Deixando alguns estereótipos de lado, grupos evangélicos tem apresentado algumas mudanças nas percepções sobre a pauta climática e ambiental no Brasil, entenda como mudanças do esperado negacionismo climático evangélico podem influenciar a formatação de políticas públicas e ações oriundas da sociedade civil.
Embora seja comum pessoas aderirem ao discurso que nega a realidade das mudanças climáticas, hoje em dia, mais de 100 anos depois que esse tema passou a ser discutido pela ciência, e pelo menos mais de 40 onde ele passou a ganhar mais espaço na imprensa, não cabe mais divergências sobre a existência ou não desta crise mundial que respeite o número colossal de rigorosos dados científicos, dos mais variados lugares do mundo.
Dentro da comunidade evangélica brasileira, a aceitação dessa realidade tem sido variada ao longo dos anos, muitas vezes influenciada por crenças teológicas específicas, sejam elas com mais ou com menos aderência ao mundo político. A importância do tema é amplificada pelo tamanho significativo do eleitorado evangélico no Brasil, um grupo cujas as pautas defendidas acabam por ser decisivas na formulação de campanhas de governo ou até de políticas públicas.
Considerando o fato que partidos de extrema-direita frequentemente se apoiam em dois setores proeminentes como os evangélicos e o agronegócio, uma mudança na postura ambiental deste primeiro grupo em questão poderia forçar a extrema-direita a reconsiderar seu negacionismo ambiental. Dado que embora a elite do setor do agro saiba da importância – literalmente vital – que a pauta climática e do meio ambiente significa (também para seus negócios que querem atender o consumidor com maior consciência – isto é: destruir o meio ambiente dói no bolso) parte significativa e barulhenta do setor parece insistir em patrocinar o negacionismo para que possa continuar a surfar no lucro curtoprazista.
Longe de propor o reforço de estigmas e estereótipos de qualquer grupo da sociedade, esta matéria tem a intenção de analisar e propor reflexões sobre o funcionamento destes grupos e como a influencia deles impacta nos caminhos que o Brasil e o mundo trilham, em especial na questão ambiental.
Análise do Observatório Evangélico
No final do último mês, Leonardo Rossatto Queiroz, cientista social pela Unicamp e pesquisador do comportamento dos evangélicos publicou no Congresso em Foco que nos últimos cinco anos, o Observatório Evangélico tem estudado a evolução das atitudes nas igrejas evangélicas em relação às mudanças climáticas. Durante esse período, foram identificadas várias formas de negacionismo climático. Uma a se destacar foi o que ele chamou de “negacionismo pré-apocalíptico”, que minimiza a importância das mudanças climáticas sob a premissa de que a volta de Jesus Cristo é iminente. Esse discurso, predominante nas igrejas neopentecostais antes da pandemia, sugeria que eventos climáticos extremos eram sinais do apocalipse, não consequências das mudanças climáticas.
Com o tempo, surgiu o “negacionismo pré-apocalíptico conspiratório”, que combina a expectativa apocalíptica com teorias de conspiração global. Por exemplo, a pandemia foi vista como uma estratégia para a implantação de um “governo mundial”, uma prerrogativa apocalíptica para a volta de Cristo. As mudanças climáticas, então, passaram a ser vistas como o novo pretexto para esse governo global, com teorias conspiratórias completamente insanas que envolvem manipulação climática através de tecnologias como o HAARP.
Já identificando um afastamento do negacionismo climático, autor também abordou o “negacionismo do Salmo 91”, que se baseia na crença de que “mil cairão ao meu lado, dez mil à minha direita, mas eu não serei atingido”. Essa visão concilia a ideia de proteção divina com a crença de que o mundo está sob o controle do maligno, levando muitos a acreditarem que, embora as mudanças climáticas existam, não afetarão diretamente os verdadeiros cristãos.
Por fim, talvez com maior dose de aceitação, relatou o argumento dos “desastres como punição divina” que sugere que eventos climáticos extremos são julgamentos divinos contra os não crentes. Esse argumento foi reforçado por vídeos de pastores afirmando que desastres no Rio Grande do Sul, por exemplo, eram punições devido à alta presença de terreiros de macumba no estado.
