“Márcio Souza permanecerá para sempre em nossas memórias, através de suas contribuições inestimáveis ao Cinema, Teatro, Literatura e História da Amazônia e de sua figura referencial, que guardaremos com carinho e respeito. Sua partida é um adeus doloroso, mas sua presença, através de sua obra, permanecerá viva entre nós.”
Por Alfredo Lopes
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Neste 12 de Agosto nos despedimos de Márcio Souza, um dos maiores escritores e dramaturgos que o Amazonas já teve o privilégio de acolher. Seu falecimento em 12 de agosto deixa um vazio profundo na cultura e na literatura brasileira, mas também nos oferece uma oportunidade para relembrar e celebrar a grandiosidade de sua obra e de sua vida.
No último dia 13 de abril, no Memorial Samuel Benchimol, tivemos a honra de assistir a um depoimento delicioso sobre a Manaus – seu cotidiano, hábitos requintados e extravagantes – de Márcio Souza, um testemunho de refino literário e sentimentalismo que apenas uma mente brilhante como a dele poderia proporcionar.
O evento, organizado pelo Museu da Imigração de São Paulo e Memorial Samuel Benchimol, abordou a jornada dos judeus na Amazônia, um tema que permeou o trabalho de Souza, sempre em busca de conectar sustentabilidade, história e literatura.
Márcio nos contou sobre a Manaus de sua infância, uma cidade viva, com cinemas que abriam janelas para o mundo e livrarias repletas de publicações internacionais de alto nível. Ele nos transportou para um tempo em que a cidade respirava cultura, onde era comum encontrar manauaras que dominavam inglês, francês e italiano, línguas que lhes permitiam acessar o melhor da literatura e das revistas estrangeiras.
Sua narrativa revelava uma Manaus que, apesar de suas dificuldades, sempre esteve enraizada no coração de Márcio. Seu amor por Manaus era inabalável, basta ler suas obras. Mesmo com as dificuldades enfrentadas, desde quando começou a dirigir a Biblioteca Pública do Estado, Souza nunca se descuidou de sua cidade natal. Ele compartilhava o quanto Manaus era essencial para sua inspiração, afirmando que, embora viajasse para lugares como Paris, Lisboa ou Nova York, o prazer era sempre voltar a sua cidade, com sua complexidade e beleza, que alimentava seus romances.
Márcio Souza também nos brindou com suas memórias sobre a tradição judaica de sua família, uma herança que influenciou fortemente seu trabalho. Sua peça “Eretz Amazônia”, inspirada e dedicada ao professor Samuel Benchimol, explora a migração judaica para a Amazônia, uma descrição e homenagem também à história de sua família e à rica tapeçaria cultural da região.
As lembranças que compartilha de Samuel Benchimol, ou “Samuca”, como carinhosamente o chamava, demonstram a profundidade de suas relações pessoais e o respeito que nutria pelos que, como ele, dedicavam suas vidas ao conhecimento da Amazônia. A história do toca-discos, presente de Benchimol, para ele ouvir Mozart, ilustra bem essa conexão, marcada por uma amizade que transcendia o tempo e as diferenças, unida pelo amor à cultura e à música.
Hoje, ao nos despedirmos de Márcio Souza, lembramos não apenas do grande escritor e intelectual que ele foi, mas também do homem generoso no trato e na partilha de saberes, apaixonado por sua terra e pelas histórias que ela conta. Sua obra, suas palavras e seu legado continuarão a ecoar, inspirando gerações futuras a valorizar e proteger a Amazônia, e a buscar sempre a conexão entre o passado e o presente, entre a história e a imaginação.
Márcio Souza viverá para sempre em nossas memórias, através de suas contribuições inestimáveis ao Cinema, Teatro, Literatura e História da Amazônia e de sua figura referencial, que guardaremos com carinho e respeito. Sua partida é um adeus doloroso, mas sua presença, através de sua obra, permanecerá viva entre nós.
Vida e Obra de Márcio Souza
Márcio Souza, um dos maiores expoentes da literatura e dramaturgia amazonense, teve uma trajetória marcada por uma profunda conexão com sua terra natal, Manaus, e por um constante enfrentamento às adversidades políticas e culturais de sua época. Nascido e criado em Manaus, Márcio iniciou sua educação no Grupo Escolar Princesa Isabel e prosseguiu seus estudos no Colégio Dom Bosco, onde cursou o ginasial e científico.
