“A esperança, a mais onírica das virtudes, é uma mola para acreditar e realizar. A maior das inspirações. É assim que a Arte revela sua linguagem, sua verdade, a força de sua crítica, sua mensagem de paz e de alento. A esperança de que a vida pode ser preservada, partilhada e melhor.” E.M.
Conversa com Alfredo Lopes
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Ao desembarcar a primeira vez na Amazônia – ainda movida pela curiosidade de uma turista – meu olhar foi romântico, de muito encanto e inquietação. Inesquecível reação estética diante da paisagem natural das matas e das águas. Estava ali para desvendar as perguntas de uma Amazônia que habita no imaginário de todos nós. O primeiro sentimento diante do imensurável foi a gratidão, aquela que nos toma de assalto quando nos deparamos com a gratuidade do Absoluto. Até então, estava ali diante da Amazônia que iria em seguida deixar e retomar minha jornada de todos os dias, bem longe daqui.
Por ironia, ou por uma conexão que se estreitou e não deu para evitar, na vez seguinte, quando voltei já foi para ficar. Foi uma escolha. Com todo o frisson que as escolhas nos causam, quando são decisões que implicam em mudar nossas vidas. É doce poder dizer com todas as letras e emoções prazeirosas que eu escolhi ficar e viver numa cidade situada no meio da floresta, justamente em seu coração. A floresta mais icônica de que temos notícia em todo o universo.
Sobra floresta e faltam estradas
No começo, algo me incomodou. Percebi as dificuldades locais para conjugar o verbo “pegar a estrada”. Essa alternativa libertária da absoluta maioria dos brasileiros de ir e vir pelo país e pelo mundo afora, com a família ou com amigas, desfrutando paisagens e lugares sem ansiedade. Rapidamente, descobri que isso significaria conviver com o descaso crônico com que o país trata a Amazônia, com uma entrega injusta à vista dos benefícios que ela propicia a todos nós e ao planeta.
Acrílica sobre tela Floresta. A floresta é nítida mas não é óbvia, onde o observador encontra uma cachoeira, o espetáculo permite o resultado contemporâneo.
As opções do desenvolvimento socioeconômico da Amazônia precisam ser revisitadas. Basta ver as alternativas de geração de riquezas. Os investidores que aqui desembarcam precisam disputar mão-de-obra com atividades informais, nem sempre amparadas pela Lei. A violência generalizada, a relação predatória com a floresta, o desmatamento, as queimadas criminosas, interesses ocultos de grupos organizados em torno de atividades marginais, isso não é cuidar da Amazônia. Distorções como o garimpo ilegal em terras púbicas, em reservas indígenas, a contaminação os rios e a depredação do meio ambiente precisam ser interrompidos.
Crise humanitária
A depredação da floresta, fruto da pilhagem gananciosa, a opção pelos lucros rápidos, tem comprometido a qualidade do clima, agravando o aquecimento do planeta. As queimadas criminosas destruíram a qualidade do ar e tornaram o calor insuportável. Com o aquecimento do solo e do ar, a estufa natura, potencializa a produção de fungos e bactérias, a rápida disseminação de viroses, com danos para a saúde da população e do meio ambiente.
Acrílica sobre tela Preservação. O título antagônico leva a reflexão sobre a devastação. A presença do sol remete a certa melancolia daquilo que já foi e a esperança de um “vir a ser”, o reflorestamento
Estamos em meio a maior seca da história e obviamente isso é consequência da devastação. São toneladas de peixes mortos, o pão de nossas famílias, contaminação das águas que restaram da vazante. O maior reservatório mundial de água doce sem água potável para as comunidades isoladas pela crise humanitária que a seca dos rios impôs.É inconcebível testemunhar um lugar tão rico de recursos naturais, onde as pessoas têm suas plantações e casas queimadas por grileiros e outros vigaristas que incendeiam a floresta por razões deploráveis.
A Esperança e a Arte
Historicamente a irracionalidade e a ganância de algumas pessoas sempre deflagraram a destruição e o sofrimento das demais. Falta-nos a noção do pertencimento. A natureza somos nós, é a nossa casa comum e, ao destruí-la, nos destruímos também. E aqui comparece a obra de arte, o impulso pela Vida, no esplendor de sua Beleza universal. A escolha pela Arte é nossa resposta à tentação absurda do caos, às ações nefastas da existência, da miséria humana que depreda, queima, destrói.
Acrílica sobre lona Ethnos. Representa as etnias do Amazonas, cada rostinho com uma personalidade singular. Para ela, “se houver preservação, vai haver piracema, borboletas azul, rio mar”. Alem das obras, os títulos das obras falam por si. “Tem uma também muito interessante chamada Etnos que estou colocando vários rostos que lembra nossas bases étnicas, os povos originários”.
A arte é sempre uma suspensão da caminhada, uma parada obrigatória para respirar e repensar a vida sobretudo quando ela na iminência da destruição.
Minha obstinação diária é pensar em formas de chamar a atenção para a preservação da vida na terra, a perenização da fauna, da flora e da condição humana em seus múltiplos recortes. Em cada olhar, na comunhão das cores e dos afetos
Sempre busco agregar um traço de esperança nas obras e nos recortes da realidade. A esperança, a mais onírica das virtudes, é uma mola para acreditar e realizar. A maior das inspirações. É assim que a Arte revela sua linguagem, sua verdade, a força de sua crítica, sua mensagem de paz e de alento. A esperança de que a vida pode ser preservada, partilhada e melhor.
Notas do Editor Alfredo Lopes
Eliane Mezari foi convidada para participar da exposição em Liechtenstein, um pequeno e bucólico país entre a Áustria e a Suíça. Começou a preparar a demanda, mas não teve tempo hábil para terminá-la. Eram muitos detalhes. O tempo foi curto. Fez outra mais simples para ser enviada.
A partir daí Amazônia em Recortes foi sendo construída. São 13 obras, e uma exposição bem leve, são recortes, lembranças da Amazônia. Uma das obras é intitulada Preservação, essa obra lembra muito as queimadas, tem uma beleza nostálgica que dialoga com as demais.
Para ela, “se houver preservação, vai haver piracema, borboletas azul, rio mar”. Alem das obras, os títulos das obras falam por si. “Tem uma também muito interessante chamada Etnos que estou colocando vários rostos que lembra nossas bases étnicas, os povos originários”.
Informações sobre exposição Amazônia em recortes
- Local: AV. Darcy Vargas, Nº 96 – Chapada
- Data: 28/10/2023 de 14 às 18:00h
Eliane Mezari é artista plástica e psicóloga
Alfredo Lopes é filósofo, consultor do CIEAM e editor-geral do portal BrasilAmazoniaAgora
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