Movimentação da empresa de energia para exploração de petróleo na Foz do Amazonas abriga uma série de controvérsias e é o primeiro grande teste de compromisso ambiental no governo de Lula e da força política de Marina Silva
Um “passaporte para o futuro”. Foi assim que o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, descreveu o potencial da Margem Equatorial, novo alvo exploratório da Petrobras, que se estende das costas do Amapá até o Rio Grande do Norte.
Não por acaso, mas sobretudo por método, as palavras de Silveira foram as mesmas que saíram da boca do presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, em 2009, quando o petista “vendeu” a promessa do pré-sal– sob a lógica do ministro, afinal, a Margem Equatorial é o “novo pré-sal”, como ele disse.
Já o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, considera a Margem Equatorial como a maior área exploratória do país depois das descobertas da Bacia de Campos e do pré-sal. Até 2027, a petroleira pretende investir 2,9 bilhões de dólares (cerca de R$ 14,6 bilhões) e perfurar 16 poços naquela região, onde detém seis blocos. O que se espera com a empreitada é repetir o sucesso da ExxonMobil, que já acumula, desde 2015, mais de 30 descobertas no mar territorial da vizinha Guiana, que tem um perfil geológico semelhante.
Em vídeo enviado à imprensa, Prates disse que “com o resultado da fase de investigação e perfuração, a sociedade terá o direito de saber qual é o real potencial dessa área, e a partir daí vamos aprofundar o debate sobre a continuidade ou não do projeto”. Segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a Margem Equatorial tem reservas estimadas em 30 bilhões de barris de petróleo, com potencial de adicionar 1.106 milhão de barris/dia à produção nacional a partir de 2029.
Mas, se depender da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e do presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, a Petrobras não terá vida fácil. Ao aventarem a hipótese de exigir uma avaliação ambiental estratégica para licenciar o projeto, a pretensão da estatal em iniciar a perfuração do poço pioneiro Morpho, no litoral do Amapá, a 160 quilômetros da costa e com profundida de 2.800 metros, ficou mais distante. Até então, ela dependia apenas do aval do Ibama para realizar o simulado técnico pré-operacional, etapa prévia à licença.
“Eu estou olhando para esse desafio do petróleo na Foz do Amazonas do mesmo jeito que olhei para Belo Monte. É altamente impactante, e temos instrumentos para lidar com projetos altamente impactantes, que é o instrumento da avaliação ambiental integrada, da avaliação ambiental estratégica. Não pode ser licenciado como um caso isolado, temos que olhar para a bacia”, afirmou Marina à agência Sumaúma.
A Margem Equatorial engloba as bacias da Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar.
Multinacionais abrem mão da operação
No leilão realizado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em 2013, o consórcio formado pela TotalEnergies (40%), Petrobras (30%) e bp Energy (30%) arrematou cinco áreas na Bacia da Foz do Amazonas – FZA-M-57, FZA-M-86, FZA-M-88, FZA-M-125 e FZA-M-127. Além desses blocos, outro consórcio, integrado apenas pela bp (70%) e a Petrobras (30%), adquiriu o FZA-M-59. Nos cinco primeiros, a francesa TotalEnergies era responsável pela execução das atividades de prospecção e produção de óleo e gás, enquanto a britânica bp era a operadora do sexto bloco.
Mas por se tratar de uma região de nova fronteira exploratória que abriga um grande sistema de recife de coral descoberto em 2016 por uma equipe de cientistas, o Ibama não concedeu a licença ambiental para que a TotalEnergies e a bp Energy pudessem iniciar a perfuração de seus respectivos poços. À época, o órgão ambiental alegou que os planos de emergência individual apresentados por elas continham muitas incertezas relacionadas às ações para mitigar os impactos de um eventual derramamento de óleo.
Diante de inúmeras tentativas frustradas e da crescente pressão da organização de defesa do meio ambiente Greenpeace, as petroleiras britânica e francesa jogaram a toalha. A TotalEnergies não apenas transferiu a operação dos cinco blocos para a Petrobras, como também vendeu as suas participações neles para a estatal, que aumentou a sua fatia para 70% – a bp manteve os 30% restantes. A multinacional francesa optou por focar nas descobertas de petróleo que fez no Suriname, que, assim como a Guiana, é vizinho da Margem Equatorial.
