Precisamos começar a retornar, pouco a pouco, a discussão para fatos e dados. Fora disso, seremos afogados por gritaria. Precisamos sair desta armadilha o quanto antes, pela nossa prosperidade econômica e saúde mental
Por Augusto Cesar Barreto Rocha
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É muito frequente textos que reclamam do momento da indústria no Brasil. Entretanto, os relatórios de desempenho da Zona Franca de Manaus (ZFM) divulgados recentemente, sobre o mês de janeiro de 2023, apresentam informações robustamente otimistas.
Será que conseguiremos começar a trocar o tom do noticiário econômico? Afinal, grande parte da economia é formada por profecias autorrealizáveis, onde se fala muito em crise, ganha-se a crise, mas também podemos ter o oposto.
O Polo Industrial de Manaus (PIM) cresceu 12,9% em janeiro de 2023, em dólar, frente ao mesmo mês de janeiro de 2022. O setor eletroeletrônico apresentou contundente variação de 31,92% de crescimento, enquanto o setor de duas rodas apresentou 57,88% de crescimento. Estes dois subsetores são alguns dos mais importantes da área industrial, em razão dos valores faturados: US$ 475 milhões e US$ 447 milhões, respectivamente. O setor de bens de informática faturou US$ 639 milhões, mas sofreu um decréscimo relativo ao todo (seu detalhamento ainda não foi publicado).
Os subsetores seguintes em importância de faturamento são tipicamente percebidos como componentes para outros produtos (termoplástico, químico e metalúrgico). Assim, fica a impressão de que as pessoas seguem a comprar mais bicicletas, motocicletas e eletroeletrônicos no país e isso certamente é um bom sinal. Claro que o faturamento projetado para o ano é muito inferior ao recorde de 2011, quando o PIM faturou mais de US$ 41 bilhões.
Por outro lado, há um entendimento que no (nosso) modelo neoliberal, em especial no Capitalismo Financeiro (que discuti na semana passada), convém manter a mídia com a impressão de uma constante crise. Para o Capitalismo Produtivo, que depende do otimismo para crescer a vontade de gastar nos consumidores, aumentando assim a sua produção e vendas, fica a impressão de que há elementos para um novo ciclo de bonança. Uns preferem otimismo, outros a crise para movimentar a volatilidade e os ganhos financeiros.
O PIM é um sinalizador para o sistema econômico nacional. Tipicamente percebem-se nele os primeiros sinais de otimismo ou de pessimismo. Há indicações das crises antes de elas se generalizarem, assim como há sinais de um período de crescimento chegando. Será que isso pode ser um indicativo? Há no meio de tantas boas notícias um saldo negativo para o emprego, com redução de 110.003 para 106.710 – dado muito adverso para um 1º de maio.
Como boa parte da produção do PIM depende muito mais de insumos importados do que de insumos nacionais, a recente apreciação do real frente ao dólar (ou derretimento do dólar nos mercados globais, conforme a ótica), pode indicar ainda a possiblidade de aumento da competitividade para os meses seguintes, apesar de previsões cambiais certeiras serem quase impossíveis.
O conjunto de dados de janeiro apresentam uma tendência de longo prazo? Difícil dizer, mas é fácil afirmar que janeiro foi um ótimo mês.
Como a indústria parece ter voltado para a pauta do interesse nacional, pode ser importante começar a fazer leituras mais detidas dos faturamentos dos diversos setores
Seria importante que indicadores industriais do país começassem a ser esmiuçados e detalhados, como no caso do PIM. Seria possível o Brasil começar a realizar a gestão de políticas setoriais. Há espaço para isso, uma vez que os sistemas de notas fiscais eletrônicas permitem facilmente esta mineração de dados.
Divulgar valores agregados mensalmente ajudaria muito na compreensão e no direcionamento de políticas públicas. A questão é que a discussão das políticas públicas no país está mais alicerçada no ódio, nos patrocínios e nos afetos políticos. Precisamos começar a retornar, pouco a pouco, a discussão para fatos e dados. Fora disso, seremos afogados por gritaria. Precisamos sair desta armadilha o quanto antes, pela nossa prosperidade econômica e saúde mental.
Augusto Rocha é Professor Associado da UFAM, com docência na graduação, Mestrado e Doutorado e é Coordenador da Comissão CIEAM de Logística e Sustentabilidade
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