Estudo publicado nesta terça-feira (5) pelo Imazon mostra que criação de jurisprudência para punir ilícitos com uso de tecnologia pode mudar rumos da impunidade na Amazônia
O programa Amazônia Protege, conduzido pelo Ministério Público Federal (MPF), motivou a criação de jurisprudência no Brasil para punir desmatadores ilegais somente com o uso de tecnologia, como imagens de satélite, sem necessidade de vistoria em campo. O precedente foi apresentado em um estudo publicado nesta terça-feira (5) pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
A confirmação da legalidade de provas obtidas somente de forma remota pode acelerar punições e mudar os rumos da impunidade no bioma, diz a nota do Imazon. A medida ganha ainda mais relevância diante do atual cenário de crescimento dos crimes ambientais no bioma.
O programa do MPF foi criado em 2017 para combater o desmatamento ilegal na floresta tropical brasileira com o uso de uma metodologia até então inédita: o cruzamento de imagens de satélites com bancos de dados públicos, como o Cadastro Ambiental Rural e o Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA).
Nos quatro anos que se seguiram à criação do programa (2017 a 2020), cerca de 32 mil km² foram desmatados na Amazônia, de acordo com números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A área é maior do que o território da Bélgica. Desse total de floresta derrubada, mais de 90% ocorreu de forma ilegal, como mostrou levantamento realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais e parceiros em 2021.
Neste período, o MPF abriu 3.561 ações civis públicas no âmbito do Amazônia Protege, nos nove estados da Amazônia Legal. Tais ações abrangem mais de 231 mil hectares e somam mais de R$ 3,5 bilhões em pedidos de indenização.
O estudo recém-divulgado do Imazon é o primeiro a analisar o desempenho do Judiciário brasileiro no julgamento dessas ações e na punição de desmatadores ilegais na Amazônia a partir de informações obtidas sem vistoria a campo.
A ideia, segundo o Instituto, foi identificar se o uso de provas remotas e de ações com réu incerto (quando o responsável não é identificado) estão sendo acolhidas pela Justiça. Também foram avaliados os principais argumentos jurídicos usados pelos juízes para embasar suas sentenças.
Resultados
O estudo do Imazon mostrou que o Judiciário brasileiro ainda é relutante em aceitar esse tipo de provas em primeira instância. Quando as ações vão para as instâncias superiores, a partir dos recursos abertos pelo MPF, no entanto, a Justiça brasileira tem se mostrado favorável ao apoio da tecnologia.
Até outubro de 2020, 650 das 3.561 ações abertas pelo Ministério Público tinham sentença em primeira instância. A maioria dos processos, 506 casos, (78% do total) foi extinta porque os juízes entenderam que o MPF não apresentou elementos suficientes para a tramitação das ações, como dados do responsável, por exemplo.
Outros 80 casos (12%), corresponderam aos processos em que os magistrados determinaram o envio para julgamento da Justiça Estadual. Em apenas 51 dos casos (8%) houve condenação do réu. E em 13 casos (2%) foram sentenças improcedentes, em que os juízes negaram todos os pedidos do MPF.
Nos casos em que a sentença não foi no sentido de condenação do réu, o MPF entrou com recurso, o que correspondeu a 440 ações, das 650 julgadas em 1º instância.
O que o Imazon identificou foi que as decisões de segunda instância e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no sentido da manutenção dos processos, reforçaram que esse tipo de prova (obtida de forma remota como imagens de satélite) é considerado idôneo e tem precisão superior para aferir a área desmatada.
“A inovação do MPF em usar dados remotos que comprovam o dano ambiental já possui jurisprudência favorável do STJ. A expectativa, agora, é que esse entendimento seja adotado de forma mais célere nas decisões em primeira instância para que mais processos resultem em condenação e na obrigação de pagamento de indenização pelo dano ambiental causado à toda sociedade com o desmatamento da floresta Amazônica”, explica Jeferson Almeida, pesquisador do Imazon.
Réu incerto
O trabalho do Imazon também identificou que a aceitação de ações com réu incerto nas instâncias superiores, criou uma jurisprudência importante na punição a ilegalidades.
Ações em que o réu não é identificado estão previstas no Código de Processo Civil (CPC) e permitem que, no caso do desmatamento, seja iniciada a responsabilização pela supressão ilegal de vegetação, além de tornar pública a busca judicial pelos seus responsáveis.
“Embora todas ações contra réus incertos tenham resultado em sentenças de primeira instância que extinguiram os processos, a tendência é que isso seja revertido nos julgamentos dos recursos agora que há jurisprudência favorável do STJ”, reforça Brenda Brito, pesquisadora do Imazon.
Segundo ela, o ideal é que o Judiciário determine o bloqueio dessas áreas que estão sendo desmatadas sem um CPF identificando o desmatador, para que qualquer tentativa de utilizá-la economicamente no futuro seja acompanhada da obrigação de reparar o dano ambiental, explica Brenda.
“A obrigação de reparar o dano fica vinculada à terra, conforme entendimento do STJ ”, acrescenta.
Fonte: O Eco
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