Hoje, na abertura da Cúpula da Amazônia, em Belém, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva trouxe à tona palavras eloquentes e inspiradoras sobre a necessidade urgente de cooperação entre os países que compõem a região da Amazônia. Esta foi uma reunião emblemática, uma vez que fazia 14 anos que estas nações, membros da Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia (OTCA) – incluindo Bolívia, Colômbia, Peru, Guiana, Venezuela, Equador e Suriname – não se encontravam.
O presidente brasileiro foi firme em seu alerta sobre o “severo agravamento da crise climática” e a necessidade de ampliar a cooperação entre os países amazônicos. Ao longo de seu pronunciamento, Lula traçou um quadro de esperança e comprometimento, reiterando a relevância da transição energética justa, da industrialização e infraestrutura verdes, da sociobioeconomia e das energias renováveis.
No entanto, enquanto as palavras do presidente traziam otimismo, uma incoerência pairava no ar. Lula, apesar de suas declarações inspiradoras, tem consistentemente apoiado a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Seus posicionamentos públicos, inclusive os mais recentes, refletem um apoio contínuo a essa exploração. Isso levanta a questão: para quem será essa transição energética justa?
Os povos indígenas e tradicionais, que há gerações têm vivido e protegido o bioma amazônico, esperam por respostas claras e ações concretas. No equilíbrio entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental, onde se situa o verdadeiro compromisso do presidente Lula?
A Floresta Amazônica, segundo o presidente, deve ser vista não como um “depósito de riquezas”, mas sim como uma região de grande importância ecológica e social. Ele ressaltou a importância de superar as desconfianças internacionais e de trabalhar em cooperação com outros países, visando o desenvolvimento sustentável.
Em uma crítica clara às práticas passadas e à percepção internacional do papel da América do Sul, Lula destacou o desafio histórico que a região enfrentou como fornecedora de matéria-prima para o sistema global. “A transição ecológica justa nos oferece a oportunidade de reverter esse cenário”, afirmou o presidente. Ele ainda ressaltou a visão de que “a Amazônia é nosso passaporte para uma nova relação com o mundo”, destacando o desejo de uma relação internacional mais equilibrada, onde os recursos da região sejam valorizados e beneficiem a todos.
Além da discussão sobre a preservação, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi alvo de críticas. Lula acusou o governo anterior de tornar o Brasil “um pária entre as nações”, ao mesmo tempo que permitia o aumento do desmatamento na região. “A crise política que abalou o Brasil levou ao poder um governo negacionista, resultando em consequências nefastas”, afirmou.
Como contrapartida ao cenário que descreveu, Lula enfatizou os esforços do seu governo para conter a ação de redes criminosas na Amazônia. Ele destacou a capacidade do Brasil de promover o crescimento econômico sem causar danos à floresta, citando o aumento da produtividade agrícola na região como exemplo.
Este evento em Belém deixa claro o compromisso renovado do atual governo com a sustentabilidade e a busca por relações internacionais mais equitativas, visando a valorização dos recursos e a proteção da maior floresta tropical do mundo.
O que se espera após a Cúpula da Amazônia é que as palavras transformem-se em ações concretas. A Amazônia, como pulmão do mundo e casa de diversas culturas ancestrais, merece não apenas promessas, mas um futuro seguro e sustentável.
Leia o discurso na íntegra
“É uma grande satisfação recebê-los em Belém! Foi nesta mesma cidade que, em 23 de outubro de 1980, se realizou a primeira reunião de chanceleres do então recém-criado Tratado de Cooperação Amazônico.
Retornamos hoje [quase 43 anos depois] a Belém para voltar a pensar e agir juntos. A partir desta Cúpula, nasce um novo sonho amazônico para a região e o mundo. Durante muito tempo, nos impuseram sonhos alheios. Por quase 500 anos, a Amazônia foi vista como uma barreira entre nossas sociedades. O preconceito e o extrativismo predatório alimentaram a violência contra os povos indígenas e estimularam a pilhagem dos recursos naturais. Da borracha aos minérios, sucessivos ciclos econômicos geraram prosperidade para poucos e pobreza para muitos.
Junto com a ocupação desordenada, os tratores e as motosserras veio a destruição ambiental. Nossas sociedades não souberam encontrar o equilíbrio entre o crescimento e a sustentabilidade, nem respeitar os saberes e direitos dos povos do campo, da floresta e das águas. No Brasil, a partir da redemocratização, buscamos corrigir o rumo, valorizando o bioma e seus habitantes.
A Constituição de 1988 introduziu (em seu artigo 225) o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Também instituiu o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A Floresta Amazônica foi definida como patrimônio nacional. Nos anos seguintes, ainda com muitas dificuldades, houve avanços no monitoramento da floresta, na demarcação de Terras Indígenas na regularização fundiária.