Já no segundo consórcio, a bp permanece com 70% de participação contra apenas 30% da Petrobras, mas abriu mão de ser a responsável por operar o bloco FZA-M-59, mesmo sendo a sócia majoritária. A percepção é que o peso institucional da Petrobras, cujo sócio controlador é o governo brasileiro, a torna mais apta do que as demais petroleiras para conseguir a licença junto ao Ibama.
Ao assumir a operação das seis áreas, a Petrobras obteve uma “segunda chance”. Isso porque, em 2011, na última tentativa que fez de perfurar um poço no litoral do Amapá, as fortes correntezas da região arrastaram o navio-sonda responsável pela execução da campanha.
Mais tarde, em 2016, a ANP decidiu extinguir a concessão da petroleira para operar os blocos FZA-M-217 e FZA-M-252 por não cumprimento dos prazos contratuais. Sob alegação de que a demora para obter a licença ambiental tinha atrasado o cronograma, a estatal pediu mais tempo. A agência reguladora, contudo, negou o pedido.
Visões conflitantes
Diante da crise climática e dainvasão da Ucrânia pela Rússia, que vem abalando os alicerces da matriz energética global, o Brasil busca retomar o seu prestígio internacional através da agenda verde. Ao convidar Marina Silva para comandar a pasta do Meio Ambiente em seu terceiro mandato, Lula sinalizou o compromisso de reposicionar o país na diplomacia do clima e reconstruir as bases institucionais da política ambiental.
Marina já declarou publicamente que “a Petrobras não pode continuar a ser uma empresa de petróleo”. Sua visão colide com a estratégia de Jean Paul Prates, que defende a manutenção das atividades de petróleo e gás nos próximos anos para impulsionar a transição energética da companhia.
“Não vamos deixar de atuar no pré-sal e na Margem Equatorial”, disse Prates em uma coletiva de imprensa em março.
Marina x Petrobras
Ainda não é possível saber se Marina terá força para bancar a aposta e sair vitoriosa do embate com a Petrobras. Em 2008, na sua primeira passagem pelo ministério, ela pediu demissão do cargo. Em carta enviada à Lula, alegou que encontrava dificuldades “para dar prosseguimento à agenda ambiental federal”. Disse, ainda, que o presidente foi “testemunha das crescentes resistências encontradas por nossa equipe junto a setores importantes do governo e da sociedade”. Na ocasião, a pressão vinha do agronegócio, que insistia na revisão das medidas de combate ao desmatamento na Amazônia.
“Enquanto Marina Silva está tentando reestruturar o MMA [Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima], os representantes do ‘mercado’ que integram o MME [Ministério de Minas e Energia] querem acelerar a abertura da Foz do Amazonas”, denunciou Marcelo Laterman, ativista sênior do Greenpeace Brasil.
Segundo ele, “uma vez concedida a licença, será aberto um precedente perigoso para as demais petroleiras.
“É a fresta que a Shell, Chevron e todo o resto precisam para entrar no filão”, destacou.
Já o especialista em Conservação da organização WWF-Brasil, Ricardo Fujji, alerta que um eventual acidente poderia causar danos irrecuperáveis à região.
“Se o óleo atingir a costa, há pouco a fazer. Mesmo com planos emergenciais, grande parte do óleo derramado acaba não sendo recuperado”, explica.
Impactos já são sentidos
De acordo com Ricardo Fujji, os impactos da atuação da Petrobras no Oiapoque, no Amapá, já estão sendo sentidos pela população local em terra – e isso antes mesmo do início da exploração de petróleo em alto-mar.
“Já há tráfego de aeronaves e até planos para expansão do aeroporto da região”, disse. “Ali perto, há um lixão que atrai urubus. Como aviões e urubus não combinam, querem mover o lixão para perto da aldeia indígena. Por isso, defendemos a consulta livre, prévia e informada nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o que não foi feito”, argumenta.
A Convenção 169 da OIT é um tratado internacional adotado em 1989, sobre os direitos dos povos indígenas e tribais e as responsabilidades dos governos de proteger esses direitos.
A norma trata da situação de mais de 5 mil povos indígenas, que vivem em mais de 70 países em todas as regiões do mundo, e reconhece os direitos deles à terra e aos recursos naturais, e a definir suas próprias prioridades para o desenvolvimento.
Fonte: DW
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