Pesquisa revela que apenas 10% do orçamento federal para estudos em biodiversidade no Brasil é destinado à Amazônia, destacando uma grande desigualdade no financiamento de pesquisas na região mais biodiversa do planeta.
Uma pesquisa recente indica que, em um período de sete anos, somente 10% do orçamento federal destinado a projetos de pesquisa sobre biodiversidade foi alocado para a Amazônia. Este estudo evidencia que, em comparação com outras regiões do Brasil, a Amazônia, que é a região com a maior diversidade biológica e abriga a maior floresta tropical do mundo, recebe uma parcela menor de investimentos em pesquisa.
O estudo foi divulgado através do artigo intitulado “Brazilian public funding for biodiversity research in the Amazon“, publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation. Este levantamento destaca que aproximadamente 23% dos recursos federais são alocados para suportar estudos ecológicos de longo prazo.
Análise do financiamento em Pesquisa
Entre 2016 e 2022, o estudo analisou o financiamento de projetos de pesquisa em biodiversidade, a concessão de bolsas de pesquisa e a formação de pesquisadores, especialmente em programas de pós-graduação. As principais fontes de dados foram os dois maiores editais de recursos federais para pesquisa no Brasil: o Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (Peld) e o edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), além da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Posicionamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), responsável por esses editais, declarou que possui diversas iniciativas para desenvolver a capacidade científica e tecnológica na região amazônica, além de promover a formação de pesquisadores e o desenvolvimento sustentável na região. O MCTI enfatizou que a “megabiodiversidade da Amazônia” tem um potencial significativo para gerar riqueza e inclusão social, sem prejudicar a floresta e envolvendo as comunidades locais.
O MCTI ressaltou a importância de gerar conhecimento e desenvolver ferramentas para a difusão de tecnologias, tanto para o setor produtivo quanto para a sociedade, fortalecendo a base científica da região. “Em agosto, o ministério anunciou um volume recorde de investimento em CT&I na Amazônia, voltados a consolidar a infraestrutura de pesquisa; aperfeiçoar os sistemas de monitoramento da Amazônia e apoiar a inovação e o desenvolvimento de cadeias produtivas, no valor de R$ 3,4 bilhões até 2026”, informou o Ministério.
Colaboração em pesquisa e desigualdade de recursos
O estudo foi conduzido por uma rede de pesquisa no âmbito do projeto Synergize, parte do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose/CNPq). Este projeto contou com a participação de pesquisadores de doze instituições nacionais e internacionais, sendo coordenado pela Embrapa e pela Universidade de Bristol, no Reino Unido.
Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, explicou que o propósito do estudo foi examinar como os recursos para pesquisas em diversidade biológica são distribuídos e destacar o subfinanciamento da região amazônica em comparação com outras regiões do Brasil. Além disso, o estudo sugere maneiras de reduzir essa disparidade. Ferreira ressalta que as pesquisas em biodiversidade visam compreender a distribuição das espécies e identificar as áreas ecologicamente mais sensíveis de cada bioma.
Lis Stegmann, outra pesquisadora envolvida, enfatizou a importância dos estudos ecológicos de longa duração, que monitoram as mudanças nos biomas devido a eventos naturais e ações humanas.
“Os estudos ecológicos de longa duração monitoram as mudanças que cada bioma vem passando, causadas tanto por eventos naturais quanto pela ação do ser humano”, afirma pesquisadora Lis Stegmann.
Disparidades regionais
A região Norte, que compreende 59% do território brasileiro e 87% da Amazônia brasileira, é rica em biodiversidade, abrigando milhares de espécies e uma grande quantidade de carbono, além de possuir a maior proporção de áreas protegidas e terras indígenas do país.
Em termos de financiamento, o Norte e o Centro-Oeste receberam os menores investimentos. O Norte obteve cerca de 10% dos recursos do edital Universal (CNPq) de 2016 a 2022 e 22% dos recursos do edital de 2020 do PELD (CNPq) para pesquisas de longa duração. Em contraste, as regiões Sul e Sudeste juntas concentraram 50% desses recursos no mesmo período.
A análise considerando a população revela que a região Norte tem uma bolsa de pesquisa para cada 34 mil pessoas, enquanto o Sudeste tem uma para cada 58 mil habitantes. Embora o Norte tenha mais pesquisadores em programas de biodiversidade por habitante do que o Sudeste, a distribuição de recursos é desigual quando considerada a extensão territorial.
Stegmann conclui que, apesar do investimento per capita em pesquisa na região amazônica ser comparável ou até superior ao das regiões mais desenvolvidas do Brasil, a distribuição de recursos por área é significativamente desigual.
“Apesar de o investimento per capita em pesquisa na Amazônia ser igual ou superior ao disponível para as regiões economicamente mais desenvolvidas do Brasil, a distribuição de recursos por área é altamente desigual”, afirma Stegmann.
Desafios no financiamento de pesquisas
A discrepância no financiamento de pesquisas entre as regiões do Brasil é acentuada. Enquanto a região Sudeste recebeu aproximadamente US$ 2 por quilômetro quadrado (km²) através do edital Universal para pesquisas em na área, a região Norte, que inclui a maior parte da Amazônia, recebeu apenas US$ 0,13 por km².
O estudo revela que cerca de 90% dos recursos federais destinados a pesquisas em biodiversidade são alocados fora, apesar de ser a região que abriga a maior floresta tropical do mundo. Joice Ferreira, pesquisadora envolvida no estudo, destaca a necessidade de um plano estratégico que alinhe a alocação de recursos com a importância socioambiental da Amazônia para o Brasil e o mundo.
“A gente chama atenção para a contradição entre a importância da região e o que ela recebe em investimento. É fundamental desenvolver um plano estratégico para alocação de recursos que alinhe a pesquisa com a relevância socioambiental da Amazônia para o Brasil e o planeta”, afirma a pesquisadora Joice Ferreira.
Criação de um fundo específico
O artigo sugere a criação de um fundo dedicado a pesquisas em biodiversidade especificamente para a Amazônia, considerando sua diversidade única e papel crucial na regulação climática global. Stegmann enfatiza a importância de uma política estruturada e contínua para a pesquisa na região.
Outra recomendação é a descentralização dos recursos, promovendo a transferência de conhecimentos e a formação de redes de pesquisa entre as capitais e os municípios do interior da floresta amazônica. É essencial que os editais reconheçam as particularidades regionais e avaliem as pesquisas com base nas demandas locais.
A terceira sugestão é intensificar a cooperação e as alianças transnacionais. Devido à complexidade logística e ao alto custo das pesquisas ecológicas na floresta amazônica, projetos de grande escala muitas vezes dependem de cooperação internacional, como exemplificado pelo Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA) e o Observatório de Torre Alta da Amazônia (ATTO).
“As pesquisas ecológicas na Amazônia são geralmente caras porque exigem uma logística complexa. Projetos de ampla escala geralmente só acontecem em virtude da cooperação internacional, como o LBA, o ATTO, entre outros”.
Conclusão dos Cientistas
Os cientistas defendem que um aumento significativo no financiamento de pesquisa para a região requer um esforço diferenciado por parte das agências federais, além da integração entre programas amazônicos e fundos internacionais. A ênfase é na necessidade de uma abordagem mais equitativa e estratégica para apoiar a pesquisa na região mais biodiversa do planeta.
Com informações do G1
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