Criamos um ministério específico para o meio ambiente. Lançamos satélites que ampliaram nossa coleta de dados ambientais. Aprimoramos a fiscalização e criamos novas leis ambientais. Em meus governos, intensifiquei esses esforços. Entre 2004 e 2012, reduzimos o desmatamento na Amazônia em 83% e evitamos que 4 bilhões de toneladas de CO2 fossem emitidas na atmosfera.
Essa foi a maior contribuição feita por um país para redução dos gases de efeito estufa oriundos do desmatamento até hoje. E, ao mesmo tempo, conseguimos aumentar a produtividade agrícola na região, mostrando que é possível crescer sem derrubar a floresta. Não resolvemos todos os problemas, mas começamos a trilhar um caminho mais justo e sustentável. No entanto, a crise política que se abateu sobre o Brasil e levou ao poder um governo negacionista com consequências nefastas.
Meu antecessor abriu as portas para os ilícitos ambientais e o crime organizado. Os índices de desmatamento voltaram a crescer. Suas políticas beneficiaram apenas uma minoria que visa o lucro imediato. Na tribuna da ONU, o Brasil ressuscitou noções de um nacionalismo primitivo e responsabilizou “índios e caboclos” pelas queimadas provocadas pela ação humana. Nos tornamos um pária entre as nações e nos afastamos de nossa própria região. Os que sempre atuaram em prol da preservação ambiental e dos direitos humanos foram perseguidos e atacados. Perdemos, de forma violenta, diversas lideranças que lutaram contra a destruição e o descaso.
Os que mais sofreram foram os indígenas e outros povos tradicionais. A invasão da terra ianomâmi por garimpeiros evidenciou o desprezo pela vida humana e pelo meio ambiente. A criação do Ministério dos Povos Indígenas, comandado por uma ministra indígena, o primeiro na história do Brasil, simboliza o nosso compromisso com a reparação à invisibilidade a que foram submetidos os povos originários em nosso país.
Senhoras e senhores, felizmente, pela decisão soberana do povo brasileiro e seu compromisso com a democracia, conseguimos virar essa triste página da nossa história. Queremos retomar a cooperação entre nossos países e superar desconfianças. Queremos reconstruir e ampliar nossos canais de diálogo. Isso requer mudar não apenas a compreensão da Amazônia, mas também sua realidade.
A Amazônia sul-americana é a maior floresta tropical do mundo, uma reserva de biodiversidade incomparável, e a mais extensa bacia hidrográfica do planeta. Sua área corresponde a uma vez e meia a da União Europeia. Ela contém 10% de todos as plantas e animais conhecidos. A cada dia, em média, uma nova espécie é descoberta nessa floresta. Juntos, seu solo e vegetação armazenam 200 bilhões de toneladas de carbono, o que a faz essencial para um clima estável para todo o planeta.
Mas a Amazônia não é só feita de flora e fauna. São 50 milhões de pessoas espalhadas pelo seu vasto território e entre metrópoles como Belém, Manaus e Santa Cruz de la Sierra. Cidades médias como Florência, Ciudad Bolivar e Iquitos. E milhares de vilarejos e aldeias. São 400 povos indígenas, que falam mais de 300 idiomas.
Para entendermos esse lugar, precisamos ouvir quem já o conhece bem. O sonho amazônico tem que estar enraizado na ciência e nos saberes produzidos aqui. E tem que juntar todos os atores na busca por soluções. Para resolvermos os problemas da região, precisamos reconhecer que ela também é um lugar de carências socioeconômicas históricas. Não é possível conceber a preservação da Amazônia sem resolver os múltiplos problemas estruturais que ela enfrenta.
A Amazônia é rica em recursos hídricos, mas em muitos lugares falta água potável. A despeito da sua grande biodiversidade, milhões de pessoas na região ainda passam fome. Redes criminosas hoje se organizam transnacionalmente, aumentando a insegurança por toda a região.
Estamos empenhados em reverter esse quadro. Já podemos ver resultados. Os alertas de desmatamento na Amazônia tiveram uma redução de 42,5% nos primeiros sete meses deste ano. Assumimos o compromisso de zerar o desmatamento até 2030. Vamos estabelecer, em Manaus, um Centro de Cooperação Policial Internacional para enfrentar os crimes que afetam a região. O novo Plano de Segurança para a Amazônia vai criar 34 novas bases fluviais e terrestres, com a presença constante de forças federais e estaduais.