Desde jovem, Márcio demonstrava uma paixão pelo cinema, começando sua carreira como crítico no jornal *O Trabalhista*, onde seu pai era sócio. Em 1965, assumiu a coordenação das edições do governo do estado do Amazonas, mas sua sede por conhecimento o levou a buscar novas experiências. Mudou-se para Brasília e, em seguida, para São Paulo, onde ingressou no curso de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP).
Contudo, sua jornada acadêmica foi interrompida pela ditadura militar, que o perseguiu, levando-o a abandonar os estudos em 1969. Márcio, então, mergulhou no mundo do cinema, atuando como crítico, roteirista e diretor. Sua incursão na dramaturgia foi igualmente marcante, com peças como *As Folias do Látex* e *Tem Piranha no Pirarucu*. Como roteirista, destacou-se com obras como *p*Rapsódia Incoerente*, *Prelúdio Azul** e *Manaus Fantástica*.
No entanto, o ambiente repressivo da ditadura não poupou Márcio, que foi preso em 1966, 1969 e 1972, devido à sua militância política e por exibir a peça francesa *A Idade do Ouro*. Mesmo com a censura imposta à sua peça *Zona Franca, Meu Amor*, ele continuou a criar, sempre buscando refletir e discutir a realidade cultural e política da Amazônia.
Em 1972, Márcio retornou a Manaus, onde passou a integrar o Teatro Experimental do Serviço Social do Comércio (Tesc/Sesc), aprofundando-se em temas relacionados à cultura local.
Em 1976, assumiu o cargo de diretor de planejamento da Fundação Cultural do Amazonas, consolidando sua influência na cena cultural da região. Na década de 1990, Márcio continuou a contribuir significativamente para a cultura brasileira. Em 1990, foi nomeado diretor do Departamento Nacional do Livro, e entre 1995 e 2003, presidiu a Fundação Nacional de Artes (Funarte) durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Sua dedicação à cultura manauara o levou a ocupar a presidência do Conselho Municipal de Política Cultural da cidade.
Além de suas contribuições como gestor cultural, Márcio teve uma carreira acadêmica internacional. Foi professor assistente na Universidade de Berkeley e escritor residente em instituições prestigiadas como Stanford, Austin e Dartmouth. Como palestrante, foi convidado por universidades renomadas, como Sorbonne, Heidelberg, Coimbra, Universidade Livre de Berlim, Harvard e Santiago de Compostela. Em sua terra natal, foi eleito para a Academia Amazonense de Letras, onde ocupou a cadeira nº 25.
Sua carreira artística é marcada por uma vasta produção literária e cinematográfica. Seu primeiro livro, *O Mostrador de Sombras* (1967), é uma obra de crítica cinematográfica. Em 1970, dirigiu o filme *A Selva*, baseado no romance de Ferreira de Castro, com locações em Manaus. No entanto, foi com *Galvez – Imperador do Acre* (1976) que Márcio iniciou sua carreira literária, enfrentando a resistência das autoridades locais por sua ousadia em reinterpretar a história da região.
Ao longo de sua carreira, Márcio escreveu diversas obras que exploram o ambiente sociocultural da Amazônia, como *Mad Maria*, *Plácido de Castro contra o Bolivian Syndicate*, * Zona Franca, Meu Amor* e *Silvino Santos: o Cineasta do Ciclo da Borracha*. Suas obras não apenas refletiam a Amazônia, mas também a projetavam para o Brasil e o mundo, como a adaptação de *Mad Maria* para uma minissérie de televisão, que popularizou sua obra em todo o país.
Márcio Souza, além de cineasta e ensaísta, dedicou-se à teatrologia sobre a antiga Província do Grão-Pará, explorando a complexa relação entre a Amazônia e o Brasil durante o período colonial. Seu romance *Operação Silêncio* é um exemplo de como sua experiência com o cinema e a censura política influenciaram sua literatura, discutindo a relação entre arte, revolução e o papel social do artista durante o regime militar.
Márcio Souza faleceu na madrugada de 12 de agosto de 2024, aos 78 anos, deixando um legado cultural imensurável. Sua vasta obra literária e cinematográfica, sua dedicação à cultura amazônica e sua influência acadêmica e política continuarão a inspirar gerações futuras.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora
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