Desmatamento da Amazônia e exploração agrícola ameaçam sítios arqueológicos, revelando um conflito entre lucro e patrimônio
No coração da Amazônia, fazendeiros estão destruindo antigos sítios arqueológicos para expandir a produção agrícola, e o patrimônio da humanidade está em risco. Em entrevista à Bloomberg, Antonia Barbosa, a única arqueóloga do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Acre, enfrenta a crescente pressão da indústria do agronegócio, que movimenta R$ 2,6 trilhões no Brasil.
Os geoglifos, estruturas geométricas que representam uma civilização antiga que floresceu há mais de 2.000 anos, estão sendo apagados da paisagem. Estima-se que cerca de nove dos sítios mais significativos já foram destruídos nos últimos anos. Essas impressionantes formações, algumas com até 385 metros de largura, contam a história de um povo que se desenvolveu ao longo de um milênio. No entanto, o avanço dos fazendeiros para atender à demanda global por produtos como soja e milho está ameaçando esse legado histórico.
Barbosa expressou sua preocupação observando que no terreno de sua casa, tem um patrimônio tão importante quanto as pirâmides do Egito. O desafio se torna evidente à medida que a produção agrícola no Acre cresce. Em apenas dois anos, a produção de soja triplicou, alcançando estimativas de 60.600 toneladas. Com isso, as terras agrícolas aumentaram para 43.000 acres. O Iphan, impotente diante desse avanço, só pode aplicar multas que são irrisórias para os grandes proprietários de terras.
A lógica econômica é clara: muitos proprietários preferem arar sítios arqueológicos e pagar multas do que preservar a história.
A destruição dos geoglifos não é um evento isolado. Ela está integrada a um padrão mais amplo de desmatamento na Amazônia, que já perdeu uma área maior que o estado de São Paulo desde 2000. A Amazônia, que armazena 20% do carbono do planeta, enfrenta um dilema. Se continuar a ser desmatada, pode se tornar uma fonte líquida de emissões de carbono.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta o desafio de equilibrar o crescimento do agronegócio com a proteção das florestas. A pressão econômica é forte, e a colheita de soja do Brasil, avaliada em R$ 341 bilhões no ano passado, supera em muito o valor de preservação dos geoglifos, estimado em apenas R$ 4 milhões anualmente.
Os geoglifos são essenciais para entender a história da região. Eles são vestígios de uma civilização que alinhou seu calendário agrícola com os solstícios, introduzindo frutíferas e castanhas. Barbosa, entretanto, ressalta que muitos aspectos dessa sociedade permanecem um mistério.
Mesmo com o reconhecimento histórico, os geoglifos enfrentam uma batalha desigual contra a exploração agrícola. Os grandes proprietários de terras, muitas vezes com recursos legais substanciais, se sentem livres para destruir esses sítios sem medo de repercussões significativas. Barbosa, que cresceu em uma fazenda no Acre, tenta dialogar com os fazendeiros, mas o clima de desconfiança persiste. Em algumas ocasiões, até ameaças foram dirigidas a ela e a outros arqueólogos.
A descoberta dos geoglifos só ocorreu na segunda metade do século XX, quando a selva foi desmatada para a criação de gado. Inicialmente, as estruturas foram confundidas com trincheiras de guerra, mas a pesquisa nos anos 70 revelou sua verdadeira natureza. No entanto, o reconhecimento internacional só veio anos depois, à medida que a importância desses sítios se tornava mais evidente.
Estudos indicam que ainda existem cerca de 24.000 obras de terra por descobrir na Amazônia e na Bolívia. Contudo, a maioria dos proprietários não tem interesse em preservar a história. Em 2019, um dos locais mais danificados, a Fazenda Crichá, teve suas cinco estruturas niveladas em poucos dias.
Apesar das dificuldades, há pequenas vitórias. Severino Calazans, um proprietário local, protege seu geoglifo e recebe visitantes. Ele é um exemplo de como a colaboração pode trazer benefícios. Mas a indiferença de muitos proprietários em relação à história e ao meio ambiente continua a ser um grande obstáculo.
Enquanto isso, o turismo, que poderia trazer receitas para a conservação, não se desenvolve. O Acre recebe mais visitantes em busca de experiências com ayahuasca do que para ver os geoglifos. As autoridades locais, cientes da importância do patrimônio, tentam mudar essa narrativa, mas os desafios permanecem.
A luta de Barbosa e outros defensores do patrimônio cultural é uma batalha de Davi contra Golias. O agronegócio é uma força poderosa no Brasil, e os geoglifos estão em um caminho perigoso. A cada dia que passa, a história antiga se despede sob os arados e a insensibilidade de uma sociedade voltada para o lucro imediato.
A reportagem completa está disponível na página da Bloomberg.
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