Na sexta-feira (15), a Câmara dos Deputados aprovou, em dois turnos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária, que já havia passado pelo Senado. Este importante passo legislativo garante a continuidade dos incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus (ZFM) até 2073, uma decisão que mantém a capital do Amazonas como um dos municípios mais ricos do Brasil.
A ZFM, que gerou receitas de 130,8 bilhões de reais entre janeiro e setembro de 2023, enfrentava a possibilidade de perder sua vantagem econômica com a proposta de simplificação do sistema nacional de tributação. Essa mudança poderia ter reduzido a competitividade do Polo Industrial de Manaus (PIM), obrigando os empresários locais a recolher impostos em condições semelhantes às de outras regiões do país.
A PEC aprovada, que resultou de uma longa discussão de 30 anos, mantém a isenção do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) até 2073. A partir de 2027, o IPI incidirá apenas sobre produtos fora da ZFM, mantendo a atratividade de Manaus para a fabricação de diversos itens, incluindo eletrônicos e veículos.
A PEC 45/2019, relatada por Eduardo Braga (MDB-AM) no Senado e Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) na Câmara, introduz um Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) e um Imposto Seletivo, além de uma cesta básica nacional isenta de taxas. O IVA, que se especula ter alíquota em torno de 25%, unificará impostos federais, estaduais e municipais sob duas categorias distintas.
A decisão de manter os privilégios fiscais da ZFM foi crucial. Caso contrário, a área de livre comércio de importação e exportação perderia sua atratividade, afetando significativamente a presença de grandes empresas na região, que se estabeleceram em Manaus não apenas pela proteção da Amazônia, mas também pelos benefícios fiscais. Durante a discussão sobre a reforma, houve tentativas de incluir a cobrança da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para produtos de fora da ZFM, mas essa proposta foi descartada, mantendo-se a isenção do IPI para o PIM.
Tese de doutorado analisa o impacto ambiental e social da Zona Franca de Manaus
Uma pesquisa de doutorado pela Universidade de São Paulo, conduzida pela pesquisadora Thaís Brianezi em 2013, oferece uma análise crítica sobre o papel e o impacto da Zona Franca de Manaus (ZFM) no contexto ambiental e social do Brasil. A tese aborda a evolução do discurso em torno da ZFM, desde a sua promoção como motor de progresso pelos militares nos anos 1970, até a sua atual associação com o desenvolvimento sustentável.
Brianezi, em sua pesquisa, sugere que o discurso em torno da ZFM tem um tom fatalista e autoritário, destacando um slogan que ecoa o dos ditadores militares: “Zona Franca de Manaus: ame-a ou deixe-a”. A pesquisadora argumenta que, embora a narrativa vigente afirme que as indústrias da ZFM contribuem para a conservação florestal ao gerar empregos urbanos, essa visão é questionável.
Desmatamento na região metropolitana de Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).
Philip Fearnside, cientista reconhecido mundialmente em discussões ambientais, contesta a ideia de que a ZFM reduza o desmatamento na região. Segundo ele, o desmatamento no Amazonas continua, impulsionado principalmente por grandes fazendeiros. Fearnside argumenta que os trabalhadores das fábricas da ZFM geralmente vêm de pequenas cidades ou de outros estados, e não são os responsáveis pelo desmatamento na região.
Em um artigo publicado na revista científica Environmental Conservation em 2008, Fearnside já havia alertado sobre as implicações da urbanização acelerada na Amazônia. Ele observou que o aumento no número de municípios na região não se deve apenas ao deslocamento da população rural para as cidades, mas também à maneira como esses aglomerados são classificados. Fearnside aponta que a criação contínua de novos municípios aumenta a representação política, os subsídios governamentais e as posições lucrativas, incentivando, paralelamente, o desmatamento.
Esta tese de doutorado oferece uma perspectiva valiosa sobre as complexidades e os desafios enfrentados pela Zona Franca de Manaus, destacando o debate em torno do seu papel na conservação ambiental e no desenvolvimento social.
Zona Franca de Manaus: entre desenvolvimento econômico e desafios ambientais
Desde o final dos anos 1960, a Zona Franca de Manaus (ZFM) tem sido um ponto central na estratégia de desenvolvimento planejada pelos militares para a região amazônica, incluindo a abertura de rodovias, construção de hidrelétricas, e a exploração intensiva de recursos naturais como gás, petróleo, minérios e madeira. Esta visão, encapsulada no lema “integrar para não entregar”, foi destacada pelo geógrafo Carlos Durigan em um texto de 2014, contexto no qual se discutia a prorrogação dos incentivos fiscais da ZFM.