Assista o vídeo abaixo!
Depois da péssima repercussão, a influenciadora, provavelmente com medos de represálias da lei, se retratou e pediu desculpas dizendo que se “expressou mal” e que respeita todas as religiões.
Mudanças recentes e avanços
Nos últimos anos, o autor discorre, houve uma mudança significativa nas percepções dentro das igrejas evangélicas. Mais fiéis estão reconhecendo a seriedade das mudanças climáticas e a necessidade de ação. Grupos como o Renovar Nosso Mundo e o Nós Na Criação têm promovido práticas sustentáveis e conscientização ambiental nas igrejas. Iniciativas de reciclagem, consumo consciente e preservação ambiental estão ganhando aceitação entre os fiéis. Essas mudanças indicam uma crescente abertura para discutir e enfrentar as questões climáticas, algo que era, segundo o autor, muito mais difícil em 2019 do que é em 2024.
Outras pesquisas
Um estudo recente do Instituto de Estudos da Religião (Iser), publicada na Folha de São Paulo, analisou as percepções sobre mudanças climáticas entre participantes da Marcha para Jesus em 2023. Os dados indicam que, ao contrário do negacionismo da vacina, as posições negacionistas sobre o aquecimento global não prosperam tanto dentro das igrejas evangélicas. A amostra de 673 entrevistas revelou que 91% dos participantes se identificaram como evangélicos, com uma maioria feminina (61%) e negra (62%).
A grande maioria dos entrevistados considera importante que a igreja trate do tema ambiental, com apenas 2% das mulheres e 7% dos homens discordando dessa premissa. No entanto, muitas dessas pessoas demonstraram desconhecimento sobre as categorias “clima” ou “questões climáticas”. Falar em “meio ambiente” ecoa melhor nesse público, que mostra alto engajamento em suas comunidades de fé.
Apesar da aceitação da relevância da agenda ambiental, 6 em cada 10 evangélicos afirmaram que suas igrejas não têm ações voltadas a ela. Entre os que disseram que existem ações ambientais em suas igrejas, várias mencionaram reciclagem, coleta de lixo e construção de hortas, demonstrando que as iniciativas variam bastante e muitas vezes não se alinham com expectativas dos mais especializados.
“Não é simplesmente a questão da amazônia ou temáticas que poderíamos pressupor que apareceriam primeiro”, afirma Jacqueline Moraes Teixeira, uma das antropólogas que assinam o estudo.
Contradições e desafios na comunidade evangélica
Apesar dos avanços, a comunidade evangélica ainda enfrenta desafios significativos. Há uma contradição entre a aceitação crescente da agenda ambiental e as alianças políticas e econômicas que muitas vezes desestimulam ações concretas. Por exemplo, pastores influentes, como Silas Malafaia, reconhecem a responsabilidade humana nas catástrofes ambientais, mas raramente promovem a pauta ambiental ativamente. A aliança com o setor do agronegócio e outras frentes de desregulamentação governamental representa um obstáculo significativo para a adoção de práticas sustentáveis nas igrejas.
A pesquisa do Iser também revelou que 43% dos entrevistados concordam totalmente que “mudanças climáticas são reflexo do pecado do homem na Terra“, enquanto outros 19% concordam parcialmente. Quando perguntados se desastres como secas e enchentes estão relacionados à volta de Jesus conforme a profecia bíblica, 54% aderiram em parte ou integralmente à hipótese.
A antropóloga Jacqueline Moraes Teixeira observa que, se no campo dos costumes os evangélicos encontraram em Bolsonaro um grande aliado, a questão climática não é percebida como uma agenda contaminada politicamente. A cientista política Ana Carolina Evangelista aponta que, embora a bancada evangélica tenha uma maioria bolsonarista, a pauta ambiental nunca foi prioritariamente defendida ou barrada por eles.
O sociólogo Renan William dos Santos conclui que, devido às articulações entre o campo religioso e o campo político no Brasil, direcionar recursos institucionais para alavancar a pauta ambiental não é interessante para as lideranças evangélicas. Elas se veem diante do dilema de contrariar a massa de fiéis ou os interesses de aliados políticos e econômicos.
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