Enfraquecimento da circulação do Atlântico, fundamental para regulação das chuvas, pode interferir na cobertura florestal
Um recente estudo liderado por cientistas da USP, publicado na revista Nature em 1º de novembro, analisou os impactos potenciais do colapso do sistema de correntes oceânicas do Atlântico – particularmente da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico (Amoc) – sobre o clima e, especificamente, sobre a floresta amazônica. Este sistema, fundamental para o transporte de calor e a regulação das chuvas, se enfraquecido, pode desencadear mudanças significativas nos padrões de precipitação, com redução de chuvas no norte e aumento no sul da Amazônia.
Segundo os pesquisadores, as áreas do sul e leste do bioma possuem desmatamento já mais intenso, assim, poderiam receber mais chuvas. Entretanto, isso ocorre em regiões onde a floresta já foi severamente degradada. Em contrapartida, as áreas do norte, onde a vegetação ainda é relativamente preservada, enfrentariam uma redução nas chuvas que aumentaria a vulnerabilidade da floresta.
Segundo os autores, as mudanças climáticas desencadeadas pelo enfraquecimento da Amoc, somadas às mudanças no uso do solo vinculadas ao desmatamento, podem provocar um colapso irreversível da cobertura florestal da Amazônia.
O estudo foi conduzido pelo geólogo Thomas Akabane, como parte da sua pesquisa de doutorado no Instituto de Geociências (IGc) da USP, sob orientação de Cristiano Chiessi, especialista em Paleoclimatologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) e do professor Paulo Eduardo de Oliveira, também do IGc. “Pela primeira vez sabemos qual é a resposta da floresta a um enfraquecimento marcante da Amoc. Isso é muito importante”, diz Chiessi.
Resposta de milhões de anos
A pesquisa da USP utilizou pistas obtidas no fundo do mar, analisando vestígios históricos de pólen e microcarvão preservados em sedimentos marinhos. Esses sedimentos captam o que fluía pela foz do Rio Amazonas milhares de anos atrás e, por serem ricos em material de origem amazônica, carregam “assinaturas” químicas e moleculares que permitem reconstruir o estado da floresta durante períodos passados de interrupção temporária da circulação do Atlântico, ocorridos no fim da última era glacial. É como se os cientistas estivessem analisando uma “amostra de sangue” da Amazônia do passado, preservada no fundo do oceano.
A amostra foi coletada em 2012, durante uma expedição realizada com o navio de pesquisa alemão RV Maria S. Merian, que Chiessi liderou em parceria com colegas da Alemanha.
A partir das análises do material contido no testemunho, indica-se que a cobertura florestal da Amazônia passou por transformações importantes nesses períodos. No Último Máximo Glacial, segundo os pesquisadores, houve uma expansão de espécies de ecossistemas montanos dos Andes e das Guianas para as terras baixas da Amazônia, local onde antes predominavam espécies de clima quente e úmido. “Houve uma mudança bastante significativa na composição da floresta, mas ela nunca deixou de ser floresta”, destaca Akabane em entrevista ao Jornal da USP.
Projeções futuras
Com as conclusões do estudo, Chiessi teme que o enfraquecimento da Amoc seja “a gota d’água” que leve ao colapso da Amazônia ainda neste século. “De que adianta a queda na precipitação no norte ser balanceada por um aumento no sul, se é nessa região que o desmatamento impera?”, questiona o professor. “Essa soma pode levar a floresta ao seu tipping point.”
Assim, segundo os pesquisadores, é imprescindível que estudos futuros sobre o tema considerem os “impactos combinados de potenciais cenários futuros de enfraquecimento da Amoc sob condições reais de degradação florestal antropogênica e aquecimento global”.