“Quem visita o magnífico parque na periferia e depois aspira, nos bairros elegantes da cidade, a podridão em que o abandono público o condenou. E assim entende perfeitamente o paradoxo enigmático entre civilização e barbárie nos conflitos de vaidade, poder e opressão ao longo da história humana. O caso do Mindu ilustra uma encruzilhada fatal ou vital. Ou removemos, em conjunto, os indicadores da barbárie, ou seremos privados da ventura civilizatória e emergencial de sua recuperação”.
Por Belmiro Vianez Filho – Colunista convidado
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Entre inícios de mandato ou no transcurso das campanhas eleitorais que determinam a caça furtiva da cidadania na captura do sufrágio a qualquer custo, os igarapés de Manaus tem seus raros dias de exaltação. E posteriormente, a reincidente frustração… Padece de sentido o fato de Manaus ser obrigada a colocar o Amazonas entre os maiores contribuintes da Receita. E, ao mesmo tempo, não ter autonomia política, ou liderança pública, para fazer da cidade um lugar coerente com a riqueza que produz.
Vamos tomar emprestado o simbolismo do Igarapé do Mindu, que resiste no imaginário de quem cresceu e se esbaldou em seu leito, límpido e refrescante. Sua existência urbana, em nossos dias, é trágica e mal-cheirosa. E quem quiser conhecer suas onde se forma, precisa descobrir onde fica o Parque Nascente do Mindu, distante 22 km no centro urbano, no bairro Cidade de Deus, na Zona Leste de Manaus, nas imediações do Museu da Amazônia – MUSA. O parque foi criado na gestão municipal de Serafim Corrêa (2005-2009), e ocupa 16 hectares, que se integram à Área de Proteção Ambiental, APA Adolpho Ducke, pertencente ao INPA, que foi transformada no maior museu ao ar livre do planeta, um tesouro Amazônia.
Quem visita o magnífico parque na periferia e depois aspira, nos bairros elegantes da cidade, a podridão em que o abandono público o condenou. E assim entende perfeitamente o paradoxo enigmático entre civilização e barbárie nos conflitos de vaidade, poder e opressão ao longo da história humana. O caso do Mindu ilustra uma encruzilhada fatal ou vital. Ou removemos, em conjunto, os indicadores da barbárie, ou seremos privados da ventura civilizatória e emergencial de sua recuperação.
O que mais assusta na visão de mundo da absoluta maioria dos homens públicos da Amazônia é essa atitude de virar as costas para seus rios e igarapés. E ficar de cócoras para a urgência sagrada de sua proteção. Por que o Tâmisa, em Londres, o Sena, em Paris, o Danúbio e o Volga, que cortam vários países europeus, foram recuperados e transformados em referenciais de turismo e de orgulho dos habitantes do lugar? O nome disso é civilização, enquanto o abandono do Mindu e demais igarapés de Manaus, o Tietê, em São Paulo e o Capibaribe, em Recife, são manifestações da barbárie urbana e humana que nos constrange e empobrece em sentido amplo.
Alguém ainda se recorda do Corredor Ecológico do Mindu, também da gestão Serafim, que não teve continuidade por parte de seu sucessor, o que significa a mais deplorável das venalidades públicas na troca de mandatos na história da República no Brasil. Um gestor que assume faz questão de descontinuar quaisquer das obras de seu antecessor, sob argumento mesquinho de sua vaidade que se dedica a tentar os acertos em favor da população.
Faltam dosagens urgentes de espírito público, sobretudo entre os eleitores na hora de confirmar ou cancelar a partir desse critério e conduta. Mais espírito público e menos investimentos absurdos em propaganda impulsionada pelos recursos públicos. O volume e o teor dessa propaganda execrável já denotam a ausência do espírito público nos gestores do interesse coletivo.
Em outras palavras, pouco adianta murmurar sobre a ausência de compromisso do gestor público com o tecido social. Eles foram escolhidos pela maioria e compete a essa maioria decidir se é este perfil que atende a suas aspirações. E, nesse contexto, qual seria a razão que o abandono de um patrimônio natural e cultural como o Igarapé do Mindu poderia virar critério de decisão eleitoral? O desafio é o mesmo que alimenta essa questão constrangedora que nos obriga a revelar: jamais um político agregou, nos compromissos eleitorais assumidos, ativos significativos para sua eleição.
Ora, se o mundo inteiro está atento à Amazônia e contrário a seu desmatamento, enquanto os países civilizados, aos trancos e barrancos, buscam reparar seus passivos de depredação ambiental, podemos descobrir que ainda é possível acreditar e, com todas as forças, lutar para virar a chave da destruição. Por que não sonhar e, a partir daí, acreditar que é possível recuperar a beleza, a alegria e a primazia do Igarapé do Mindu, sua paisagem, a aragem celestial que se respira em seus mananciais que ocorrem dentro de Manaus.
De quebra, esse exercício de ressurreição natural pode nos propiciar um renascimento pessoal, familiar e comunitário de que precisamos para seguir acreditando que a vida, a paisagem e a aragem está ao nosso alcance.
Belmiro Vianez Filho é empresário do comércio, ex-presidente da ACA e colunista do portal BrasilAmazôniaAgora e Jornal do Commércio
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