O apoio das Forças Armadas, sobretudo na faixa de fronteira, também será essencial nesse esforço. Ele também permitirá a futura criação de um sistema integrado de controle de tráfego aéreo na região amazônica. Meu governo está engajado no desenho de uma transição justa. Vamos planejar o crescimento apostando na industrialização e infraestrutura verdes, na sociobioeconomia, e nas energias renováveis.
O Brasil desempenhará papel central na transição energética, liderando a produção de fontes limpas como a energia solar, a biomassa, o etanol e o hidrogênio verde. Com o Programa Nacional de Florestas Produtivas, vamos fomentar a restauração de áreas degradadas e a produção de alimentos, com base na agricultura familiar e nas comunidades tradicionais.
Em maio, enviamos ao Congresso, para ratificação, o Acordo de Escazú, instrumento da América Latina e do Caribe que irá ajudar a garantir os direitos dos defensores do meio ambiente e o acesso à informação. Queremos que os benefícios desses esforços sejam compartilhados com nossos vizinhos. O Tratado de Cooperação Amazônica que firmamos em 1978 é a principal plataforma para enfrentarmos juntos estes desafios. Buscando o desenvolvimento harmônico entre nossos oito países, e respeitando a soberania de cada nação.
Com base neste acordo, fundamos o primeiro bloco socioambiental do mundo, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Nossa missão agora é dotá-la de recursos próprios e de um programa de ação mais amplo. A criação de uma instância de Chefes de Estado será essencial para manter o tema da Amazônia no mais alto nível político.
A revitalização do Parlamento Amazônico permitirá ampliar o diálogo em sintonia com a sociedade. Daremos atenção especial às mulheres, que estão na linha de frente da defesa das comunidades e do meio ambiente, aos jovens, que trazem novas ideias e olhares, e aos povos indígenas, que nos ensinam a preservar a floresta. Esse fortalecimento institucional será fundamentado na ciência. O Observatório Regional Amazônico, que reúne dados sobre temas como recursos hídricos, saúde, biodiversidade e mudança do clima, fornecerá insumos para nossas políticas públicas e iniciativas de cooperação.
Estamos criando o Painel Técnico-Científico Intergovernamental, que vai juntar cientistas e especialistas da Amazônia para fundamentar nossas decisões, em colaboração com outros painéis científicos internacionais. A Declaração Presidencial desta Cúpula mostra que o que começamos em Letícia e agora consolidamos em Belém não é apenas uma mensagem política: é um plano de ação detalhado e abrangente para o desenvolvimento sustentável na Amazônia.
A Amazônia não é e não pode ser tratada como um grande depósito de riquezas. Ela é uma incubadora de conhecimentos e tecnologias que mal começamos a dimensionar. Aqui podem estar soluções para inúmeros problemas da humanidade – da cura de doenças ao comércio mais sustentável.
A floresta não é um vazio a ser ocupado, nem um tesouro a ser saqueado. É um canteiro de possibilidades que precisa ser cultivado. Sem ela, a América do Sul que conhecemos não existiria. Dela depende o regime de chuvas que sustenta a vida e mantém a maior parte de nossas atividades econômicas.
A floresta nos une. É hora de olhar para o coração do continente e consolidar, de uma vez por todas, nossa identidade amazônica. Além de lidar com os desafios na nossa região, isso nos permitirá enfrentar uma ordem global cada vez mais incerta. Em um sistema internacional que não foi construído por nós, foi nos reservado historicamente o lugar subalterno de fornecedores de matérias-primas. A transição ecológica justa nos permite mudar esse quadro.
A Amazônia é nosso passaporte para uma nova relação com o mundo – uma relação mais simétrica, na qual nossos recursos não serão explorados em benefício de poucos, mas valorizados e colocados a serviço de todos (!!!) Que os Diálogos Amazônicos sejam um marco na retomada da interação entre as sociedades e os governos da nossa região.
É preciso valorizar o papel dos prefeitos, governadores e parlamentares. Não se faz política pública eficaz sem participação de quem conhece o território. Espero que cada pessoa, cada cidade, cada rio e cada árvore da nossa vasta floresta encontre seu lugar nessa visão de uma nova Amazônia que nasce a partir desta Cúpula. Vamos deixar para nossos descendentes um legado de bem-estar, prosperidade e justiça social.
A Amazônia será o que nós quisermos que ela seja. Uma Amazônia com cidades mais verdes, ar mais puro, rios sem mercúrio e a floresta em pé. Uma Amazônia com comida na mesa, trabalho digno e serviços públicos ao alcance de todos. Uma Amazônia com crianças mais saudáveis, migrantes bem acolhidos, indígenas respeitados e jovens mais esperançosos. Uma Amazônia que desperta e toma consciência de si mesma.
Esse é o nosso sonho amazônico.
Muito obrigado.
*Com informações ESTADÃO
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