Garimpeiros ilegais continuam a operar na Terra Indígena Yanomami, apesar de esforços governamentais e denúncias de lideranças indígenas sobre o risco à saúde e à segurança dos povos isolados e a contínua degradação ambiental.
Imagens evidenciam o retorno dos garimpeiros à Terra Indígena Yanomami. Durante o dia, foi possível observar máquinas de mineração operando sem restrições, despejando lama contaminada com mercúrio na mata e no rio Couto Magalhães, próximo à comunidade Paapiú. Essa situação remete aos anos anteriores, quando por longos períodos a exploração ilegal devastou a região e afetou gravemente o povo Yanomami. No início do ano, o governo de Lula implementou uma ampla operação humanitária na área, com a promessa de erradicar definitivamente a mineração ilegal. No entanto, parece que essas medidas foram ignoradas pelos invasores.
Em 27 de outubro, a Hutukara Associação Yanomami recebeu um vídeo de um indígena, cuja identidade permanece em sigilo por questões de segurança. Demonstrando bravura, ele se aproximou dos garimpeiros para registrar suas atividades ilegais. Do alto de um barranco, ele capturou imagens de um homem utilizando uma mangueira de alta pressão para deslocar terra, em uma área que antes era floresta. Vozes masculinas conversando em português foram ouvidas ao fundo.
“Eles estão destruindo os igarapés onde moramos. Eles [garimpeiros] voltou [voltaram] de novo. Estou pedindo denúncia urgente”, clamou o Yanomami. “Quero limpar minha terra.” Recentemente, o mesmo indígena enviou uma foto mostrando a qualidade da água de onde a comunidade Paapiú se abastece, evidenciando sua contaminação.
Resposta do Governo Federal
Em janeiro, uma foto de uma indígena desnutrida catalisou a ação do governo federal em resposta aos repetidos apelos de auxílio dos Yanomami. Pressionado pelos líderes da etnia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou Roraima com uma equipe de ministros. Lula assegurou: “O que eu posso dizer para você é que não vai existir mais garimpo ilegal e eu sei da dificuldade de tirar o garimpo ilegal. Eu sei que já se tentou outras vezes tirar e eles voltam, mas nós vamos tirar”, conforme relatado ao portal Amazônia Real. Durante a visita, o presidente presenciou a situação de centenas de Yanomami recebendo tratamento para malária e desnutrição na Casa de Saúde Indígena (Casai).
Reforço nas medidas de proteção
Nos meses seguintes, foram intensificadas as medidas para conter a mineração ilegal. O espaço aéreo sobre a TI Yanomami foi fechado, com ordens para interceptar aeronaves não autorizadas. Além disso, bases fluviais foram estabelecidas ao longo dos rios principais da região, e cabos de aço foram instalados para impedir a passagem de embarcações invasoras. O presidente Lula também fortaleceu a autonomia dos ministérios encarregados da proteção ambiental e dos povos indígenas. Em Boa Vista, ações foram aceleradas para salvar a vida de crianças desnutridas.
Persistência da atividade ilegal
Apesar dessas medidas, nove meses depois, as aeronaves dos garimpeiros retornaram, trazendo novas ameaças. Um vídeo de um helicóptero sobrevoando a área dos Moxihatëtëa, um grupo indígena isolado, foi divulgado nas redes sociais. Esse vídeo, que se tornou viral, mostra a continuidade da presença dos garimpeiros, que agem sem temer retaliações, desrespeitando os indígenas e ignorando as ações do governo. Durante a filmagem, os garimpeiros usam linguagem ofensiva e fazem piadas sobre os indígenas, dizendo “olha a flecha, olha a flecha, olha as flechas voando” e “Para quem nunca viu, olha lá os canibal [sic]”. Apesar da circulação desse vídeo em várias plataformas, ainda não houve pronunciamento das autoridades federais.
O vídeo original foi postado na segunda-feira (13) na conta @gusta_192 no TikTok, com a legenda “Indios canibal em Roraima #amazonia” (sic). Embora tenha sido removido no mesmo dia, a Hutukara Associação Yanomami conseguiu preservá-lo e redistribuí-lo. O perfil @gusta_192 contém outras postagens relacionadas ao uso de helicópteros e aviões na Amazônia. Em uma publicação de 6 de novembro, um indivíduo identificado como Silvestre é visto decolando de um acampamento de garimpo.
Os Moxihatëtëma, um subgrupo dos Yanomami, vivem isolados voluntariamente e são extremamente vulneráveis a doenças trazidas por não indígenas. Ênio Mayanawa, coordenador político de saúde indígena da Hutukara Associação Yanomami, expressa grande preocupação com a possibilidade de contaminação desses indígenas por doenças comuns em áreas urbanas, dada a falta de vacinação. Ele enfatiza a necessidade de respeitar o isolamento desses povos para sua proteção.
