Por Augusto César Barreto Rocha
Ser liberal é ótimo. Em especial quando se tem a liderança da inovação tecnológica. Para quem lidera as novas tecnologias, o liberalismo é perfeito. Por exemplo, para a Inglaterra, no momento da Revolução Industrial foi tudo de bom, pois a liberalização dos mercados permitiu a entrada nos mercados estrangeiros com mais facilidade. E, para nossa realidade amazonense, até que ponto é bom o liberalismo? Seria bom, por exemplo, a interação com a China em um mercado comum e mais aberto? Em um primeiro momento pode parecer bom, pois teríamos mais acesso a mercados globais. Todavia, até que ponto?
Quando somos competitivos em algo, toda a liberalização e liberdade é bem-vinda. Contudo, quando não somos, toda liberalização é arriscada e perigosa. Liberdade sem competitividade é algo incompatível. Um celular de última geração da Apple, no mercado dos EUA, custa aproximadamente US$ 1,100.00 e US$ 2,200.00 no Brasil. Ele pesa cerca de 0,2kg. Para chegar-se a esta receita, por exemplo, em soja são necessárias 6,57ton de soja, pois cada tonelada de soja custava cerca de US$ 334.00 quando este texto foi escrito.
Considerar o liberalismo para exportar soja para a China é ótimo para a China, pois eles precisarão de alimentos, com ou sem liberdade. Da mesma forma, nós, com ou sem liberdade precisaremos de telefones. Todavia, produzi-los no Brasil não ocupa tanto espaço quanto a produção de soja, que precisa de muito território e de um clima apropriado. Os fãs do liberalismo falarão: ora, mas temos que seguir a nossa vocação. Pergunto-me: vocação para quê? Para colônia? O que difere isso da forma de ida de pau-brasil versus vinda de tecido? Ouro por espelhos?
Na lógica da inovação tecnológica e das novas revoluções digitais, onde o controle do humano se transforma cada vez mais em algo automático, com inteligência artificial, robôs, reconhecimentos faciais e tudo o mais que já vislumbramos no horizonte, fica cada vez mais assustador o futuro onde dependeremos de milhares de hectares de terra para obter um retângulo de vidro, metal, plástico e silício para realizar a nossa vida.
O que isso difere dos espelhos ou tecidos do passado? Em nada ou talvez em tudo: antes os produtos caros eram destinados para uma elite. Hoje, os produtos de base tecnológica são destinados às massas e aos manipuladores das massas, onde grandes companhias como Apple, Faceboook ou Google nos monitoram 24h por dia, 7 dias por semana, compreendendo o que fazemos, como fazemos, quando fazemos e tudo o mais que sequer imaginamos. A forma como fotos são percebidas pelas soluções computacionais contemporâneas são meros indicadores assustadores sobre o que o futuro nos reserva.
E o que isso interessa para nós? Tudo. Afinal, estamos discutindo sobre a possibilidade de abrir mão de ao menos produzir no Brasil, para ir mais para trás nas cadeias industriais, desenvolvendo nossa capacidade agrícola e abrindo mão para a China para que ela detenha a capacidade industrial, ainda mais do que já detém.
Qual a vantagem para o Brasil? Não consigo perceber. Em especial no longo prazo, porque não temos cadeias produtivas de nada no Amazonas que tenha relevância em nosso PIB. O Polo Industrial de Manaus, está sendo, pouco a pouco, desmontado numa caminhada onde se diz uma coisa e se faz outra. Temos interesse na indústria, mas na sequência vem uma série de cortes de impostos de importação sem contrapartidas. Onde isso vai parar? Temos interesse em infraestrutura, mas a rodovia não vai para o orçamento. Isso vai mesmo parar?
O problema não é de fake news. O problema é a incapacidade de discutir ou dialogar. Estamos em meio a discussões onde vale a força bruta, onde é um processo emburrecido de jogo de futebol, onde uma torcida luta contra a outra, onde não há espaço para diálogos. Este processo precisa mudar, antes que não haja mais indústria para adicionar algum valor melhor na relação entre as toneladas de ouro versus a meia dúzia de espelhos com silício. Será que somos mesmo os mais espertos?
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