“Nas últimas semanas, as pessoas só me perguntam de petróleo. Mas estou licenciando 300 projetos de eólica offshore e ninguém me pergunta sobre isso. Estou licenciando quase 30 projetos de hidrogênio verde. Isso é olhar pra frente. A gente fica preso a técnicas do passado. O IBAMA vai continuar licenciando petróleo, mas precisamos ter um olhar um pouco mais pra frente.”
O desabafo do presidente do IBAMA, Rodrigo Agostinho, no evento “Brazil Forum UK”, em Oxford, no Reino Unido, no sábado (17/6), relatado pelo Metrópoles, dá a tônica do que está em jogo com a insistência na exploração de combustíveis fósseis no Brasil, sobretudo em áreas de alta sensibilidade ambiental como a Margem Equatorial, particularmente na foz do Amazonas.
Essa decisão vai marcar se o país estará caminhando para o futuro, substituindo petróleo e gás fóssil por fontes renováveis de energia, ou se vai repetir uma ótica ultrapassada, de desenvolvimento que atropela o meio ambiente e, pior, não se traduz em um progresso econômico e social para a maioria da população.
Refletindo as conclusões da ciência climática, o secretário-geral da ONU, António Guterres, repetiu que é preciso parar já a expansão das reservas de petróleo e gás fóssil já conhecidas e a busca por novos volumes. Explorar esses recursos será uma catástrofe para a Humanidade, disse ele, em sua mais dura fala contra investimentos em carvão, petróleo e gás.
“Os planos de transição da indústria do combustível fóssil têm que ser planos de transformação, que conduzam as empresas às energias limpas e distantes de um produto incompatível com a sobrevivência humana.”
Respondendo a uma pergunta do Valor sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial, Guterres disse não conhecer o projeto em detalhes. “Mas estou certo que todo o petróleo e o gás que já foi descoberto não será usado pela Humanidade. Tenho certeza absoluta que parte considerável do petróleo e do gás já descoberto ficará no solo para sempre”. A resposta, portanto, está dada [ouviu, Petrobras?].
Quem também precisa ouvir é a Shell, que recentemente foi “mandada para o inferno” por acionistas ao frear seus planos de transição energética e dobrar a aposta na produção de combustíveis fósseis.
O presidente da Shell Brasil, Cristiano Pinto da Costa, disse que a negativa do IBAMA – técnica, frise-se sempre – ao pedido da Petrobras para perfurar um poço de petróleo na foz do Amazonas desanima “um pouco” sua companhia, informam Valor, UOL e CNN. “Acho que agora é hora do Brasil olhar para outras bacias exploratórias”, opinou, do alto de quem tem blocos exploratórios na Margem Equatorial e, claro, quer explorar petróleo neles.
O passado e o futuro também estão presentes no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, o Conselhão, recriado pelo governo Lula com 246 integrantes de diversos espectros da sociedade para dar suporte à formulação de políticas públicas. Em maio, duas manifestações foram enviadas por escrito sobre a exploração de petróleo na foz, uma contra e outra a favor.
A primeira, contra a perfuração, é de 22 de maio e foi assinada por cinco conselheiros – Caio Magri, Marcel Fukuyama, Neca Setubal, André Villas-Boas e Benilda Brito –, além de 50 empresários, ativistas e representantes de ONGs. Segundo os signatários, a questão transcende a exploração no local e inclui “a direção que o país adota para a transição de combustíveis fósseis para energia limpa e o fortalecimento da bioeconomia, economia verde e de impacto positivo”.
Já em 30 de maio, outro conselheiro, o físico Ennio Candotti, enviou carta a Lula em que sugere regras que possibilitem a exploração de petróleo na foz. A principal seria criar uma espécie de zona de exclusão de 200 km a partir da costa, ou em áreas cuja plataforma continental se encontra a uma profundidade de até 200 metros, detalha a Folha.
O pico da demanda de petróleo deve ser atingido até 2028, disse há apenas uma semana a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês). Entre a perfuração de um poço na foz do Amazonas e, se tudo der certo, a produção do chamado “primeiro óleo” estima-se que seis anos terão se passado. A resposta do que o governo brasileiro (não) deve fazer parece evidente.
Em tempo: A Exxon e seus parceiros conseguiram reverter uma decisão judicial que quase interrompeu sua produção de petróleo na Guiana – país que vem registrando grandes descobertas do combustível fóssil e que é usado como exemplo dos defensores da exploração na foz do Amazonas, apesar de não haver qualquer garantia de que as regiões têm o mesmo volume de petróleo.
Pelo contrato com o governo da Guiana, o consórcio que opera o poço offshoreLiza-1 e explora o bloco Stabroek deve ter cobertura de seguro para derramamentos mais uma garantia ilimitada fornecida pelo parceiro principal – a Exxon –, para tudo o que não está coberto pela apólice de seguro.
No entanto, um tribunal concluiu que essa garantia era inexistente e, em caso de derramamento, o estado da Guiana teria que arcar com os custos não cobertos pela apólice de seguro, como mostra o Stabroek News. A Exxon e seus parceiros, porém, recorreram da decisão e venceram, relata o oilprice.com.
Texto publicado em CLIMA INFO
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