de software ou de prestação de serviços de Tecnologia da Informação.
Percebe-se, desta forma, que o perigoso precedente mencionado já começou a dar as caras e a legislação criativa geralmente não encontra limites, o que poderá materializar no futuro o que hoje se apresenta apenas como um potencial perigo à ZFM.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ZPE DO PECÉM, CEARÁ. https://www.zpeceara.ce.gov.br/institucional/#. Acessado em 14 de setembro de 2019.
BRASIL. Lei n° 11.508, de 20 de julho de 2007. Dispõe sobre o regime tributário, cambial e administrativo das Zonas de Processamento de Exportação, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11508.htm. Acessado em 14 de setembro de 2019.
MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Regime brasileiro de ZPE. 2020. Disponível em: http://www.mdic.gov.br/index.php/zpe/regime-brasileiro-de-zpe. Acesso em: 31 maio 2020.
MORAES, Bruno de Paula. Zonas de Processamento de Exportações: um instrumento defasado? 2015. 27 f., il. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Relações Internacionais)—Universidade de Brasília, Brasília, 2015.
McCallum, Jamie K. “Export processing zones : comparative data from China, Honduras, Nicaragua, and South Africa”; International Labour Office, Industrial and Employment Relations Department. – Geneva: ILO, 2011. (Working paper ; No. 21)
PEREIRA, José Maria Dias. Uma breve história do desenvolvimentismo no Brasil. Cadernos do Desenvolvimento. Rio de Janeiro, v. 6, n. 9, p. 121 141, jul./dez. 2011.
SENADO FEDERAL. Medida Provisória n° 973 de 27 de maio de 2020. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8115737&ts=1590761359658&disposition=inline. Acesso em: 31 maio 2020.
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