As comunidades ribeirinhas e tradicionais localizadas em reservas extrativistas da Amazônia Legal não representam uma ameaça para espécies de aves e mamíferos frequentemente alvos de caça para subsistência, conforme uma pesquisa recente divulgada na revista Biological Conservation.
No entanto, o estudo, encabeçado pelo analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Ricardo Sampaio, sugere a promoção de estratégias de manejo para minimizar impactos negativos. Dentre as medidas propostas, destacam-se a redução do consumo de espécies sensíveis e a proibição do comércio de carne de caça nas zonas urbanas. Essa intervenção seria particularmente relevante em regiões de florestas de terra firme, onde fontes de proteína aquática são escassas ou inexistentes.
A pesquisa, desenvolvida no âmbito de doutorado de Sampaio, revelou que a diminuição da chamada “abundância” (quantidade de indivíduos das espécies) ocorre até 5 quilômetros de distância das comunidades humanas. Ao longo do estudo, 720 armadilhas fotográficas foram instaladas em 100 comunidades locais, abrangendo nove áreas protegidas de uso sustentável na região centro-oeste da Amazônia brasileira. A investigação gerou registros de 29 espécies de mamíferos e aves pesando mais de cinco quilos.
Importante notar que áreas onde a população tem acesso ao manejo sustentável de pescados, como o pirarucu na região do Médio Purus e do rio Juruá, exibem tendência de redução da pressão de caça sobre espécies terrestres.
Sampaio, ao comentar sobre os resultados, afirmou: “Detectamos que as comunidades humanas têm um impacto reduzido na biodiversidade, desmistificando discussões que questionam o papel de unidades de conservação de uso sustentável para a proteção da biodiversidade.”
Os achados surgem em um momento em que a Amazônia retoma o protagonismo nas discussões ambientais. Recentemente, foi lançada a Declaração de Belém, assinada pelos líderes dos países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que reforça a necessidade de aumentar as reservas de vegetação nativa.
Para Sampaio, os resultados da pesquisa são práticos e fornecem uma base sólida para a formulação de políticas públicas: “Agora o desafio é sensibilizar os gestores sobre esses resultados e trazê-los para a prática.”
O estudo foi apoiado pela FAPESP e coordenado pelo pesquisador Ronaldo Gonçalves Morato. Também assinam o artigo Adriano Garcia Chiarello, da Universidade de São Paulo (USP), e Carlos Augusto Peres, da University of East Anglia (Reino Unido), recentemente premiado pelo Frontiers Planet.
A pesquisa traz uma visão renovada sobre a coexistência harmoniosa entre comunidades tradicionais e a conservação da biodiversidade, ressaltando o potencial das práticas de manejo sustentável na região amazônica.
Caça de subsistência na Amazônia: pressões e impactos na biodiversidade
A Amazônia, uma das florestas tropicais mais ricas em biodiversidade do mundo, está sob crescente pressão devido à caça de subsistência. Recentemente, um estudo extenso, que utilizou armadilhas fotográficas, examinou as respostas da população de vertebrados a esta atividade na região.
O estudo, uma das maiores iniciativas do tipo, aponta que a diminuição de animais é, em grande parte, resultado da intensificada pressão de caça próxima às comunidades. Além disso, outros fatores, como a maior incidência de incêndios, extração de madeira e a presença de cachorros domésticos usados para caça, podem afastar os animais das comunidades. Esta tendência foi observada em 13 espécies avaliadas.
Em um exemplo prático da influência da pesquisa na tomada de decisões, Ricardo Sampaio, um dos líderes do estudo, citou um trabalho de campo em uma comunidade na região do Rio Liberdade, no Acre. Diante de um debate local sobre o uso de cachorros para caçar, os pesquisadores instalaram armadilhas fotográficas em áreas que permitiam e proibiam tal prática. As imagens capturadas revelaram uma maior presença de animais selvagens na área sem cachorros.
“Na reunião havia mulheres, crianças, lideranças locais. Mesmo morando em áreas de floresta, muitos viram pela primeira vez algumas espécies animais por meio das imagens das armadilhas”, destacou Sampaio. Esta descoberta levou a comunidade a decidir coletivamente não usar mais cachorros na caça. Posteriormente, essa resolução foi incorporada ao plano de manejo da área de conservação, cujas regras são estabelecidas pela própria comunidade.
As Reservas Extrativistas (Resex) são criadas para proteger o modo de vida e a cultura das populações tradicionais, incluindo ribeirinhos, indígenas e quilombolas. Elas asseguram o uso sustentável dos recursos naturais. Embora essas comunidades possam basear sua subsistência em atividades extrativistas, a caça amadora ou profissional é estritamente proibida nestas áreas.
Concluindo, Sampaio enfatiza a importância de combinar o conhecimento científico com o tradicional das populações locais. Ele acredita que tal abordagem integrada é essencial para garantir tanto a conservação da biodiversidade quanto o bem-estar das comunidades da Amazônia.
*Com informações Agência Fapesp
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