Registros das onças tornam essa região da Mata Atlântica área prioritária para conservação
Pesquisadores do Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar estão há oito anos trabalhando na Mata Atlântica e recentemente confirmaram a presença de uma população de onças-pintadas (Panthera onca) na Serra do Mar paranaense, com o registro de cinco animais. O estudo foi divulgado na revista científica Oryx, publicada pela universidade britânica de Cambridge.
Com a descoberta, a área de ocupação da onça-pintada na Mata Atlântica foi ampliada em 9%. Considerando a Serra do Mar, esta ocupação subiu para 46,9%, o que torna a região a maior área de prioritária para a conservação da espécie no bioma brasileiro.
A descoberta é ainda mais relevante pela presença confirmada de machos e fêmeas, indicando a existência de uma população de onças com potencial reprodutivo.
“Os indivíduos que registramos estão em uma área florestal extensa e de difícil acesso. Por isso, a ausência de registros de onça-pintada nos últimos 20 anos pode ser resultado da falta de levantamentos, ao invés de refletir a ausência da espécie necessariamente. Investimos na investigação e tivemos esses importantes registros, que mudam o olhar sobre a política de conservação da espécie em nível nacional e local, atestando a importância da região e da sua proteção”, conta Roberto Fusco, Doutor em Ecologia e Conservação e pesquisador e coordenador técnico do Programa.
Fusco explica que esses animais foram pressionados para áreas montanhosas e de difícil acesso principalmente por conta da caça, desmatamento e extração de palmito. “As onças-pintadas, assim como outras espécies de grandes mamíferos, são as que mais sofrem, direta e indiretamente, com a fragmentação das florestas e a pressão de caça porque dependem de áreas extensas e saudáveis para sobreviver. Na Serra do Mar, esses animais encontraram refúgio em áreas montanhosas, mais remotas e com difícil acesso para humanos, fator que talvez tenha contribuído para que esses felinos ficassem tanto tempo sem ser registrados”, diz.
Hoje, a população de onças-pintadas na Mata Atlântica está em torno de 300 indivíduos, distribuídos em pequenas e restritas subpopulações, inclusive em florestas maiores. No bioma, uma das florestas tropicais mais ameaçadas do planeta, a espécie já perdeu 85% de seu habitat.
“Temos os dados e estamos indicando o que é necessário ser feito para salvar a espécie que é símbolo da biodiversidade brasileira e que será exposta ao mundo no uniforme da Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo”, ressalta Fusco.
Florestas preservadas
A Serra do Mar no Paraná, onde a nova população de onças foi descoberta, integra o território da Grande Reserva Mata Atlântica, o maior contínuo de floresta protegida desse bioma no país e se torna uma região mais segura para estes felinos.
Para Marion Silva, gerente de Ciência e Conservação da Fundação Grupo Boticário, a descoberta é o início de um novo marco para o território. “A Grande Reserva é uma oportunidade única para a conservação de uma das áreas mais importantes em biodiversidade do mundo. A presença da onça-pintada mostra o quanto os 2,7 milhões de hectares desse território são valiosos para a fauna, a flora e as pessoas. Esses resultados também demonstram a importância de investir em iniciativas que impactem positivamente a região”, reflete Marion, explicando que a Grande Reserva Mata Atlântica faz parte de 60 municípios de Santa Catarina, Paraná e São Paulo.
Área prioritária para conservação da onça-pintada
A atuação do Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar na localidade integra a Estratégia de Conservação da Onça-Pintada 2020-2030, um programa da Rede WWF em parceria com outras organizações, que contempla 15 áreas prioritárias, em 14 dos 18 países onde o felino ainda vive.
“Essa estratégia é um plano transfronteiriço, com o objetivo de garantir a conservação e recuperação da onça-pintada, especialmente em áreas prioritárias. Essa descoberta é um enorme passo nesse sentido, tendo muito impacto nas ações locais e globais de conservação. Ao proteger uma espécie topo de cadeia, como a onça-pintada, todo o entorno é beneficiado”, diz Felipe Feliciani, Analista de Conservação do WWF-Brasil.
Para Felipe, a onça-pintada pode se tornar um símbolo de desenvolvimento sustentável na América Latina, e os esforços dirigidos para a sua conservação podem ajudar os países a cumprirem suas metas nesse tema.
Histórico de registros
Nos últimos oito anos, os pesquisadores do Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar buscaram a ocorrência da onça-pintada em 6.500 quilômetros quadrados de floresta, utilizando dois métodos científicos: armadilhas fotográficas (câmeras escondidas que registram imagens da movimentação na floresta) e entrevista com moradores de comunidades rurais.
Ao todo, foram 98 estações com armadilhas fotográficas e 249 entrevistas que apontaram áreas com o potencial de presença do animal. Os resultados culminaram em registros inéditos para a região de cinco onças-pintadas: duas fêmeas, dois machos e um indivíduo que não foi possível definir o sexo por meio das imagens.
O primeiro registro foi feito em 2018, de um casal, exibindo comportamento de acasalamento (fotos no início da matéria) e, posteriormente, novos indivíduos em 2019. A presença de fêmeas e machos próximos indica que o uso dessa área pelas onças não é ocasional, mas que estão utilizando-a como parte de seus territórios para patrulhamento e reprodução, segundo Fusco.
O biólogo explica que os novos registros modificaram o status de uma área não ocupada para ocupada de onças-pintadas. “Tivemos um aumento de 9% na área de ocupação de onças na Mata Atlântica e um aumento de 46,9% na ocupação na Serra do Mar, em comparação com as áreas anteriormente estimadas de 37.825 e 7.315 quilômetros quadrados, respectivamente.
Fusco acrescenta que, com o monitoramento em larga escala, seria possível entender os padrões e o processo de expansão e retração da população de onças ao longo do tempo e identificar potenciais conflitos de humanos com onças, um dos fatores que levam à morte desses animais por retaliação.
“Esses dados são cruciais para a identificação de corredores e áreas de população que requerem proteção, para a mitigação de conflitos e planejamento de conservação. A descoberta é um sopro de esperança para espécie que está criticamente ameaçada de extinção na Mata Atlântica. Mas agora também é uma responsabilidade”, explica Fusco.
O pesquisador ainda reforça a importância de áreas protegidas para a conservação da espécie e a necessidade urgente de ações para reduzir a caça de onças e suas presas (como porcos-do-mato, veados, pacas, tatus e etc) de forma que garanta a persistência e a expansão populacional da onça-pintada ao longo da Mata Atlântica costeira.
Fonte: CicloVivo
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