Relatório sobre violência contra povos indígenas, divulgado na última semana, também detalha casos de destruição desta categoria de área protegida no país
O ano de 2021 registrou o segundo maior número de assassinatos contra indígenas no Brasil desde 2014. Mas não foram só as vidas humanas que pereceram. As áreas protegidas em que eles habitam também. O relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil”, divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) na última semana, mostrou que os casos de invasões e exploração ilegal de recursos naturais em Terras Indígenas praticamente triplicaram durante o governo Bolsonaro.
Segundo o relatório, no ano passado, foram computados 305 casos de invasões com intenção de estabelecer posse, exploração não autorizada de recursos e danos ao patrimônio em ao menos 226 Terras Indígenas de 22 estados do país.
Em 2018, último ano antes da chegada de Jair Bolsonaro à presidência, foram 111 invasões registradas, em 76 Terras Indígenas de 13 estados do Brasil. Esse número, segundo o Cimi, vem crescendo desde 2016, mas registrou uma escalada sob o atual governo.
Das 226 terras indígenas afetadas por invasão em 2021, ao menos 58 registraram casos de extração ilegal de madeira, areia, castanha e outros recursos naturais. A presença ilegal de pescadores e caçadores foi registrada em 57 TIs. Os casos de garimpo ou danos causados pela mineração estiveram presentes em 44 TIs, e pelo menos 33 Terras Indígenas foram afetadas por grilagem ou loteamento de terras.
“Essas violências e violações aos direitos territoriais indígenas não só aumentaram consideravelmente nos últimos anos como desenvolveram, em muitos casos, estabilidade e uma estrutura orgânica própria, que existe e funciona com a conivência e graças à omissão, também sistemática do Estado”, diz trecho do relatório.
Os estados da Amazônia Legal, onde a maioria das Terras Indígenas do Brasil estão localizadas, também é o local com maior número de casos de invasões: 236 casos, nos nove estados que compõem a região (Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins).
“Este relatório talvez tenha sido, de todos os anos que a gente fez, o mais doloroso de fazer, pelo sistema de violência que se instalou do Brasil contra os povos indígenas […] Nunca vimos tanta destruição da Terra Mãe e da natureza quanto nesse ano de 2021. A devastação é inimaginável. É garimpeiro, milhares e milhares, que entram nas TIs cavando a terra. São madeireiros que entram nas terras, devastam tudo e tacam fogo”, disse o missionário e indigenista Roberto Antonio Liebgott, um dos organizadores do relatório.
Segundo o estudo, os povos mais afetados foram os yanomâmis, mundurukus, pataxós, muras, uru-eu-wau-waus, karipunas, chiquitanos e kadiwéus. Na TI Yanomami (RO e AM), por exemplo, onde vivem cerca de 26 mil indígenas, o número de garimpeiros ilegais chega a 20 mil, atualmente.
“A luta dos povos indígenas não é a luta só dos povos indígenas. É responsabilidade do djuruá (branco), porque vocês são os que mais destroem nosso planeta, criam diversas coisas para destruir nossas terras. [..] Quero perguntar uma coisa que sempre quis perguntar para um djuruá: vocês querem ser seres humanos como nós, povos indígenas? Nós podemos ensinar a vocês como ser humano, como amar, respeitar as coisas mais simples da vida, que são as plantas, as árvores, a água, os animais e nós, os verdadeiros originários dessa terra”, disse a indígena Neusa Kunha Tukua, liderança do povo Guarani Nhandevá, durante a apresentação do relatório.
Saltos sucessivos no desmatamento
As terras indígenas ocupam 13,9% do território brasileiro e contêm 109,7 milhões de hectares de vegetação nativa. Nos últimos 30 anos, as TI brasileiras perderam apenas 1% de sua cobertura vegetal, enquanto nas áreas privadas, a perda foi de 20,6%. Por isso, elas são consideradas “escudos” contra a destruição.
Nos últimos anos, no entanto, o desmatamento vem crescendo nessas áreas. Segundo estudo realizado pelo MapBiomas, divulgado em abril deste ano, o desmatamento detectado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em TIs na Amazônia se multiplicou por 1,7 na média dos últimos três anos, quando comparado com a média de 2016 a 2018.
Segundo o documento do Cimi, o contexto geral dos ataques aos territórios e aos indígenas está relacionado a uma série de medidas do poder Executivo que favoreceram a exploração e a apropriação privada de TIs. Entre essas ações estão as normas criadas pelo Governo Federal e seus aliados no Congresso no sentido de desmontar a proteção constitucional aos povos indígenas e seus territórios.
Funai e terras indígenas
É o caso da Instrução Normativa 09, publicada pela Funai em 2020, que liberou a certificação de propriedades privadas sobre terras indígenas não homologadas, e a Instrução Normativa Conjunta da Funai e Ibama que, em 2021, passou a permitir a exploração econômica de terras indígenas por associações e organizações de “composição mista” entre indígenas e não indígenas.
Também entram nesta lista o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que inviabiliza novas demarcações e abre as terras já demarcadas à exploração predatória, e o PL 191/2020, de autoria do próprio governo federal, que pretende liberar a mineração em TIs.
“Esse conjunto de ações deu aos invasores confiança para avançarem em suas ações ilegais terras indígenas. Garimpos desenvolveram ampla infraestrutura, invasores ampliaram o desmatamento de áreas de floresta para a abertura de pastos e o plantio de monoculturas, e caçadores, pescadores e madeireiros intensificaram suas incursões aos territórios”, diz nota do Cimi.
Fonte: O Eco
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