Em um relatório alarmante divulgado nesta quarta-feira (30), a organização WWF-Brasil destacou a contaminação por mercúrio em sete rios e três afluentes localizados na Terra Yanomami. A contaminação, que afeta peixes e representa um grave risco ambiental e de saúde, é atribuída principalmente à atividade de garimpo ilegal na região, onde o mercúrio é amplamente utilizado para a extração de ouro.
Os rios afetados são Parima, Uraricaá, Amajari, Apiaú, Uraricoera, Mucajaí e Couto de Magalhães, enquanto os afluentes contaminados incluem os rios Auaris, Trairão e Ereu, todos integrantes da bacia do Uraricoera. Este sistema fluvial é um dos mais utilizados pelos garimpeiros para acessar a Terra Yanomami. Entre os rios, o Mucajaí é especialmente afetado devido à proximidade com áreas de intensa atividade de garimpo ilegal.
A WWF-Brasil utilizou um modelo de projeção da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (U.S. Environmental Protection Agency – USEPA) para calcular a provável distribuição e bioacumulação do mercúrio nos ecossistemas aquáticos da Amazônia. O estudo observa que o mercúrio, após ser utilizado para separar o ouro de outros sedimentos, se acumula no meio ambiente. A substância, ao ser despejada nos rios, passa por um processo de evaporação e circulação atmosférica, o que aumenta o nível de poluição ambiental. Esse mercúrio, uma vez integrado à cadeia alimentar, torna-se uma ameaça à saúde, afetando especialmente as populações tradicionais que dependem desses rios.
A análise das concentrações de mercúrio foi realizada com base nos dados do Observatório do Mercúrio, uma plataforma desenvolvida pelo WWF-Brasil em colaboração com outras instituições para monitorar a presença do metal nos rios amazônicos.
“Um dos grandes desafios de se estudar a Amazônia é a falta de dados amostrais. Este estudo de modelagem permite superar essa limitação e contribui para o entendimento da dinâmica do mercúrio em um bioma tão complexo e sensível, utilizando-se de fontes alternativas de informação”, comentou Vitor Domingues, analista ambiental e um dos pesquisadores do estudo.
A situação ilustra a necessidade urgente de medidas para proteger os ecossistemas amazônicos e a saúde das populações indígenas da Terra Yanomami, que enfrentam as consequências diretas da contaminação.
Atividade ilegal e impactos na biodiversidade
A Terra Yanomami, o maior território indígena do Brasil, sofre com a invasão do garimpo ilegal que se intensificou nos últimos anos. Essa atividade prejudica o ecossistema ao promover o uso de mercúrio no processo de amalgamação, usado para separar o ouro dos sedimentos. Após o uso, o mercúrio é evaporado, infiltrando-se na atmosfera e se acumulando em árvores e solo. Quando o solo é erodido, principalmente devido ao desmatamento, o metal é levado aos rios, onde se transforma em metilmercúrio, uma forma tóxica que se acumula na cadeia alimentar e é particularmente perigosa para as populações locais.
Evidências da contaminação
Análises recentes do Observatório do Mercúrio, plataforma da WWF-Brasil, em colaboração com outras entidades, confirmam a presença de mercúrio em rios como Parima, Uraricaá, Amajari e afluentes como Auaris, Trairão e Ereu. Essas amostras indicam uma alta bioacumulação, afetando peixes consumidos pelas comunidades Yanomami e elevando o risco de doenças ligadas à exposição ao mercúrio, como problemas neurológicos.
Medidas recomendadas pelo estudo
O estudo sugere políticas públicas urgentes e adequadas às realidades locais. Entre as recomendações estão:
- Monitoramento adaptado: Implementação de um sistema de monitoramento contínuo que considere a vulnerabilidade das sub-regiões e colabore com comunidades locais.
- Legislação aprimorada: Revisão dos limites de contaminação para levar em conta o alto consumo de peixes na região, com parâmetros baseados em análises de risco.
- Conselho alimentar: Criação de um conselho que informe as comunidades sobre os níveis seguros de consumo de diferentes espécies de peixe.
- Sistema de dados padronizado: Atualização e integração de dados com ferramentas como o Observatório do Mercúrio, para apoiar decisões de governo.
Desde janeiro de 2023, o governo federal implementa medidas de emergência para frear a crise no território Yanomami, com o envio de cestas básicas, equipes de saúde e forças de segurança. Embora o número de garimpeiros ilegais tenha caído 65%, cerca de sete mil ainda atuam na região, segundo estimativas de março de 2024 do Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Dados da Fiocruz e do Instituto Socioambiental (ISA) também indicaram que 94% dos indígenas em nove comunidades próximas ao rio Mucajaí apresentam altos níveis de contaminação por mercúrio.
*Com informações G1