A estiagem que assola o Lago Tefé, localizado no interior do estado do Amazonas, traz preocupações profundas para a preservação da vida aquática. Pesquisadores e voluntários se mobilizam em uma força tarefa para proteger e resgatar botos, que têm sofrido com o superaquecimento e redução drástica do nível da água.
O cenário atual é preocupante: 153 botos já perderam a vida, o que equivale a aproximadamente 10% da população local de botos. Essa população é formada por duas espécies, sendo 130 dos botos que morreram da espécie cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e os 23 restantes da espécie tucuxi (Sotalia fluviatilis).
Miriam Marmontel, líder do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto Mamirauá, que coordena as operações de resgate, expressou preocupação com o estado de emergência. Para lidar com a situação, foram desenvolvidas estratégias inovadoras para o deslocamento dos botos, a fim de minimizar o estresse e impacto sobre eles.
Uma destas estratégias incluiu a adaptação de uma cerca tradicional de varas chamada “pari”, usada para isolar os botos de áreas mais críticas. Através dessa cerca e da utilização de redes, os pesquisadores foram capazes de conduzir os animais para regiões mais profundas e frescas do lago. “A rede funcionou, vimos que a gente consegue tirá-los, conduzi-los para fora dali”, afirmou Marmontel.
Iniciativas anteriores de translocação via barco, após a detecção das primeiras mortes no final de setembro, foram descartadas devido à complexidade e possíveis traumas causados aos botos.
A dedicação e empenho para combater essa emergência é uma ação conjunta de diversas organizações. No total, pelo menos 21 entidades de todo o Brasil e exterior colaboram no esforço de resgate dos botos, incluindo o Fundo Internacional para o Bem Estar Animal (IFAW), especializado em situações de resgate e reabilitação de cetáceos.
Contudo, com previsões climáticas nada animadoras, as equipes de resgate e conservação se preparam para mais dias desafiadores. O Lago Tefé enfrentará a seca por pelo menos mais sete dias, o que demandará mais ações de deslocamento e possivelmente operações de translocação, onde botos serão transportados até o rio Solimões.
O esforço é monumental: diariamente, aproximadamente 100 pessoas estão em campo, divididas entre resgates, monitoramento ambiental e acompanhamento dos animais vivos.
O cenário que se desenha no Lago Tefé é um lembrete contundente dos impactos das mudanças climáticas e da importância de políticas de conservação e proteção ambiental. Enquanto a luta para salvar os botos continua, a comunidade global deve refletir sobre os desafios que o futuro reserva para a biodiversidade da região amazônica.
A principal causa da mortandade dos botos no Amazonas
Desde que as mortes em massa de botos começaram a ser registradas no dia 23 de setembro, pesquisadores do Instituto Mamirauá têm se dedicado a identificar as causas desse fenômeno alarmante. Em um desenvolvimento recente, foi identificado que o aumento drástico da temperatura da água é o principal responsável.
Os esforços iniciais se concentraram na análise de sangue e tecidos, processados em laboratórios de referência do Rio de Janeiro e São Paulo. O objetivo era identificar a presença de agentes patogênicos que poderiam estar causando as mortes. Entretanto, doenças infecciosas conhecidas, como Toxoplasmose, Clostridium, H4N1 e morbilivirus, bem como contaminações por biotoxinas, foram descartadas.
Miriam Marmontel, pesquisadora do Instituto Mamirauá, compartilhou os resultados preliminares dessas investigações: “Nesse momento, cada vez mais se configura que o grande vilão dessa história foi a alta na temperatura, o calor demasiado naqueles dias específicos [quando o maior número de mortes ocorreu]”.
A forma como o superaquecimento afeta os botos ainda não é completamente compreendida, principalmente devido à escassez de estudos específicos. No entanto, observações feitas durante esta crise indicam que a resposta fisiológica dos botos ao calor excessivo é semelhante à dos seres humanos. “Vários sintomas que afetam o corpo humano a gente também viu nos botos”, observou Marmontel.
Entre os dias 23 e 29 de setembro, as águas do Lago Tefé alcançaram temperaturas alarmantes de 40ºC. Para efeito de comparação, a temperatura mais alta já registrada anteriormente no lago foi de 32ºC. Atualmente, os termômetros marcam variações diárias entre 29ºC e 37ºC.
Marmontel destacou a gravidade da situação: “Ainda que não bata lá nas alturas, essa variação de 10ºC é muita coisa para um corpo suportar. Obviamente que traz alguma implicação fisiológica”.
Este evento destaca a crescente urgência em entender e combater os impactos das mudanças climáticas em ecossistemas frágeis, como o da Amazônia. Evidências como esta ressaltam a necessidade de ações concretas e políticas eficazes para proteger a biodiversidade e garantir a sustentabilidade dos ecossistemas.
*Com informações O ECO
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