Não há saída para a infraestrutura de transportes da Amazônia que não envolva os rios, rodovias e grande vigilância ambiental. Dissociar qualquer destes elos levará a uma tragédia econômica e ambiental. Precisaremos, como sociedade, reaprender a dialogar, para construir uma solução adequada ao país e para o planeta, pois tocar no delicado equilíbrio da Amazônia é um grande risco.
Por Augusto Cesar Barreto Rocha
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Contrariando o que afirmam os mapas oficiais, não temos exatamente hidrovias na Amazônia. Existem rios que nos mapas são chamados de hidrovias, pois eles estão basicamente como a natureza os fez e constantemente os transforma, por serem rios “jovens”, sendo influenciados pelas Terras Caídas, mudanças de curso e de fluxo, ao sabor das diretrizes naturais. O fenômeno da seca de 2023 está demonstrando como este modelo é insatisfatório para os grandes projetos econômicos do Norte.
O Brasil, como um país primariamente rodoviário, encontrou uma solução para a falta de recursos para o custeio das rodovias nos anos 1999-2004, em especial no Estado de São Paulo, com as concessões das rodovias, pois possuíam grande tráfego e poder econômico para pagamento dos pedágios, chegando, segundo a ABCR, a 67,2% das rodovias concedidas, enquanto o modelo, no mesmo período, chegou a 19% nos demais Estados.
Transferir o custo do Estado para a sociedade, segue sendo uma estratégia ótima para os mais abastados e péssima para os demais, pois se transfere a obrigação do Estado para a sociedade, com alguns poucos lucrando e a maioria pagando de outra forma o que já era pago.
A Política Nacional de Recursos Hídricos virou marco legal na Lei 9.443, em janeiro de 1997. Nela, estão previstas formas de arrecadar, mas obriga, por exemplo que “os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados”. Ou seja, há um certo espaço para a Concessão de hidrovias e, neste esforço, a ANTAQ e a Infra S.A. estão fazendo estudos para a concessão da Hidrovia do Madeira, que é um dos elementos mais importantes para a exportação da soja nacional
Complementarmente, há, aparentemente, uma certa lacuna no Comitê da Bacia Hidrográfica que envolve o sistema do Arco Norte, na conexão de Porto Velho e Manaus até o Oceano Atlântico. A integração Rondônia-Amazonas-Pará forma uma Bacia Interestadual e por ela transitam contêineres de e para a Zona Franca de Manaus, Soja do Centro-oeste para o exterior, combustíveis e muitas outras commodities. Há ainda Zonas de Praticagem (ZP-1 e ZP-2) e todo um complexo de únicas alternativas para o transporte para o interior profundo da Amazônia, tudo isso com uma alocação muito desigual e, ao que parece, distribuição inapropriada de custos e de benefícios.
Dotar esta região de hidrovias poderá passar por investimentos públicos ou a repetição do modelo de Concessões. Fazer isso sem agravar os já pesados Custo-Amazônia, que aumentam o pesado Custo-Brasil, oportunizando novos negócios e sem esmagar ainda mais as populações da região Amazônica é um desafio. Todavia, talvez esteja por aí a solução para os gargalos enfrentados pela seca. Construir uma vantagem ampla para a sociedade e para os negócios, sem destruir o meio ambiente é algo que precisa ser considerado.
Um Plano Amazonas de Logística e Transportes precisará considerar esta construção sistêmica. Não há saída para a infraestrutura de transportes da Amazônia que não envolva os rios, rodovias e grande vigilância ambiental. Dissociar qualquer destes elos levará a uma tragédia econômica e ambiental. Precisaremos, como sociedade, reaprender a dialogar, para construir uma solução adequada ao país e para o planeta, pois tocar no delicado equilíbrio da Amazônia é um grande risco.
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As discussões da Concessão da Hidrovia do Madeira não poderão desconsiderar o Tabocal e a integração da Foz do Madeira ao Rio Amazonas, afinal não podemos apenas transferir problemas, pois já se sabe, desde o século passado, que os transportes são sistemas e não partes isoladas de um todo. Em 2023, as hidrovias nacionais já superaram seu recorde histórico de transporte. A maior oportunidade econômica das infraestruturas do Brasil está nas hidrovias.
Augusto Rocha é Professor Associado da UFAM, com docência na graduação, Mestrado e Doutorado e é Diretor Adjunto do CIEAM
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