Pela internet, visitantes poderão conhecer não só as obras, mas também as pesquisas produzidas dentro do museu; objetivo é democratizar o acesso às coleções
Por Claudia Costa – Jornal da USP
O público que não consegue ir ao Museu do Ipiranga, agora poderá visitá-lo na internet. A partir de 31 de janeiro, o museu disponibiliza suas coleções através de uma plataforma on-line, com o objetivo de democratizar o conhecimento produzido dentro do universo museal, dando acesso não só aos acervos salvaguardados pelo museu, como também a todas as pesquisas produzidas a partir deles.
Especializado na história da sociedade brasileira, com ênfase na cultura material, o museu possui um acervo de cerca de 30 mil itens, entre pinturas, fotografias e cartazes, além de 25 mil objetos. Seu novo acervo digital está dividido em documentos iconográficos, textuais e tridimensionais.
O museu está utilizando como ferramenta o Tainacan, software livre desenvolvido pelo Laboratório de Inteligência de Redes da Universidade de Brasília, que, além da busca pelas diversas coleções, também reúne um programa de curadorias digitais.
A iniciativa convida pesquisadoras e pesquisadores acadêmicos ou não que mobilizaram as coleções do Museu do Ipiranga em suas pesquisas para propor recortes temáticos ou tipológicos que possam despertar o interesse na consulta ao acervo digital. A cada três meses, novas curadorias serão lançadas.
As três primeiras, que inauguram o acervo digital, são: Os Retratos no Acervo do Museu Paulista, reunindo um acervo expressivo de retratos produzidos em diferentes técnicas, materiais e formatos, tanto de pessoas célebres e das elites brasileiras quanto de anônimos; Cartões-Postais, coleção que foi ampliada nas últimas décadas, atingindo atualmente mais de 4 mil cartões-postais
Criados em 1869 para compartilhar lembranças, são também correspondências entre passado e presente; e As Representações da Várzea do Carmo, área alagadiça do Rio Tamanduateí, entre o Planalto de Piratininga e o bairro do Brás, que despertou o olhar de pintores e fotógrafos, como Militão Augusto de Azevedo, o primeiro a registrar imagens do local, que estão no Álbum Comparativo da Cidade de São Paulo,1862-1887.
Curadorias de acervos do Museu do Ipiranga (clique nas imagens para acessar as páginas) – Fotos: Divulgação/Museu do Ipiranga
OS RETRATOS NO ACERVO DO MUSEU PAULISTA
O Museu Paulista-USP tem um acervo expressivo de retratos produzidos em diferentes técnicas, materiais e formatos. O acervo de retratos foi formado ao longo dos últimos 100 do Museu e reúne tanto retratos de pessoas célebres e das elites brasileiras quanto retratos de anônimos, formando um quadro diverso das práticas de se retratar em nossa sociedade.
CARTÕES-POSTAIS
Cartões postais são uma forma de correspondência simples, rápida e barata. Foram criados em 1869 para compartilhar lembranças de lugares distantes. Suas fotografias estamparam na imaginação popular uma ideia de cada cidade. Neles, imagens e textos registram laços entre pessoas e lugares. Essas memórias são também correspondências entre passado e presente.
AS REPRESENTAÇÕES DA VÁRZEA DO CARMO
A várzea do Carmo, área alagadiça do rio Tamanduateí entre o Planalto de Piratininga e o bairro do Brás, despertou o olhar de pintores e fotógrafos desde o final do século 19 até sua transformação em um parque público. Para o poder público, as cheias da várzea eram um problema de saúde pública a ser resolvido, mas para os pintores e fotógrafos que por lá circulavam, elas representavam um embelezamento da paisagem.
Democratizar a informação
“Os museus, as bibliotecas e os arquivos são guardiões de informações altamente estudadas, curadas por especialistas das áreas, mas presas dentro de instituições.
Entender essas instituições como provedoras de informações de qualidade é que faz com que essa discussão sobre os acervos digitais e uso e disponibilização desses acervos na internet sejam a base da ideia de querer construir um repositório digital que facilite a busca e o acesso a essas informações”, afirma Luciana Conrado Martins, historiadora formada pela USP que integra a equipe do Tainacan, durante a live de apresentação do projeto, que ocorreu no final do ano passado.
Segundo ela, a disponibilização do acervo pela internet é a forma mais democrática de dar acesso a essas informações de qualidade, desenvolvidas a partir de estudos de especialistas.
