O projeto da Hidrovia Paraná-Paraguai e seus impactos para o Pantanal motivaram a elaboração de artigo feito por mais de 40 pesquisadores que atuam na região em áreas como geografia, antropologia, dinâmicas de pesca, ecologia de população e hidrologia.
A Hidrovia Paraguai-Paraná (HPP) é um projeto para interligar Cáceres, no Mato Grosso, até Nueva Palmira, no Uruguai, totalizando cerca de 3.400km. Para sua construção, são exigidas obras de grande impacto como dragagem e retilinização de curvas dos rios, que podem gerar impactos irreversíveis para a dinâmica ambiental, social e econômica pantaneira. Entre os pontos onde são exigidas tais obras, estão regiões mais preservadas do Pantanal, como o Parque Nacional do Pantanal Matogrossense e a Estação Ecológica de Taiamã.
O material chama atenção para os possíveis impactos no Pantanal a partir da megaobra. Entre eles, estão alterações no pulso de inundação do Pantanal (períodos de cheia e seca), graves danos ecológicos e culturais, impactos sociais e econômicos. Os pesquisadores ressaltam também que há meios alternativos que geram menos impactos, como o sistema ferroviário.
A publicação foi liderada por Karl Matthias Wantzen, professor de Ecologia dos Rios e diretor da Unesco Rios e Patrimônios – Cultura Fluvial. Aguinaldo Silva, Ieda Bortolotto, Geraldo Damasceno e Rafael Chiaravalotti, membros do conselho da Ecoa e pesquisadores de renome em suas áreas de estudo, são alguns dos estudiosos que compõem a publicação.
André Nunes, Doutor em Ecologia e Conservação e diretor científico da Ecoa, também é um dos autores do artigo. Segundo o pesquisador, o trabalho teve como objetivo abordar os possíveis impactos da Hidrovia a partir de uma visão integrada de várias áreas de conhecimento.
“Nosso intuito é chamar atenção para os diversos impactos desse projeto, que há mais de 25 anos continua ressurgindo. O grupo de peso que escreveu o artigo é formado por pesquisadores de renome nacional e internacional, que trabalham em diferentes temas no Pantanal. Por isso, se juntaram para escrever sobre um assunto em comum que afeta todas essas áreas e o Pantanal como um todo”.
A ameaça da Hidrovia
O principal objetivo da megaobra é transportar soja e outras commodities agrícolas produzidas no Brasil, Paraguai e Bolívia em direção ao sul, para portos marítimos na Argentina e Uruguai, com intuito de exportação para a América do Norte, Europa e Ásia.
O intuito é criar condições para a navegação 24 horas por dia de navios com calado de até três metros, o que exige obras pesadas. Seria necessário explodir rochas, acabar com as curvas dos rios e aprofundar o leito do rio Paraguai.
A primeira versão do projeto foi planejada na década de 1980, mas depois de evidências fornecidas por cientistas, bem como cobranças da sociedade diante dos impactos irreversíveis e sistêmicos no Pantanal, a parte brasileira do projeto foi oficialmente rejeitada em 2000.
Entretanto, nos últimos anos a obra passou a ser executada em etapas, com a emissão de licenças para construção de portos a montante do Pantanal próximo a Cáceres (MT) e a jusante do Pantanal em Porto Esperança (MS), o que consequentemente força a criação da Hidrovia entre os dois pontos.
Pesquisadores chamam esse processo de fragmentação da megaobra de “tirania das pequenas decisões”. Apesar de seguirem trâmites legais, essas ações locais não consideram os impactos em cascata e cumulativos que podem causar para o Pantanal.
O principal argumento a favor da Hidrovia é que o transporte de commodities agrícolas por navegação reduziria custos e tempo em relação ao atual transporte rodoviário. Essa afirmação, no entanto, não considera os custos para o Pantanal em termos dos impactos ambientais e sociais negativos que já se tornaram evidentes. Há ainda a viabilidade de opções de menor impacto, como o sistema ferroviário.
Outro ponto importante é que, durante os períodos mais secos, o transporte por barcaça geralmente se torna impossível – e os níveis dos rios caíram com frequência nos últimos anos. Tal cenário se torna ainda mais instável diante das mudanças climáticas.
Durante as secas de 2019 a 2022, o transporte por barcaças de soja e minérios no rio Paraguai a jusante de Corumbá foi interrompido por baixos níveis de água, embora esse trecho seja naturalmente mais amplo e já tenha sido aprofundado por muitos anos de dragagem.
Originalmente publicado pela: ECOA
Comentários