O crescimento populacional em Manaus é uma das maiores consequências dessa política. De uma população de 175.343 em 1960, a cidade saltou para 2.063.547 habitantes no Censo de 2022, impulsionada pelos planos de desenvolvimento militar e os incentivos fiscais da ZFM. Atualmente, a ZFM beneficia de isenções fiscais que variam entre 24 e 26 bilhões de reais anuais, segundo a Receita Federal, com mais de 500 indústrias usufruindo de benefícios em diversos impostos
Funcionárias montam componentes de placas em fábrica de Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).
No entanto, essa renúncia fiscal enfrenta críticas. O Banco Mundial, em sua publicação “Equilíbrio Delicado Para a Amazônia Legal Brasileira”, argumenta que a ZFM não assegura a incorporação de critérios ambientais na economia, nem garante a contenção do desmatamento. Esta visão é compartilhada pela União Europeia.
O Banco Mundial também aponta a ineficiência dos altos gastos fiscais na geração de empregos na ZFM. Em 2018, os subsídios fiscais foram avaliados em 26 bilhões de reais da União e 6,2 bilhões do governo estadual, significativamente superiores ao salário médio anual dos trabalhadores da zona.
Valdemir Santana, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos em Manaus, destaca que, apesar dos lucros bilionários das empresas da ZFM, os salários dos trabalhadores permanecem baixos. Ele enfatiza a necessidade de inclusão dos sindicatos na regulamentação e fiscalização das isenções fiscais.
O governador do Amazonas, Wilson Lima, defende a manutenção dos benefícios fiscais da ZFM usando argumentos ambientais, alegando que a redução dos incentivos levaria à perda de empregos e ao aumento do desmatamento. Paradoxalmente, seu governo também apoia projetos como a extração de potássio em Terras Indígenas e o asfaltamento da BR-319, que tem preocupações ambientais associadas.
Esta complexa dinâmica destaca o desafio de equilibrar o desenvolvimento econômico com a proteção ambiental na região amazônica, um debate que continua a evoluir e a gerar discussões intensas em diferentes esferas políticas e sociais.
Zona Franca de Manaus e desafios ambientais: perspectivas divergentes
A Zona Franca de Manaus (ZFM), um pilar econômico na região amazônica, enfrenta desafios e críticas em relação à sua contribuição para a preservação ambiental e desenvolvimento sustentável. Eduardo Braga, político influente na região, defende as isenções fiscais da ZFM como essenciais para a proteção da cobertura vegetal. Segundo ele, 97% da floresta em Manaus permaneceu intacta devido à migração da população para áreas urbanas, reduzindo a pressão sobre a floresta. A taxa de desmatamento no Amazonas diminuiu 40,1% de agosto de 2022 a julho de 2023, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
No entanto, essa visão otimista é contestada pelo Banco Mundial, que critica os benefícios tributários concedidos à ZFM, sugerindo a necessidade de uma revisão mais aprofundada. A instituição destaca que, embora o Amazonas seja o estado mais industrializado da Amazônia Legal, apoiado pela ZFM, é necessária uma abordagem mais integrada e sustentável.
Manaus, com um PIB de 103 bilhões de reais, ultrapassou cidades como Curitiba e Porto Alegre no ranking econômico brasileiro, graças ao setor industrial, que representa 36,5% do PIB local. A recente reforma tributária, que inclui a criação de fundos de sustentabilidade para o Amazonas e outros estados da Amazônia Ocidental e do Amapá, busca promover o desenvolvimento, mas não garante automaticamente a proteção ambiental.
Vista aérea da zona norte de Manaus na divisa com a Reserva Adolphe Ducke (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).
André Cutrim Carvalho, professor da Universidade Federal do Pará, argumenta que manter a ZFM não é suficiente para garantir um futuro sustentável para a região. Ele sugere a necessidade de diversificar a indústria e promover economias baseadas na biodiversidade e práticas sustentáveis.
Dione Torquato, do Conselho Nacional das Populações Extrativistas, enfatiza a importância de expandir os benefícios fiscais para incluir produtos da sociobiodiversidade, contribuindo assim para uma economia mais diversificada e justa. Ele ressalta a necessidade de um modelo de desenvolvimento que respeite a diversidade biológica e sociocultural do Brasil.
O Banco Mundial também destaca a tributação fundiária inadequada na região da ZFM, que promove a agricultura extensiva e o desmatamento. A ineficácia na aplicação das leis ambientais resulta em extração ilegal de madeira e uso indevido das terras, impactando negativamente as áreas protegidas e territórios indígenas.
Essa análise complexa da ZFM revela um cenário onde o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental precisam ser cuidadosamente balanceados. Enquanto a região se beneficia economicamente, os desafios ambientais e sociais exigem atenção e ações concretas para garantir a sustentabilidade a longo prazo.
*Com informações AMAZÔNIA REAL
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