“No começo da década de 1990, o museu começou a fazer a digitalização e informatização dos seus acervos”, lembra Solange Ferraz de Lima, docente do Museu do Ipiranga, que coordena o Trabalho de Estratégias Digitais da instituição.
A professora conta que na época foi patenteado um sistema interno para armazenamento dos dados, mas ainda era necessário que esse conjunto de informações organizado pudesse acompanhar o ciclo curatorial, incluindo dados sobre a coleta, a documentação e identificação, e também pudesse ser mobilizado pela conservação, registrando os usos das obras (quem usou, quando, em que exposição). E esse novo projeto permite a busca dos acervos do museu pela internet, ampliando o acesso público às suas coleções.
Políticas digitais
Como aponta Luciana, não há museus em todas as cidades. Segundo dados recentes, somente 30% das cidades brasileiras possuem museus, em grande parte, de pequeno e médio porte. Além disso, diz, essas instituições carecem de infraestrutura técnica (a própria internet) e de profissionais que dominem a tecnologia. Segundo ela, a disponibilização do acervo é a forma mais democrática de dar acesso ao conhecimento que é produzido dentro das instituições museológicas.
“Quando se coloca o acervo de forma organizada, dentro de um software contemporâneo que permite compartilhamento de informação na internet, a instituição está dando acesso a esse conhecimento.” Ainda assim, alerta Luciana, é preciso uma política de acervos digitais, ou mesmo uma política de comunicação digital.
Para Luciana, a pandemia teve o mérito de trazer a discussão sobre o ambiente digital para o universo museal brasileiro, que era muito incipiente. “Antes, estava restrita a alguns nichos preocupados com a questão da disponibilização da informação de instituições culturais detentoras da memória, ou seja, existia um movimento, fruto da cultura digital, preocupado em organizar e disponibilizar publicamente os acervos dessas instituições memoriais no ambiente da internet”, conta.
Ela lembra que nos anos 2000, durante a gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, houve uma construção de políticas públicas. “Entretanto, essa pujança, e apesar de todo o investimento aplicado nesses processos, resultou em poucas infraestruturas que permitissem às instituições darem esse salto em direção ao digital”, comenta.
Ainda segundo Luciana, falta também uma infraestrutura governamental, ou seja, de se ter espaço de armazenamento público para colocar os acervos dessas instituições museológicas. “Isso já é uma prática em outros países, mas ainda não existe no Brasil”, afirma e acrescenta que também é preciso profissionais capacitados, nessa esfera governamental, que possam fazer e apoiar essa transição para o universo digital. “O Ibram (Instituto Brasileiro de Museus) tem algumas tentativas nessa direção, incluindo um manual de acervos digitais que está disponível on-line, mas não há uma política pública estruturada para que isso aconteça”, revela a pesquisadora.
A deusa das constelações
Através do Tainacan – um software que leva um nome indígena e significa “a deusa das constelações” – o Museu do Ipiranga disponibiliza seu acervo na internet, facilitando a busca e o acesso às informações para os usuários. Segundo Luciana, o software gratuito permite a gestão e a publicação de acervos digitais na internet, pensado para a realidade das instituições culturais brasileiras.
“O Tainacan nasceu na Universidade Federal de Goiás como projeto de pesquisa universitário, da área da ciência da informação, que congrega a museologia e a biblioteconomia”, informa Luciana. “É um projeto que nasce dentro do potencial da cultura digital para democratização do acesso à informação”, reitera.
O Tainacan pode organizar, indexar, catalogar e tornar públicos na internet todos os tipos de objetos digitais – desde imagens, vídeos, PDFs e sons, como informa Luciana. O software permite, principalmente, a criação de links sobre essa informação catalogada. “É uma visão contemporânea do uso da tecnologia digital a serviço da informação”, diz Luciana.
Segundo ela, nunca se produziu tanta informação e de forma tão rápida, por isso a dificuldade está em conseguir organizar e encontrar essa informação. O Tainacan é um organizador de informações, mas foi preciso muita pesquisa a partir de outros repositórios digitais. Além disso, sua criação foi pensada a partir de duas premissas básicas: ser gratuito e de fácil uso, para servir às instituições culturais brasileiras.”
Para conhecer o acervo digital do Museu do Ipiranga acesse https://acervoonline.mp.usp.br
Texto retirado de Jornal da USP
Comentários