Reações à invasão garimpeira
O sobrevoo de garimpeiros sobre a área dos Moxihatëtëma foi documentado e entregue às autoridades federais pela Hutukara. Ênio explica que os Moxihatëtëma, que nunca tiveram contato com pessoas fora de sua comunidade, temem ser contaminados por doenças e reagem defensivamente a incursões externas. Estima-se que cerca de 150 pessoas residam na comunidade afetada pelo sobrevoo.
Júnior Hekurari Yanomami, líder indígena, ressalta que as ações dos garimpeiros provam a contínua violação dos direitos dos Yanomami, destacando o risco de confrontos e a introdução de doenças pela presença garimpeira.
Um vídeo recente mostrou uma aeronave acidentada na área do rio Mucajaí, evidenciando a persistência dos garimpeiros na região Yanomami. A Hutukara Associação Yanomami denuncia que a lentidão na remoção dos garimpeiros expõe a população a uma crescente violência. Ênio Mayanawa observa que, apesar dos esforços para remover os destroços da aeronave, novas aeronaves de garimpeiros rapidamente substituem as que se acidentam.
Pressão sobre os Moxihatëtëma
Os Moxihatëtëma, nos últimos anos, têm sofrido pressão de garimpeiros explorando ouro ilegalmente perto de suas comunidades. Até 2011, eles eram considerados extintos, mas foram redescobertos pela Funai em 2016. Júnior Hekurari Yanomami relata que um garimpo ativo está localizado a apenas 10 quilômetros de onde os Moxihatëtëma vivem, e enfatiza a necessidade de um monitoramento de segurança e saúde contínuo na Terra Indígena Yanomami.
Ênio Mayanawa enfatiza a necessidade de uma operação abrangente para combater a mineração ilegal, envolvendo os próprios Yanomami, que conhecem as localizações dos garimpeiros. Ele critica as medidas atuais, como patrulhas do Exército e sobrevoos da Força Aérea Brasileira (FAB), por serem ineficazes e sugere que apenas a destruição dos equipamentos dos garimpeiros não é suficiente para dissuadi-los permanentemente.
Críticas Yanomami à Força-Tarefa do Governo
Após nove meses de uma iniciativa federal para erradicar o garimpo ilegal, os Yanomami expressam frustração com a falta de diálogo efetivo. Eles enfatizam a necessidade de envolver as lideranças Yanomami em estratégias mais assertivas. Ênio Mayanawa expressa descontentamento com a abordagem atual, indicando a importância de colaboração direta com os Yanomami, especialmente após o recente sobrevoo em Moxihatëtëma.
A liderança Yanomami aponta a inatividade da Base de Proteção Etnoambiental (Bape) na Serra da Estrutura como um fator de risco para os indígenas isolados. Durante a administração de Jair Bolsonaro, a base foi negligenciada e explorada pelos garimpeiros. Sob o governo Lula, apesar de retomar o controle, a base permanece desativada. A ausência de resposta do Ministério dos Povos Indígenas sobre esta questão é notável.
Ênio destaca a persistência do garimpo nas comunidades Yanomami de Paapiú, Xitei, Homoxi, e em regiões fronteiriças com a Venezuela, como Waikás e Aracaçá. Essas últimas são áreas associadas ao crime organizado internacional. Apesar da presença de autoridades e forças policiais federais, a mineração ilegal continua ativa. Ênio sugere a construção de postos de fiscalização operados em conjunto com jovens Yanomami como uma solução potencial.
Junior Hekurari Yanomami relata um aumento significativo no movimento de helicópteros de garimpeiros entre agosto e outubro, indicando a continuação da mineração ilegal em várias áreas. Organizações Yanomami, como HAY, SEDUUME e Urihi, divulgaram um balanço pedindo por estratégias conjuntas com os Yanomami.
Desafios na luta contra o Garimpo Ilegal
Apesar dos esforços do governo federal para combater o garimpo ilegal, há uma resistência contínua por parte dos garimpeiros. A situação é agravada pelo apoio da classe política estadual aos garimpeiros, dificultando a desintrusão. A mineração na Terra Indígena Yanomami diminuiu com a intensificação da fiscalização, mas nunca cessou completamente. Os garimpeiros adaptaram suas práticas, ocultando-se durante o dia e operando à noite, conforme denúncias exclusivas da Amazônia Real.
A Força Aérea Brasileira, questionada pela agência de notícias, não respondeu aos pedidos de comentário. A Polícia Federal, por sua vez, respondeu protocolarmente, sem fornecer detalhes sobre investigações em andamento.
Com informações do Amazônia Real
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