Políticos que defendem a perfuração de um poço de petróleo pela Petrobras na Bacia da Foz do Amazonas bradam que a atividade vai levar riqueza à região, em particular ao Amapá.
Em audiências públicas feitas às pressas, promovem desinformação e repelem questionamentos, transformando o que seria um ambiente de diálogo em um comício pró-combustíveis fósseis. Se de fato escutassem as populações locais, talvez pensassem duas vezes em continuar encampando tal ideia.
A “questão do petróleo” é algo que vem assombrando os pescadores do litoral amapaense, mostra a Agência Pública. Ao se andar por Oiapoque, cidade do Amapá que fica mais próxima do local onde a Petrobras quer perfurar um poço, ouvem-se os burburinhos sobre a possível exploração de petróleo. Mas, assim como na maioria das comunidades onde acontecem grandes empreendimentos na Amazônia, o receio dos danos é a única certeza que a população conhece.
Oiapoque possui centenas de pescadores – são cerca de 300 registrados na colônia de pesca do município – que trabalham apenas na região do mangue. Como todo o litoral amapaense é composto por praias de lama, e não de areia, eles temem os efeitos de um possível acidente.
“Seu” Júlio Teixeira preside a colônia de pescadores. Com 62 anos, chegou ao Amapá com 12, em um barco de pesca vindo de Salvaterra, na Ilha do Marajó, no Pará. Conta que há mais de 40 anos a Petrobras já estava na região realizando pesquisas. E a possibilidade da empresa explorar petróleo o assusta.
“Se vazar alguma coisa, não é como no Nordeste, que pode juntar a areia e limpar. Aqui nunca, nunca, só Deus pra limpar. Porque é sedimento, é barro, ele vai se misturar, não tem como limpar”, explica ele.Enquanto isso, os defensores da exploração de petróleo na foz do Amazonas continuam se articulando – sobretudo em Brasília, a milhares de quilômetros de quem vai sentir os efeitos dessa atividade na pele.
Pressão política a favor da exploração de petróleo
Para seu Júlio e os pescadores da colônia, o poder público não está preocupado com o que possa acontecer à região. “Eles estão em um conto de fadas, só pensam nos royalties”, afirma. Os royalties são uma compensação financeira paga à União, aos Estados e aos municípios pelas empresas produtoras de petróleo e gás natural no Brasil como forma de compensar a sociedade pela utilização desses recursos, que não são renováveis.
Entramos em contato com o senador pelo Amapá Randolfe Rodrigues (sem partido). Atual líder do governo, ele vem sendo um dos maiores defensores do início das pesquisas para a possível exploração de petróleo no estado, posição que gerou crise com o partido em que estava e levou a sua saída da Rede.
Por meio de sua assessoria, ele afirmou que faltam informações sobre a atual situação, o que leva parte dos moradores a acreditar que a exploração já aconteceria de imediato, quando o que está em debate é uma perfuração exploratória. “Essa perfuração que está sendo discutida agora não é a exploração do petróleo ainda, é a exploração para poder saber se tem ou não petróleo na costa aqui do estado. Primeiro nós queremos ter o direito de saber.
O povo do Amapá precisa ter o direito de saber se tem ou não petróleo”, afirma.
Apesar de Randolfe afirmar que a decisão do Ibama não ouve a população amapaense, nas últimas audiências públicas realizadas no Amapá sobre o tema, os representantes do senador ouviram apenas empresários e políticos e se retiraram antes das falas da população, em sua maioria contrária à exploração. O senador defende que, caso o governo federal opte pela não autorização da exploração, o estado do Amapá receba uma contrapartida.
Para Janaína Calado, pesquisadora do Núcleo de Desenvolvimento Territorial Sustentável, projeto de extensão da Universidade do Estado do Amapá (Ueap) que desde 2018 busca compreender a percepção dos moradores do Amapá sobre a exploração de petróleo e sobre os ainda pouco estudados recifes da Amazônia, o grande problema é que no momento não existe ampla consulta popular nem a apresentação de um estudo de impacto ambiental robusto o bastante para dar segurança ao empreendimento.
“Nosso principal problema aqui na foz do Amapá é a falta de conhecimento básico sobre essa região. Se bem realizada, planejada e com ampla participação popular, a iniciativa pode, sim, trazer benefícios econômicos ao estado”, diz. Mas a pesquisadora chama atenção para o fato de que o impacto econômico seria somente de royalties, sem a geração de empregos diretos para o Amapá.
Até o momento, não existe consulta popular sobre o tema por parte do governo nem investimentos em pesquisas na região. Nas audiências públicas realizadas pela Petrobras em Oiapoque, houve mobilização contrária ao início das pesquisas, tanto pelos pescadores quanto pelos indígenas da região.
Em maio deste ano, foram realizadas mais duas audiências públicas – uma em Oiapoque, no dia 19 de maio, pela Assembleia Legislativa do Amapá. Outra em Macapá, pela Câmara de Vereadores da capital, em 26 de maio.
Em Oiapoque, pescadores afirmaram que a audiência foi um “palanque de políticos”, em que os pescadores não tiveram direito a fala. Em Macapá, ativistas presentes no encontro por conta própria disseram não ter sido convidados. Ao ser questionado pelos manifestantes sobre a falta de convites para a sociedade civil participar da audiência, o vereador Marcelo Dias (Solidariedade), presidente da Câmara e autor da audiência, afirmou que eles não tiveram tempo de enviar convites para os movimentos sociais e a universidade participarem do debate.
Outra questão levantada pela população de Oiapoque é a ausência de divulgação sobre as audiências realizadas pela Petrobras e, mais recentemente, pela Assembleia Legislativa do Amapá no município. “Se tem reunião, a gente nunca sabe ou é no horário que a gente tá trabalhando e não consegue participar pra gente entender melhor, né?”, diz Cláudia. “Mas mesmo a gente entendendo melhor e sendo contra, sempre vai acontecer.
Porque o que vale hoje em dia é o capital. Ele tá acima de tudo, então sempre vence e a população que sofre. Eu, como uma cidadã daqui de Oiapoque, vejo que isso vai prejudicar nosso trabalho.”
Seu Júlio vem realizando por conta própria um levantamento entre os trabalhadores da colônia de pescadores sobre os impactos que já vêm ocorrendo por causa de pesquisas para possível exploração de petróleo na região. Vários pescadores têm relatado o aparecimento de peixes que não são da área e mudanças no curso das águas.
Nesta 4ª feira (14/6), a Comissão de Minas e Energia da Câmara realiza audiência pública sobre a exploração de petróleo e gás fóssil na Margem Equatorial, que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte. Ao anunciar a audiência, a Agência Câmara diz que “o Ministério de Minas e Energia afirma que a exploração petrolífera nessa área é essencial para manter a produção brasileira, que tem tendência de queda a partir de 2029”. Nenhum espaço é dado ao contraditório na convocação para o encontro.
Texto retirado de CLIMA INFO
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