Um estudo pioneiro realizado pela Fiocruz Amazônia, em colaboração com a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e o Instituto Francês de Pesquisa para o Desenvolvimento, revelou uma conexão significativa entre a coloração dos rios e a incidência de malária na região amazônica. Publicado no Malaria Journal, o estudo sugere que rios de coloração preta, como o Rio Negro, devido à sua acidez e menor teor de sedimentos, podem favorecer a proliferação do Anopheles darlingi, mosquito transmissor da malária.
A pesquisa, liderada por Fernanda Fonseca, vice-chefe do Laboratório de Modelagem em Estatística, Geoprocessamento e Epidemiologia da Fiocruz Amazônia, e coautorada por especialistas da área de Saúde Pública da Fiocruz, Naziano Filizola (Inpa), Jean-Michel Martinez (Instituto Francês), e James Dean Santos (Ufam), destaca a relação inversa com rios de águas brancas, que são turvos e barrentos, como Solimões e Amazonas, onde a incidência de malária é menor.
Os resultados são particularmente notáveis, pois foram baseados em análises abrangentes, cobrindo 50 dos 62 municípios do Amazonas. Utilizando imagens de satélite do Google Earth, dados do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH), da base de dados do Observatório do Ambiente, Pesquisa em Hidrologia e Geodinâmica da bacia Amazônica, e do Sistema de Vigilância Epidemiológica de Malária (Sivep-Malária) do Ministério da Saúde, os pesquisadores puderam identificar locais com maior risco de transmissão da doença. Essa descoberta é crucial para o planejamento de ações de controle da malária na região.
Segundo Fernanda Fonseca, a pesquisa, destacada em uma recente reportagem da revista Forbes, foi conduzida em uma região com diversidade hidrográfica suficiente para contrastar as diferentes cores dos rios, abrangendo quase a totalidade do Estado do Amazonas. Esse estudo representa um avanço significativo no entendimento da malária na Amazônia, abrindo caminho para estratégias mais eficazes de combate à doença
Conexão entre cor dos rios e malária na região amazônica
A pesquisa, que analisou dados de 2003 a 2019 em 50 municípios do Estado do Amazonas, indica que rios de água preta, como o Rio Negro, têm maior probabilidade de incidência da doença em comparação com rios de água branca ou mista.
O estudo destacou a importância dos rios no ciclo de vida da malária, pois o vetor da doença, o mosquito Anopheles darlingi, se reproduz em ambientes aquáticos. As diferenças nas características químicas das águas dos rios, influenciadas pela geologia, vegetação, decomposição de organismos e clima, foram consideradas fatores chave no estudo.
Os resultados mostraram uma probabilidade de 99% de maior incidência de malária em rios de água preta, em comparação com rios de águas brancas e mistas. Essa descoberta é crucial para a compreensão e o controle da malária na região, especialmente considerando a situação epidemiológica desafiadora do Brasil, que, juntamente com Venezuela e Colômbia, foi responsável por cerca de 80% dos casos de malária nas Américas em 2021.
O epidemiologista Jesem Orellana, do Legepi/Fiocruz Amazônia, ressaltou a importância do estudo interdisciplinar, que combina conhecimentos de hidrologia, geoprocessamento, sensoriamento remoto, estatística e epidemiologia. Esta abordagem inovadora é essencial para a compreensão mais ampla de problemas sanitários complexos, como a eliminação da malária.
Apesar dos esforços do Programa Nacional de Controle da Malária, o Amazonas enfrentou um aumento de casos em 2021, com 17,4% mais casos do que o esperado. O agravamento da situação epidemiológica é evidenciado pelo fato de que 14 dos 29 municípios amazônicos classificados como de alto risco pelo Ministério da Saúde estavam no Amazonas em 2021.
A pesquisa utilizou métodos avançados, como a inferência bayesiana e modelos dinâmicos, para a análise dos dados. Segundo o pesquisador Antonio Balieiro, a contribuição do professor James Dean, da Ufam, foi fundamental para o desenvolvimento de um modelo estatístico específico para a pesquisa.
Os autores esperam que os resultados do estudo contribuam para melhorar o controle e a eliminação da malária, ampliando o conhecimento sobre áreas de maior risco de transmissão. Fernanda Fonseca afirma que os resultados podem ser aplicados a regiões com características sanitárias e hidrológicas semelhantes às da Amazônia brasileira, destacando o impacto potencial do estudo na saúde pública global.
*Com informações PODER 360
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