Um recente estudo do Instituto Federal Goiano identificou a morte de líquens decorrente da exposição ao herbicida glifosato em uma Área de Preservação Permanente (APA) localizada em Caiapônia, Goiás. O achado destaca os riscos ambientais associados ao uso desse agrotóxico, o mais consumido no Brasil e no mundo.
Os líquens, organismos resultantes da associação simbiótica entre fungos e algas, atuam como bioindicadores da qualidade do ar. Segundo Luciana Vitorino, doutora em Microbiologia e pesquisadora do Instituto, “a presença dos líquens indica boas condições atmosféricas. Sua ausência sugere que as condições do ar não estão adequadas”.
A pesquisa foi realizada em uma propriedade privada dedicada ao monocultivo de cana-de-açúcar, onde a APA se encontra. Mesmo os líquens coletados no centro desta área, onde supostamente não haveria exposição direta ao herbicida, mostraram efeitos da contaminação. As análises revelaram uma proporção direta entre a morte das células dos líquens e a exposição ao glifosato.
O foco nos líquens emergiu após descobertas anteriores da presença de cádmio, um dos metais pesados contidos no glifosato, em amostras desses organismos coletados nas proximidades de outras APAs em Goiás. Em 2018, o alerta se intensificou ao se detectar a contaminação no Parque Nacional das Emas, uma área de proteção integral onde a presença desse tipo de contaminação seria improvável.
Biomarcadores de poluição por glifosato em amostras de líquens. Imagem: reprodução
Os resultados apontam para a contaminação por efeito de deriva, fenômeno que dispersa os agrotóxicos para além das áreas de aplicação, principalmente devido à pulverização aérea. “Os estudos anteriores comprovaram a contaminação em áreas de conservação. O atual revela como os líquens são afetados”, esclarece Vitorino.
O desafio agora é entender o impacto mais amplo desta contaminação no bioma Cerrado. O glifosato, primordialmente usado em cultivos como soja, milho e cana-de-açúcar, representa cerca de 70% dos agrotóxicos aplicados nesta região.
O estudo é um alerta sobre a necessidade de reavaliar as práticas agrícolas atuais, considerando os efeitos colaterais no meio ambiente, particularmente em áreas de conservação.
Glifosato afeta fotossíntese dos líquens e alerta sobre uso intenso de agrotóxicos no Cerrado
Além de evidenciar a morte de líquens devido à exposição ao glifosato, a pesquisa do Instituto Federal Goiano destaca outro preocupante impacto desse herbicida: sua capacidade de comprometer a fotossíntese desses organismos, um processo vital para sua sobrevivência. A fotossíntese é responsável pela conversão da luz solar em energia química, que alimenta e fornece oxigênio ao organismo.
A análise de fluorescência mostrou que, após a exposição ao glifosato, a saúde das algas, responsáveis pela fotossíntese nos líquens, foi gravemente afetada. “Isso evidencia que o glifosato afeta a capacidade de fotossíntese dos líquens”, esclarece Luciana Vitorino, uma das autoras do estudo.
Líquen do gênero Parmotrema no Parque Estadual Matas do Segredo, Mato Grosso do Sul. Esses organismos são formados por fungos e algas, que interagem entre si, e apresentam resposta rápida sobre a má qualidade do ar. Foto: Fábio Júnio Santos Fonseca, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons
Vitorino ressalta a agilidade com que os líquens respondem aos contaminantes, tornando-os sensíveis bioindicadores. “Outras espécies também podem ser afetadas pelo glifosato, mas os líquens demonstram reações mais rápidas”, explica.
Dados do Ibama reforçam a magnitude da problemática: apenas no estado de Goiás são comercializadas cerca de 20 toneladas anuais de glifosato, um número que salta para impressionantes 220 toneladas considerando todo o Brasil.
Wanderlei Pignati, médico e doutor em Saúde Pública, relaciona o aumento exponencial no uso de glifosato no Cerrado com a introdução de transgênicos, particularmente da soja Roundup Ready, resistente ao herbicida. O Cerrado, principal fronteira agrícola do Brasil, consome impressionantes 73,5% de todos os agrotóxicos vendidos no país, segundo artigo da Universidade Federal Rural do Paraná (UFPR).
Mais alarmante é a associação do glifosato e de substâncias presentes em sua composição com o câncer. Em 2015, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc), ligada à OMS, classificou o glifosato como “provavelmente cancerígeno”. Pignati destaca que, enquanto o glifosato tem essa classificação, outros componentes dos herbicidas são “comprovadamente cancerígenos”.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) reivindica a proibição do registro de produtos à base de glifosato, aludindo ao seu provável potencial cancerígeno. Eles pedem a adoção do princípio da precaução, uma medida preventiva em face da incerteza sobre riscos associados a determinados agentes.
Por fim, Pignati questiona se as quantidades estabelecidas pela Resolução nº 441 da Anvisa, que limita os componentes potencialmente nocivos dos herbicidas, estão de fato sendo respeitadas na produção desses produtos. “É fundamental sabermos”, conclui.
Este estudo não só ressalta os perigos do uso indiscriminado de agrotóxicos como também sublinha a importância de políticas públicas rigorosas e fiscalização adequada na proteção da biodiversidade e da saúde pública.
Glifosato na União Europeia: uma proibição iminente?
O futuro do glifosato, um dos herbicidas mais utilizados no mundo, está pendente na União Europeia (UE). Com o término da licença para o uso do glifosato em dezembro deste ano, a tentativa de renovação até 2033 pela Comissão Europeia não obteve o apoio necessário para sua validação. O comitê de apelação tem agora a difícil tarefa de decidir o destino do produto em novembro.
Este cenário reflete uma divisão entre os membros da UE. Notavelmente, a Alemanha, onde o glifosato foi originalmente desenvolvido, posicionou-se contra a renovação da licença, um movimento que parece ser seguido por Áustria e Luxemburgo. Por outro lado, países como Itália, Suécia e Portugal manifestaram-se favoráveis à extensão da licença. Enquanto isso, Bélgica e Holanda optaram por uma postura neutra, anunciando abstenção.
O debate sobre o glifosato é altamente polarizado. Por um lado, estão as empresas que veem o risco de perder lucros significativos e contam com o apoio de países de alta demanda, como o Brasil. Por outro, estão instituições de pesquisa, profissionais da saúde e ambientalistas que argumentam que as evidências do potencial cancerígeno do glifosato são convincentes o suficiente para justificar sua proibição.
Uma eventual proibição do glifosato na UE terá implicações globais. Para os produtores brasileiros, que são grandes consumidores do herbicida, uma proibição na UE pode significar a necessidade de adaptação para garantir o acesso ao mercado europeu. Isso pode levar a uma busca por alternativas de cultivo mais sustentáveis.
Se a UE decidir pela proibição, isso poderia impulsionar outras regiões a reavaliar suas políticas sobre o glifosato. Por outro lado, se a licença for renovada, é provável que continue o debate sobre seus possíveis riscos à saúde e ao meio ambiente. Independentemente do resultado, o debate sobre o glifosato destaca a necessidade de uma avaliação contínua e cuidadosa dos produtos químicos usados na agricultura.
*Com informações de MONGABAY
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